sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Mar, terra, e o equilíbrio dos atributos


Por Allen Porto

"Nem tanto ao mar, nem tanto à terra" - diz o ditado. No que diz respeito aos atributos de Deus, a máxima se torna um guia interessante. Digo isto porque, em tempos de crise e tragédias como a do Haiti, há exageros em dois extremos: alguns que vêem Deus só como amor, e outros que O observam apenas como justiça.

O desequilíbrio na maneira como percebemos o Senhor pode atrapalhar consideravelmente a maneira como nos relacionamos com ele, e como observamos a realidade em geral.

Essa ênfase errônea em apenas um atributo revela a desconsideração da Escritura em sua totalidade. Não digo que há uma intenção malévola de perverter o ensinamento escriturístico, mas, se não há maldade, pelo menos há ingenuidade, ou ignorância - e os resultados práticos disto podem ser tão ruins quanto o da maldade deliberada.

Tomemos, por exemplo, o atributo da cognoscibilidade de Deus. Basicamente, ensina que Deus pode ser conhecido. A idéia de conhecimento relacionado ao ser de Deus é desprezível para alguns em nosso tempo: por um lado, há os que negam a Divindade, e, por isso, consideram que algo inexistente não pode ser conhecido. Mas há cristãos caminhando nesse mesmo sentido. Eles não negam a existência de Deus, mas rejeitam tudo relacionado ao uso do intelecto na religião, e assim preferem dizer que Deus é "experimentado", mais do que conhecido.

Para muitos desses, o termo "conhecimento" em si já traz uma carga não-cristã, uma importação da filosofia grega, ou expressa a ocidentalização da fé. A fim de justificar seu pensamento, porém, recorrem muito mais à filosofia existencialista ou alguma corrente de pensadores ocidentais, do que ao texto bíblico. E assim refutam a sua própria perspectiva.

A Escritura, por outro lado, trabalha num equilíbrio recheado de beleza. Deus é "experimentado" no sentido de se viver uma relação pessoal com Ele, mas esse relacionamento se perfaz nos termos da Escritura, que exige o intelecto humano em sua expressão religiosa. A cognoscibilidade de Deus se mostra, em parte, na apresentação bíblica dos Seus atributos.

Deus pode ser conhecido? Deixemos que Ele responda:

...mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o SENHOR e faço misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o SENHOR. [Jr.9.24]

A busca de uma visão completa, porém, não permite ficarmos presos exclusivamente à cognoscibilidade de Deus. Enfatizarmos apenas este atributo, pode gerar o erro de estendermos o seu limite além do permitido. Não é porque Deus pode ser conhecido, que Ele pode ser exaustivamente conhecido e compreendido.

Por isso, a cognoscibilidade precisa ser pensada em paralelo com a incompreensibilidade de Deus. A fim de não nos orgulharmos e pensarmos que podemos "dominar" a matéria divina, somos lembrados constantemente que Deus está bastante além da nossa finita capacidade de compreendê-lo. Ele tem grandeza e pensamentos insondáveis [Sl.145.3; Rm.11.33-36]. Para usar o linguajar do Francis Schaeffer, podemos ter conhecimento verdadeiro sobre Deus, mas não conhecimento exaustivo.

Este equilíbrio, na prática, gera segurança e humildade. Torna-nos seres humildes, diante da grandeza do Senhor, O incompreensível. Mostra a nossa limitação e fraqueza. Livra-nos de considerarmos nosso intelecto além do que ele merece. Ao mesmo tempo, dá-nos segurança, por nos fazer confiar que, mesmo com nossa limitação, Deus ainda Se revela, e pode ser conhecido por nós. Novamente, como diria o Schaeffer: "Ele está lá, e não está em silêncio"*.

*Este é o título de um dos livros do autor: "He is there and He is no silent", traduzido no Brasil como "O Deus que Se revela".

Allen Porto é blogueiro do A Bíblia, o Jornal e a Caneta, e escreve às quintas-feiras no 5C.

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