segunda-feira, 31 de maio de 2010

A Vontade Soberana de Deus


John Gill – (1697 - 1771)

1. Provo que há uma vontade em Deus; à razão de que em todos os seres inteligentes há uma vontade, como também uma compreensão; como em anjos e homens, assim é com Deus; como Ele tem uma compreensão do que é infinito e imperscrutável, assim ele tem uma vontade; fazer a vontade dEle é o mais apropriado. As influências de Sua compreensão guiam a sua vontade, e a Sua vontade determina todas as suas ações; e a Sua vontade sendo dirigida assim, sabiamente, é chamada de "o conselho da sua vontade" (Ef. 1:11). A vontade freqüentemente é atribuída à Deus na Bíblia; “Faça-se a vontade do Senhor.” (Atos 21:14). “Porquanto, quem tem resistido à sua vontade?” (Rm. 9:19). “Descobrindo-nos o mistério da sua vontade,” (Ef. 1:9) e em muitos outros lugares; a vontade de Deus não é de nenhum modo diferente de Sua própria propensão; é essencial a Ele; é a Sua natureza e essência; não é separada, ou considerada como distinta, ou como uma parte de um todo; o que seria contrário ao claro senso de Deus; ou para ser um simples espírito desapiedado que fora estabelecido. A vontade é atribuída a cada uma das pessoas divinas; para o Pai, (Jo 6:39, 40) para o Filho, como uma pessoa divina, (Jo 5:21, 17:24) e quem também, como homem, teve uma vontade distinta dessa, entretanto sujeitou-se, (Jo 6:38; Lc 22:42) e para o Espírito que é dito que restringe e não sofre algumas coisas que são feitas; quer dizer, não os permite; e não permitir é um ato da vontade, como também decidir, (Atos 16:6, 7) é dito que ele reparte os seus dons aos homens “como quer” (1 Cor. 12:11). E estes três, como eles são um Deus, concordam em um, em uma mente e vontade.

2. Mostrarei agora no que consiste a vontade de Deus: há apenas uma vontade em Deus; mas para nossa melhor compreensão, pode-se distinguir isso. Eu não aborrecerei o leitor com todas as distinções feitas pelos homens; algumas são falsas e outras vãs e inúteis; como absoluto e condicional, antecedente e conseqüente, eficaz e ineficaz, etc. A distinção de "secreta" e "revelada" vontade de Deus é obtida entre as perfeições divinas; a primeira é propriamente a vontade de Deus, a segunda somente a sua manifestação.

Qualquer que seja a resolução de Deus em Si mesmo, quer para Si ou para outros, ou permitir ocorrer, enquanto está em seu íntimo, não se faz saber por qualquer evento da providência, ou pela profecia, que é a Sua vontade secreta; assim são as profundezas de Deus, os pensamentos de Seu coração, os conselhos e determinações de Sua mente; que são impenetráveis a outros; mas quando se abrem pelos eventos da providência ou pela profecia então eles se tornam a revelada vontade de Deus. A secreta vontade de Deus torna-se revelada pelos eventos da providência, é considerada geral ou especial; a providência geral de Deus com respeito ao mundo e a Igreja não é outra coisa do que a sua execução, e assim a manifestação da Sua secreta vontade, com respeito a ambos: o mundo e suas obras, a origem das nações, o estabelecimento delas nas várias partes do mundo, o surgimento de estados e reinos e particularmente das quatro monarquias e a sua sucessão: para a Igreja, na linha de Sete, de Adão e na linha de Sem, de Noé e no povo de Israel, de Abraão, para a vinda de Cristo e o livro de Apocalipse é a manifestação da vontade secreta de Deus com respeito a ambos, da vinda de Cristo ao fim do mundo, grande parte do qual já foi cumprida e o restante será cumprido como a destruição do anticristo e do estado anticristão, a conversão dos judeus e a vinda da plenitude dos gentios e o reino espiritual e pessoal de Cristo. Essas são agora reveladas, ainda que o tempo em que elas tomarão lugar esteja na vontade secreta de Deus.A providência de Deus pode ser considerada como especial com respeito a pessoas em particular; há um propósito ou secreta vontade de Deus com respeito a cada homem; e há um tempo fixado para todo propósito; um tempo para nascer e um tempo para morrer, e para tudo o que vier a acontecer ao homem entre o seu nascimento e morte: tudo o que em seu devido tempo se abriu, pela providência e que era secreto veio a ser revelado: dessa maneira sabemos para que nascemos, que nossos país no tempo e circunstâncias de nosso nascimento como relatado a nós, viemos a saber que acontece a nós, se em adverso ou próspero caminho; Deus tem executado o que foi determinado para nós, como Jó diz de si mesmo; mas então como ele observa: “muitas coisas como estas ainda tem consigo”, em Sua vontade secreta. Não sabemos o que sucederá conosco e embora saibamos que um dia iremos morrer, isso é revelado, mas quando e onde, de que maneira e circunstância, não sabemos, o que resta na secreta vontade de Deus. Algumas coisas que pertencem a secreta vontade de Deus vem a ser reveladas pelas profecias, assim foi feito saber a Abraão, que a sua semente de acordo com a secreta vontade de Deus, deveria ser em uma terra, não sua, quatrocentos anos e ser afligida e vir a se tornar uma grande nação; Deus não ocultou a Abraão o que Ele secretamente tinha em mente, em destruir Sodoma e Gomorra e de fato isso foi usual pelo Senhor para fazer nada mas do que a revelação para seus servos os profetas; particularmente todas as coisas relativas a Cristo, Sua encarnação, ofícios, obediência, sofrimentos, morte e a glória que deveria suceder, seria todo o significado anteriormente, para os profetas, pelo Espírito de Cristo neles.

A vontade de Deus, que Ele tem feito pelo homem, é revelada na lei, que é chamada “sua vontade” (Rm 2:18). Isto foi feito a saber a Adão, pela inscrição no seu coração, portanto, ele sabia o que era a obediência a Deus, para ser executada por ele, isto, ainda que fracamente obliterada pelo pecado, ainda aqui é alguma coisa restante nos gentios, que fez pela natureza as coisas contidas nela, que mostra a obra da lei escrita em seus corações: uma nova edição desta lei foi entregue para os Israelitas, escritas em tábuas de pedra, pelo dedo de Deus; em conformidade com o que eles a si mesmo procediam e tomar a possessão de Canaã e gozar os privilégios disto: e na regeneração a lei de Deus é posta no íntimo e escrita nos corações do povo de Deus; que sendo transformado pela renovação das mentes vem a saber qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus (Rm 12:2). Isto é em relação a obediência a ambos para Deus e o homem.

Esta é a revelada vontade de Deus no Evangelho; em relação aos tipos de intenções, e graciosas considerações de Deus ao homem, e revelar o que antes era Sua secreta vontade em relação a ele; como Ele tinha escolhido alguns para a vida eterna, e os designou para a salvação por Cristo e nomeado a Cristo para ser o Salvador; e Cristo fazendo a vontade de Deus veio do céu a terra para tal, e isto é a vontade de Deus, que esses deveriam ser regenerados e santificados; e “nunca hão de perecer, mas tem a vida a vida (Ef 1:4,5; Jo 6:38; I Ts 4:3; Jo 6:39,40; Mt 18:14). Mas por conseguinte, tudo isto é a revelada vontade de Deus, no Evangelho, contudo, quanto a pessoas neste ponto, esta é em grande medida, uma secreta eleição de Deus, e dessa maneira o restante, pode ser conhecido pelo Evangelho vindo com poder ao coração e pela obra da graça sobre ele, e o conhecimento deveria ser depois buscado; porém não é alcançado senão por quem é favorecido com uma plena convicção de fé; e quanto a outros, ainda que possam, em um julgamento de obras, pela razão de suas declaradas experiências, seus discursos agradáveis e proceder piedoso, deduzir que são eleitos de Deus.

Porém isto não pode certamente ser conhecido, mas pela divina revelação, como foi pelo apóstolo Paulo, que Clemente e outros de seus companheiros cooperadores, tinham seus nomes escritos no livro da vida (Fl 4:3). Esta é a revelada vontade de Deus, que deve haver uma ressurreição da morte, dos justos e injustos; e que todos devem comparecer no julgamento diante do trono de Cristo; que depois da morte deve vir tal julgamento; e ainda que seja revelado, que há um dia fixado, bem como uma pessoa designada para julgar o mundo com justiça; porém, o dia e a hora ninguém sabe, nem os anjos; mas Deus somente. Assim, que sobre tudo, ainda há algum fundamento para esta distinção da secreta e revelada vontade de Deus, porém isto não é completamente claro; há uma mistura, parte da vontade de Deus é ainda secreta e parte é revelada, em relação ao mesmo propósito, como tem sido observado e plenamente mostrado.
A mais acurada distinção da vontade de Deus está no seu propósito e prescrição; ou as ordens e decretos da Sua vontade.

As ordens de Deus, ou seus mandamentos são os que estão declarados nas Escrituras, que devem ser conhecidos pelo homem e é desejável que ele possa ter conhecimento e estar inteirado disso (Mt 7:21, 12:50; Cl. 1:9, 4:12).

Esta é a regra da obediência humana; o qual consiste do temor a Deus e da guarda de seus mandamentos; isto é feito, mas por alguns apenas, e não de forma perfeita; todo pecado é a transgressão disto; quando essas coisas são feitas corretamente pela fé, provindo do amor e para a glória de Deus, todo homem regenerado deseja fazer da melhor maneira e se puder, perfeitamente; mesmo é feito pelos anjos no céu. Deus, pela declaração de Sua vontade, mostra Sua aprovação, que é aceitável a Ele, quando feito corretamente e torna o homem que não faz inescusável, e resulta na aparição da justiça divina em infligir punição a tais pessoas.

Os decretos da vontade de Deus são propriamente falando, Sua vontade; a outra é a Sua Palavra; esta é a regra de Suas próprias ações, Ele fez todas as coisas nos céus e terra em conseqüência dessa Sua vontade, o conselho dela; e esta vontade é sempre feita, não pode ser resistida, frustrada e cancelada; Ele faz tudo o que desejar; “seus conselhos permanecem e os pensamentos de Seu coração são para todas as gerações”; e isto é as vezes cumprido por esses que não tem consideração pela Sua vontade de propósito, e não tem conhecimento disto, mesmo quando a estão fazendo; como Herodes e Pilatos, os judeus e gentios, que estavam contra Cristo (At 4:27-28) e os dez reis, cujos corações Deus pôs a Sua vontade, para dar seus reinos a besta (Ap 17:17) e esta vontade de Deus deve estar na mente de tudo que intencionarmos fazer; dizendo: “Se o Senhor quiser, e se vivermos, faremos isto ou aquilo.” (I Co 4:19, Tg 4:13-15), e isto deve ser de nosso conhecimento e submissão a todo estado e condição de vida, se de prosperidade ou adversidade, ou qualquer coisa que venha a nos acometer, ou a nossos amigos e conhecidos (At 21:14) e isto, propriamente falando, é somente e a única vontade de Deus.

3. Quais são os objetos:

Primeiro, o próprio Deus, não Sua natureza e modo de subsistir; como a paternidade do Pai; a geração do Filho; e a presença do Espírito naturalmente e necessariamente existem e não dependem da vontade de Deus: mas de Sua própria glória; “O SENHOR fez todas as coisas”, que são para Sua própria glória (Pv 16:4). Ele deseja a Sua própria glória em tudo o que faz; como “todas as coisas são feitas por Ele”, como a causa eficiente; e “através dEle”, como sabiamente os distribui; assim é “para ele”, para Sua glória, como a causa final e o derradeiro fim de tudo; e isto Ele necessariamente deseja; Ele não pode mas Sua própria glória; como “Ele não dará Sua glória a outro”; Ele não pode desejar a outro; o que seria negar a Si mesmo.

Segundo, todas as coisas aparte de Deus, se boas ou más, são os objetos de Sua vontade, ou que Sua vontade é de algum modo ou outro interessada em diferenciar, de fato, entre os objetos do conhecimento e poder de Deus e os objetos de Sua vontade; entretanto Ele conhece todas as coisas, em Seu entendimento, e Seu poder alcança tudo o que é possível; porém Ele não quer todas as coisas transmitidas, se a palavra pode ser permitida, ou que possa ter volição, razão do qual, Amesius [1] observa, ainda que Deus seja onisciente e onipotente, não é onivolente (todo-vontade).

Terceiro, todas as coisas boas.

Todas as coisas na natureza; todas as coisas foram feitas por Ele e tudo que foi originalmente bom foi feito por Ele, mesmo “muito bom” e tudo foi feito de acordo com Sua vontade; “tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas” (Ap 4:11), mesmo os céus, terra e mar,e tudo o que neles há.

Todas as coisas em Deus.

O Reino de Deus regula a providência sobre tudo, e se estende a todas as criaturas, anjos e homens e tudo o mais e todos os eventos que sucedem a eles; nenhum pardal cai ao chão sem que seja pela vontade de Deus; “e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu”; na celestial habitação dos anjos; “e os moradores da terra” (Dn 4:35) não há nada que venha suceder que Deus não tenha determinado, ordenado e designado. “Quem é aquele que diz, e assim acontece, quando o Senhor o não mande?” (Lm 3:37).Todas as coisas na graça estão de acordo com a vontade de Deus, todas as bençãos espirituais em Cristo, todas as graças dadas aos eleitos em Cristo, antes da fundação do mundo; a escolha deles em Cristo; predestinação para adoção por Ele; redenção pelo Seu sangue; regeneração, santificação e eterna herança; tudo está de acordo com o beneplácito de Sua vontade (2 Tm. 1:9; Ef. 1:3-5, 7, 9, 11; Tg1:18; 1 Ts. 4:3).

Segundo, todas as coisas más são objetos da vontade de Deus; sendo de dois tipos.A maldade das aflições; quer seja um modo de correção ou de punição: se um modo de correção, como ao povo de Deus, ele está de acordo com a vontade de Deus; não surgiu da terra, nem vem por acaso, mas pela vontade, ordem e desígnio de Deus; em qualidade, quantidade, duração, fins e usos, (Jó 23:14, Mic 6:9, 1Ts 3:3) o qual é consistente com a justiça, santidade, sabedoria, amor e bondade de Deus. Se ele é um meio de punição, é para os homens ímpios e incrédulos; não há razão para queixar-se deles, visto que eles são inferiores ao que realmente mereceriam pelos seus pecados; e não é injusto o que um Deus íntegro infligirá neles (Lm 3:39) todos os julgamentos, calamidades e desastres que vem sobre reinos, nações, cidades e sobre pessoas em particular, são todas de Deus, e estão de acordo com o conselho de Sua vontade (Amós 3:6). Não que Deus faça essas coisas por causa deles; ou que tenha prazer nas aflições ou misérias de Suas criaturas, (Lm 3:33, Ez 18:32) mas com a finalidade de algo superior: as aflições de Seu povo são para o seu bem espiritual, bem como para a Sua própria glória: e a punição dos ímpios é para a glorificação de Sua justiça.

Há o mal da falha e da responsabilidade (ou culpa), que é pecado: sobre isto há alguma dificuldade de como a vontade de Deus é participante, consistente com Sua pureza e santidade: que a vontade de Deus é de algum modo ou de outro ocupada com isto é certamente correto; porque Ele determina ou não os acontecimentos: o último não pode ser, em razão de nada suceder sem a permissão dEle (Lm 3:37) ou Ele nem determina, nem permite, quer dizer, que Ele não tem cuidado com isso, nem interesse; e assim os fatos estão fora de Sua área de jurisdição e não estão ao alcance de Sua providência; o que não pode ser admitido e que nenhum cristão dirá, mas os que são inclinados ao ateísmo, sim (veja Ez 9:9, Sf 1:12). Além disso, Beza [2],e outros argumentam que Deus fez uma exceção voluntária em permitir a existência do pecado, não podendo ser mostrado, nem de Sua justiça punitiva, nem de Sua misericórdia: pelo qual pode ser acrescentado, que a presciência de Deus sobre o pecado deva plenamente provar Sua vontade nisso; que a presciência de Deus previra a existência do pecado, é correto; como a queda de Adão, desde que ele fez uma provisão, em Cristo, para a salvação do homem revelado nEle, antes deveria; e assim outros pecados (2 Sm. 12:11, 16:22). Agora certo e imutável pré-conhecimento, tal como o pré-conhecimento de Deus, é criado sobre um certo e imutável motivo; que não pode ser outro do que a vontade divina; a presciência de Deus, certamente, é que tais coisas seriam assim; em razão que Ele determinou em Sua vontade o que deveria de ser.

Para estabelecer esta relação em uma luz melhor, é adequado considerar, o que é o pecado, e o que é relativo a ele: há o ato do pecado, e há a culpa pelo pecado, que é o dever de punir, e a punir própria. Relativo a dois últimos tipos não há dificuldade; que Deus deva querer que o homem por causa do pecado torne-se culpado; seja considerado, julgado, e tratado como tal; ou minta sobre sob a obrigação em punir e punir propriamente; nem que Ele deva puni-lo designando-o e o predestinando para isto (Pv 16;4; Jd 1:4).

A única dificuldade é sobre o ato do pecado; em poder considerá-lo natural ou moral; ou o ato, desordem, irregularidade e viciosidade dele: como em ação, considerando de forma aberta, é de Deus e de acordo com a Sua vontade; sem o qual o discurso de Sua providência, nada pode ser executado; Ele é a fonte e origem de ação e moção; nEle está toda a vida e movimento onde temos a existência (At 17:28) mas então a viciosidade e irregularidade disto, como é uma aberração da lei de Deus e uma transgressão disto, é do homem somente; e não se pode dizer que isso seja a vontade de Deus; Ele proíbe isso, Ele abomina e detesta; Ele não tem prazer nisso; Ele tem olhos puros para até mesmo contemplar isso com aprovação e prazer. Deus não pode se inclinar para o pecado, ou por causa de si mesmo; mas por causa de algum bem que seja provocado por isso; como a queda de Adão, para a glorificação de Sua justiça e misericórdia, em punir em grande extensão a sua posteridade, e salvando outros: o pecado dos irmãos de José, vendendo-o ao Egito, para o bem dele e de seu pai Jacó, e outros; e o pecado dos judeus, em crucificar a Cristo, para a redenção e salvação dos homens. E, além disso, Deus pode permitir um pecado como uma punição para outros; como certamente Ele tem no caso dos Israelitas (Os 4:9, 10,13) dos filósofos pagãos (Rm 1:28) e dos papistas (II Ts 2:9-12). Uma vez mais, ainda que de Deus possa ser dito em tal sentido, desejar o pecado, ainda Ele quer isto em um modo diferente que Ele quer que o seu fim seja bom; Ele não fará isso por si mesmo, nem por outros; mas permite ser feito; e qual não é uma permissão aberta, mas uma permissão voluntária; e é expressada por Deus “dando” ao homem para seu próprio coração luxuriante, e por “sofrimento” ele vai em seu próprio caminho pecaminoso (Sl. 81:12; At 14:16) Ele não deseja isso pela Sua vontade efetiva, mas pela Sua vontade permissiva; e portanto não pode ser imputado como o autor do pecado; desde aqui há uma grande diferença entre Ele fazer e o ser feito por outros, ou ordenar ser feito, somente pode fazê-lo o autor do pecado; e voluntariamente permitindo ou sofrendo isto ao ser feito por outros.

4. A natureza e propriedades da vontade de Deus.

Primeiro, é natural e essencial a Ele; é a Sua verdadeira natureza e essência; Sua vontade é a Sua própria inclinação; e por essa razão pode haver apenas uma vontade em Deus; visto que há um único Deus, de quem a natureza e essência é um; ainda que haja três pessoas na trindade, há apenas uma natureza não dividida, comum a todos os três, e a mesma vontade única: Ele é um, e concorda em um; Deus é um em mente, ou vontade, ainda que possa haver distinções de Sua vontade, e diferentes propósitos dela, e diversos meios no qual Ele concorda, não obstante, é por um único ato eterno da vontade que Ele determina todas as coisas. Conseqüentemente também Sua vontade é incomunicável para uma criatura; a vontade de Deus não pode ser diferente em uma criatura, mas afim de que ela a confirme, concorde e se submeta a ela, foi incomunicável até mesmo para a natureza humana de Cristo, ainda que tendo união com a pessoa do Filho de Deus; porém Sua vontade divina e humana são distintas uma da outra, ainda que uma seja sujeita a outra (Jo 6:38; Lc 22:42).

Segundo, a vontade de Deus é “eterna”, como podemos concluir do atributo de “eternidade”; para Deus ser eterno, como certamente é, mesmo de eternidade a eternidade, então Sua vontade deve ser eterna, desde sua natureza e essência e de Sua “imutabilidade”; que não muda, e em que não há sombra de mudança; mas se qualquer nova vontade surge em Deus, o que não foi na eternidade, haveria uma mudança nEle; Ele não seria o mesmo que foi na eternidade; considerando que Ele é o mesmo ontem, hoje e sempre e da Sua “presciência”, o qual é eterna; “Conhecidas são a Deus, desde o princípio do mundo, todas as suas obras.”, ou desde a eternidade (Atos 15:18) e como a presciência de Deus surge de Sua vontade, Ele sabe de antemão o que deseja, como tem sido observado, em razão de Ele ter determinado, em Sua vontade o que deveria de ser; assim, se o Seu conhecimento é eterno, Sua vontade deve ser eterna. Do mesmo modo, isto pode ser ilustrado pelo decreto da “eleição”; que foi, certamente, antes do homem ter feito tanto o bem quanto o mal; foi desde o princípio, ou desde a eternidade, mesmo até antes da fundação do mundo (Ef. 1:4) e como o decreto e determinação da vontade de Deus foi assim, o mesmo pode ser concluído de tudo o mais; adicionado a tudo que a vontade de Deus é participante, em “todas as coisas” que tem sido “desde o princípio” do mundo, agora é, ou deve ser para o fim disto; e, portanto, deve ser antes da existência do mundo e se é antes dele, então é antes do tempo; e se é antes do tempo, deve ser eterna; porque nada sabemos antes do tempo, mas o que é eterno.

Terceiro, a vontade de Deus é “imutável”: imutabilidade é expressamente atribuída ao conselho de Deus; que é para a vontade e propósito de Deus (Hb. 6:17) e pode ser estabelecida a partir do atributo de “imutabilidade”; se Deus é imutavelmente o mesmo, e como Ele é, então Sua vontade deve ser a mesma, desde a Sua natureza e essência se uma mudança é feita na vontade de uma criatura, ou por começar a querer o que antes não queria, ou pela interrupção do que tinha propensão agora causa o começo de uma nova vontade; ou desejando o que não queria, supõe prévia ignorância do que agora começou a querer; nem conhecendo a sua aptidão e propriedades, sendo ignorante de sua natureza, excelência e utilidade; por desconhecer algo que não pode desejar e concordar: mas tal como uma mudança de vontade nunca pode ter lugar em Deus, como um fundamento; desde que isso não somente é contrário a Sua eternidade e imutabilidade, mas ao Seu conhecimento, cujo entendimento é infinito: ou uma criatura muda a sua vontade, quando esse querer cessa; o qual é tampouco por escolha, ou por obrigação; de escolher, quando alguma coisa imprevista acontece, qualquer causa pode mudar esta vontade e tomar outro curso. Mas nada deste tipo pode suceder a Deus, antes, em quem todas as coisas estão uma vez juntas, expostas e abertas; mesmo antes da eternidade ou senão pela força, sendo compelida, porque não pode executar esta vontade, e, portanto, a renuncia e toma outro curso: “Mas quem tem resistido a Sua vontade?”, a vontade de Deus, assim como Ele causa a cessação e a interrupção? Se Deus muda Sua vontade, deve ser tampouco para melhor ou para pior; e de qualquer modo isto mostraria imperfeições nEle e carência de sabedoria; Deus pode aparentemente mudar Seus desígnios das coisas, mas Ele nunca muda Sua vontade: arrependimento atribuído a Ele não é prova disto, “Ele é um em mente e quem pode voltar-se para Ele? Sua vontade não pode ser alterada nem mudada, nem pelas orações de Seu povo.

Quarto, a vontade de Deus é sempre eficaz; não há desejos imaginários ou graus ineficazes de volição em Deus; Sua vontade é sempre efetuada, nunca pode ser anulada ou cancelada; Ele faz tudo o que lhe agrada, ou quer, Seu conselho permanece para sempre e Ele sempre faz o que for de Seu interesse, de outro modo Ele não seria onipotente, como Ele é: ela deve ser pela necessidade de Seu poder, se Sua vontade não é cumprida, o que não pode ser dito; como Ele é onipotente, assim é Sua vontade; Austin [3] assim a chama de máxima onipotente vontade: se não foi este o caso, seria até certo grau, ou algo “superior” a Ele; ao passo que Ele é Deus sobre tudo, o Altíssimo, e nunca pode ser contradito por quem quer que seja: e se Sua vontade foi ineficiente Ele seria “frustrado” e desapontado em Seu propósito: mas como nada vai além do que o homem diz, e do que o Senhor não ordena; assim, tudo o que o Senhor diz, quer e ordena deve certamente vir a ocorrer; “O SENHOR dos Exércitos jurou, dizendo: Como pensei, assim sucederá, e como determinei, assim se efetuará.”; “Porque o SENHOR dos Exércitos o determinou; quem o invalidará? E a sua mão está estendida; quem pois a fará voltar atrás?” (Is. 14:24, 27). Além disso, se Sua vontade não foi eficiente, ou falhou no seu cumprimento, Ele não seria feliz: quando a vontade de um homem é ineficiente e não pode ser cumprir algo, isso causa inquietação, o faz infeliz; mas isso nunca pode ser dito de Deus, que é bem-aventurado, o bem-aventurado Deus, bem-aventurado para todo o sempre.

Quinto, a vontade de Deus não tem causa fora de si mesma; por conseguinte seria anterior a Ele e maior e mais excelente do que Ele; como toda causa é antes de seu efeito e mais excelente que essa; e Sua vontade estaria dependente de outra, e assim ela não seria independente: nem poderia ter qualquer impulso ou causa a mover Sua vontade; em razão que nEle não há poder passivo para atuar sobre ela; é puramente um ato, como puro, ativo espírito: se Ele consiste de ato e poder, Ele não seria simples e desapiedado espírito; para ser impulsionado ou movido por qualquer causa, seria contrário a Sua simplicidade, anteriormente estabelecida, Ele pode de fato dizer uma coisa por outra; mas neste caso o que Ele quer para outros não é a causa que move a Sua vontade; essa pode ter a natureza da causa e efeito entre eles mesmos; mas nenhum deles são a causa da vontade de Deus; nem há nisso qualquer causa final do que ele quer e faz, mas a Sua própria glória; e seria loucura buscar uma causa para Sua vontade: e desta propriedade da vontade de Deus, pode ser discernido claramente, que prevendo fé, santidade, e boas obras, não pode ser a causa da vontade Deus na eleição de alguns para vida eterna; e assim o contrário, nenhuma causa de Sua vontade na rejeição de outros.

Sexto, A vontade de Deus, por esta mesma razão, não é condicional; para estar dependente de uma condição a ser executada; e não a vontade de Deus, mas o desempenho da condição é quem seria o princípio e chefe na realização de determinado fim. E, para não dizer mais, se, por exemplo, Deus tivesse o desejo de salvar todos os homens condicionalmente; quer dizer, na condição de fé e arrependimento; e os condenar se estas condições fossem insuficientes; quem não vê que esta vontade condicional, salvar e destruir, são iguais? Destruição é igualmente volitiva como salvação; e onde está o assim tão falado amor geral de Deus ao homem? Não há nada disso indistintamente para todo e qualquer homem.

Sétimo, a vontade de Deus é livre e soberana; Da criação do mundo e de todas as coisas, alguns tem defendido que o mundo é eterno; que foi feito assim e as Escrituras asseveram (Ap 4:11) como tempo e ordem, e as coisas que estão contidas nele, são devidas a soberania de Deus; além de ser atribuída a Sua soberania: que Ele não fez outros mundos além desse, e não poderia, se quisesse, ter feito outros milhares de mundos? Ou que Ele deveria ter feito este mundo nesse tempo e não antes, quando poderia ter feito milhões de anos atrás, embora não o fizesse? Ou que Ele fez o mundo em seis dias e todas as coisas nele, quando poderia ter feito tudo em um momento, embora isso o satisfizesse? Ou que Ele não fez este mundo mais extenso, e com mais tipos e espécies de criaturas do que tem e esses Ele não poderia fazer mais numerosos do que são? Nenhuma outra razão pode ser apontada, senão Sua soberana vontade e satisfação.

A vontade soberana de Deus aparece na providência e em seus vários eventos; como nos nascimentos e mortes dos homens, o qual nenhum deles ocorre pela vontade deles, mas pela vontade de Deus; e há para ambos um tempo fixado pela Sua vontade; e no qual Sua soberania pode ser vista; o que senão poderia ser atribuído a que tal e tal homem deva nascer e vir ao mundo em tal época e não antes? E que eles deveriam sair do mundo no tempo, modo e circunstâncias que lhes conviessem? E que deveria haver diferenças entre os homens, em seus estados, condições e circunstâncias de vida; que alguns deveriam ser ricos e outros pobres?

Riqueza e pobreza são ambas disposições de Deus, como as palavras de Agur demonstram (Pv 30); e Deus é quem faz a ambos, o rico e o pobre, não somente como homem, mas como um estado de rico e pobre homem: e para quem pode esta diferença ser atribuída, senão para a soberana vontade de Deus? Alguns tem surgido para grande honra e dignidade; outros vivem em muito precárias condições, em estado miserável;Mas mudança de estado não vem nem do leste, nem do oeste, nem do sul; mas Deus derruba uns e levanta outros, como Ele quiser; e essas diferenças e mudanças podem ser observadas nas mesmas pessoas, como em Jó, que foi por muitos anos o homem mais rico da Terra, e de súbito, foi desprovido de todas as suas riquezas, honra e glória; e então, depois de um tempo, restaurou em dobro a saúde e riquezas que antes possuía.Assim foi com Nabucodonosor, o grande monarca de sua época, quando em sua mais notável e elevada situação de poder foi destituído de sua dignidade, como homem e monarca, e levado a viver entre os animais, vivendo como um deles; e, depois de tudo, restaurado a sua razão, e ao seu trono e sua primeira grandeza; o que forçou dele tal reconhecimento da soberana vontade de Deus como em nenhuma outra parte talvez seja mais fortemente expressa: “E todos os moradores da terra são reputados em nada, e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que fazes?” (Dn 4:35).

Alguns são livres de enfermidades e doenças em todos os dias de sua vida; seu vigor é firme e não há moléstia nem na hora da morte, mas morre em seu vigor. Enquanto outros levam uma vida carregada de enfermidades e problemas até ao túmulo; e esta é a figura do homem: para quem pode ser imputado isso senão para a soberana vontade de Deus? E como de outra maneira pode ser considerado os muitos abortos, fracassos, nascimentos precoces, infantes que nunca viram a luz; e outros, que tão logo seus olhos se abriram a este mundo são fechados de novo; enquanto que outros não somente atravessam os estágios da infância, adolescência e juventude, mas alcançam a plenitude da existência e vão à cova como uma pilha de espigas de milho? E uma multidão de outras coisas podem ser observadas na providência; que embora Deus tenha sábios motivos para eles, são inexplicáveis para nós, mas somos obrigados a recorrer a Sua soberana vontade e satisfação, que não deu nenhuma consideração de seus empreendimentos para os filhos dos homens.

A soberana vontade de Deus aparece nas coisas santas, espirituais e religiosas, com respeito tanto a anjos como homens. Que alguns dos anjos foram eleitos e confirmados pela graça de Cristo, no estado em que foram criados e preservados da apostasia, enquanto um grande número deles tornaram-se rebeldes contra Deus e caíram de seu estado original; pelo qual foram lançados fora do céu para o inferno e permanecem até hoje em cadeias nas trevas, aguardando o julgamento daquele grande dia, e não haverá misericórdia para qualquer um deles; como será com muitos da apóstata raça de Adão. Que outra razão poderíamos dar para tudo isso senão à soberana vontade de Deus? Entre os homens, alguns amam a Deus e muitos o odeiam; e isso antes de qualquer bem ou mal feitos por eles; alguns Ele escolhe para eterna bem-aventurança e outros Ele abandona e rejeita; Ele tem misericórdia de alguns e endurece a (muitos) outros; tal como Ele é assim é a Sua soberania, vontade e deleite: alguns são redimidos de entre os homens, por Cristo, mesmo sendo de toda família, língua, povo e nação, quem Ele quiser e decide salvar; enquanto outros são deixados a perecer em seus pecados. O qual não há outra causa a ser admitida do que a soberana vontade e satisfação de Deus. Em conformidade pelo qual também dispensa dons aos homens e esses de diferentes tipos; alguns próprios para serviço público, como para os ministros do evangelho e a outros Ele concede quando lhe apraz e destes, diferentes dons; para alguns grandes, para outros pequenos, para alguns um talento e para outros cinco, dividindo para todos individualmente como lhe apraz, de acordo com Sua soberana vontade: o expediente da graça, o ministério da Palavra e ordenanças, em todas as épocas, tendo se disposto a isto, tal como pareceu bom a Sua vista; por muitas centenas de anos, Deus deu Sua palavra a Jacó e Seus estatutos a Israel, e outras nações não o souberam; e eles foram espalhados entre os gentios, as vezes em um lugar, as vezes em outro; e como é notória a soberania de Deus em favor de nossas ilhas britânicas, essas ilhas foram longe com o evangelho e ordenanças, embora grande parte do mundo o recusou, estando coberto com as trevas do paganismo, catolicismo e islamismo. E ainda é mais manifesto o que isso representa para alguns, “cheiro de morte para morte”, mas para outros, “cheiro de vida para vida”. Os dons especiais da graça de Deus são entregues aos homens de acordo com a soberana vontade de Deus; de Sua própria vontade de regenerar alguns e não outros; chamando-os pela graça, quem Ele deseja, quando e por quais recursos, de acordo com Seu propósito; revelado no evangelho e nas grandes coisas que nele estão, para quem Ele o fez saber; e os ocultou dos sábios e entendidos; “Sim, ó Pai,”, disse Cristo, “porque assim te aprouve.”; nem deu Ele a qualquer outro a razão para tal conduta. A graça do Espírito de Deus é dada a alguns e não a outros; como por exemplo, arrependimento, o qual é uma concessão de Deus, um dom de Cristo, foi entregue a Pedro, que negou o seu Senhor; e negado a Judas, que O traiu. Fé, que é um dom de Deus, nem todo homem a tem; a alguns somente é dado, enquanto que outros tem um espírito de sono, olhos que não podem ver e ouvidos que não ouvem. Em resumo, vida eterna, que é um livre dom de Deus, através de Cristo, é dado somente por Ele, tanto como o Pai tem dado a Ele, e para estes semelhantemente; o dinheiro, que parece significar a felicidade eterna, na parábola, é dado para os que foram chamados para trabalhar na vinha na hora undécima a mesma quantia para os que ficaram no labor durante todo o dia: alguns devem servir a Cristo e outros muito pouco, e ainda todos recebem a mesma porção de glória. O que pode ser determinado disso senão a soberana vontade de Deus? Que diz: “Ou não me é lícito fazer o que quiser do que é meu? Ou é mau o teu olho porque eu sou bom?” (Mt 20:15). Mas ainda que a vontade de Deus seja soberana, sempre age sabiamente? Alguns soberanos pensam precipitada e tolamente; mas a vontade de Deus nunca é contrária a Sua perfeição de sabedoria, justiça, santidade, etc, e Sua vontade é portanto chamada de “conselho” e “conselho de Sua vontade” (Is. 25:1, 46:10; Ef. 1:11).

Fonte: Livro - A Body of Doctrinal Divity – John Gill

[1] Medulla Theolog. l. 1. c. 7. s. 47. [2] Vide Maccov. Loc. Commun. c. 24. p. 195.[3] De Civitate Dei, l. 13. c. 18.

O Jesus terreno e o Cristo extraterrestre


Por Paulo Brabo

O primeiro capítulo do livro de Atos dos Apóstolos narra uma das separações mais dramáticas da história, a ascensão de Jesus ao céu diante dos olhos marejados e perplexos de seus discípulos. A cena inspirou artistas plásticos e poetas ao longo de dois milênios; no que me diz respeito sua encarnação mais notável é a seqüência final de E.T., o Extraterrestre (Steven Spielberg, 1982), em que Elliott e seus familiares, embalados por uma fantástica brisa sublunar e pela trilha sonora espetacular de John Williams, observam a nave de E.T. desaparecer no céu estrelado deixando um rastro que é um arco-íris quase horizontal.

Steven Spielberg já deixou muito claro que E.T. não deve voltar à terra numa continuação, e esperemos que fale sério; Jesus, ao contrário, assegurou aos seus fãs que retornaria. Quando se leva em conta que Atos é uma Parte 2, uma declarada continuação do evangelho de Lucas, deve ficar claro que trata-se de uma continuação cuja dramaticidade é imediatamente prejudicada pela ausência do protagonista da Parte 1. É como se Spielberg resolvesse filmar uma continuação de E.T. em que o próprio E.T. não aparecesse na tela em momento algum. Poderia ser até um grande filme, mas muita gente sairia do cinema sentindo-se traída; a expectativa de um fã/seguidor é ver a tela cheia com o rosto familiar do protagonista – ou contar pelo menos com o consolo de saber que seu nome não está sendo usado em vão numa continuação que nada tem a ver com ele.

O momento mais importante da narrativa é portanto este, o da seminal cisão na experiência da humanidade com Jesus. “E, quando dizia isto, vendo-o eles, foi elevado às alturas, e uma nuvem o recebeu, ocultando-o a seus olhos.” Terminara visivelmente a era do Jesus terreno e começava uma inconcebível outra, em que o Filho do Homem angariaria uma nova fama e um novo nome. Os protagonistas do livro de Atos teriam de conviver, pela primeira vez, com a idéia e com as implicações de um Cristo extraterrestre.

Em termos históricos, o Jesus terreno é o indomável rabi de pés empoeirados que contava histórias cheias de ironia, bebia com agiotas e tinha os pés massageados por prostitutas. É o homem que desdobrava bem-aventuranças, dizia que os pecadores são gente mais notável do que os carolas e ensinava que para serem dignos de Deus (“filhos de Deus”, ele dizia) seus seguidores deveriam amar os seus inimigos e emprestar sem esperar receber de volta. O homem muito real que comia, chorava, abraçava, dormia, pedia água, sangrava e morreu.

O Cristo extraterrestre é o Jesus ressurreto e coroado de glória, ausente em pessoa porque está presente no céu, sentado no lugar de absoluta honra à direita de Deus. É o Jesus dos hinos de Paulo, o Adão que deu certo, o irmão mais velho de uma nova e afortunada geração, o admirável Senhor em quem reside, vertiginosamente, “toda a plenitude”. É o Verbo cósmico de volta ao seio da divindade; é o Messias sofredor em sua nova carreira de Rei da Glória. O Cristo extraterrestre é o Jesus de todas as teologias tradicionais: o grande Salvador, o grande Senhor, o grande e terrível Unigênito de Deus. É o interventor que intercede constantemente em favor da justiça, o Filho que merece a admiração incessante do Pai (e portanto do universo), o juiz que aguarda impaciente o momento de retribuir, o derramador de graça em nome de quem são feitas todas as orações. É um homem espiritual, e os teólogos não estão certos sobre se restam em seu corpo espiritual cicatrizes da terra.

A partir deste ponto, como veremos, a narrativa de Atos (e na verdade todo o restante do Novo Testamento) só terá aparentemente olhos e ouvidos para o Jesus extraterrestre, o Cristo ressurreto. Se digo “aparentemente” é porque espero que quando os testemunhos forem devidamente ouvidos não seja realmente assim. Se o Jesus terreno era o sujeito notável que penso que era, deve ser possível encontrar traços de sua radioatividade nas aventuras posteriores dos seguidores do Cristo extraterrestre.

Porém, neste momento da nossa própria narrativa pessoal, estabelecer a distinção entre o Jesus terreno e o Cristo extraterrestre pode ser relevante por mais de um motivo.

Em primeiro lugar, analisar essa distinção é importante porque, embora o Cristo extraterrestre esteja longe de ser unanimidade, o Jesus terreno conta com a admiração de praticamente todo mundo. Ateus, agnósticos, muçulmanos, hindus, judeus e ideólogos de todas as estirpes, mesmo quando demonstram repugnância diante da história da igreja ou da idéia da divindade de Cristo, estarão em grande parte dispostos a admitir a singularidade e a relevância do Jesus terreno. Mesmo quem recusa-se com convicção a ajoelhar-se diante do Deus Filho acaba dobrando-se voluntariamente diante do Filho do Homem.

É incrível reconhecer que o Jesus da narrativa dos evangelhos, o Jesus anterior a qualquer teologia, angariou irresistivelmente (e continua angariando) a admiração de gente que não via nada de particularmente admirável no cristianismo institucional. Agnósticos convictos como H. G. Wells, salvadores da humanidade como Gandhi, miseráveis como Tolstoi, teimosos como Nietzsche e pensadores radicais como Wilhelm Reich – todos esses críticos empedernidos do cristianismo – deixaram singelo testemunho de sua admiração pelo Jesus dos evangelhos: alguns ao ponto de se considerarem seguidores dele.

Vê-se portanto, que a cisão entre o Jesus da terra e o do céu deixou uma fratura histórica que ziguezagueou obedientemente até a nossa porta. A rachadura ainda divide o mundo. Grosso modo, os cristãos sentem repugnância pelo mundo e atração pelo Cristo extraterrestre; o mundo sente atração pelo Jesus terreno e repugnância pelos cristãos.

O que me interessa em especial é determinar por que os cristãos, historicamente falando, abraçaram com convicção o Jesus “espiritual” da teologia e relegaram a um distante segundo plano o Jesus de carne e osso e suas impensáveis exigências. Parte da resposta, obviamente, acabo de dar.

Essa obsessão dos cristãos com o Cristo extraterrestre é o segundo motivo pelo qual creio que a questão precisa ser resolvida ou pelo menos adequadamente equacionada. Quando e de que modo ficou determinada a “vitória” final do Cristo ressurreto sobre o Jesus de carne?

Que sua vitória foi esmagadora não espero que ninguém ouse negar. Quando pensam em Jesus – dizendo melhor, quando pensam num Jesus relevante para o momento presente – os cristãos pensam inevitavelmente no Cristo extraterrestre. É diante dele que despejam suas súplicas e suas reclamações; é sua companhia que almejam e seu conforto que esperam; é a ele que adoram e é no seu esplendor que entrevêem a glória do próprio Deus. É sua voz que esperam ouvir.

O Jesus de carne e osso dos evangelhos (sua postura, sua companhia, suas ironias, suas lealdades) é visto secretamente como manifestação embaraçosa do insondável senso de humor divino. Ao mesmo tempo esse Jesus terreno é publicamente respeitado como honroso precursor, um segundo João Batista cuja função era preparar o terreno para a chegada do novo e aprimorado Jesus da glória. O rabi da Galiléia é visto como um ponto provisório do trajeto, não o Caminho em si.

Devidamente orientados pelos que interpretaram a narrativa para nós, os cristãos aprenderam a não procurar Jesus na terra. Procuramo-lo incessantemente no céu, que é o seu ambiente.

Como fulcro desse escândalo todo, o testemunho do livro de Atos deve ser considerado importante, talvez vital. Aqui estão as vozes e as vidas da única geração para a qual esses dois adversários, o Jesus terreno e o Cristo extraterrestre, eram uma mesma e espantosa pessoa. Esses seus seguidores, que tinham ouvido do Jesus terreno que não se pode servir a dois senhores, teriam que determinar em pouco tempo sobre quem deitariam as suas lealdades.

E a primeira voz divina que ouviram, enquanto ainda olhavam assombrados para a nuvem que ocultara deles o seu Jesus, explicou-lhes que Jesus não deveria ser procurado no céu.

Paulo e a Tradição Humana


Por Vincent Cheung

Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, segundo a promessa da vida que está em Cristo Jesus, a Timóteo, meu amado filho: Graça, misericórdia e paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus, nosso Senhor. (2 Timóteo 1.1-2)

Como Paulo escreve em outro lugar, ele foi “circuncidado no oitavo dia de vida, pertencente ao povo de Israel, à tribo de Benjamim, verdadeiro hebreu” (Filipenses 3.5). Ele era um dos fariseus, uma seita muito rigorosa da religião judaica. Antes de se converter à fé cristã, tudo isso contava como algo, mas depois ele perceberia que seu pano de fundo não lhe rendeu nenhum favor aos olhos de Deus. Ele teria que se chegar a Deus de outra forma.

Lucas apresenta-o em Atos 7. Ele era chamado Saulo naquele tempo, e consentiu quando os judeus apedrejaram Estevão até à morte. De uma perspectiva não cristã, ou da perspectiva daqueles cegos para a verdade, Saulo era um judeu perfeito, um fariseu justo, um erudito altamente credenciado. Contudo, a verdade era que ele era um cúmplice do assassinato de um homem inocente. Em Atos dos Apóstolos, essa é a primeira coisa que aprendemos sobre ele.

Saulo continuou nessa direção, e Atos 9 registra que ele “respirava ameaças de morte contra os discípulos do Senhor”. Ele recebeu autoridade do sumo sacerdote para visitar Damasco, a fim de capturar e aprisionar os cristãos dali. Parece que uma pessoa que perseguiria, aprisionaria e até mesmo assassinaria outros deve ser séria sobre suas próprias convicções. De fato, ele era um homem zeloso. Mas como mais tarde admitiria, ele agiu em “ignorância e incredulidade”. Seu zelo não era informado pela verdade, e não procedia de uma abertura para com Deus, ou fé no que Deus tinha revelado. Aqueles que se opõem e perseguem os cristãos são, por definição, pessoas injustas e sem inteligência.

Sua religião não o tornou um homem piedoso. Fez dele um assassino. O problema não estava na religião em si. Saulo tinha um tipo específico de religião: ou foi essa religião que o tornou um assassino, ou ele tornou-se um assassino porque seu comprometimento a essa religião era defeituoso ou distorcido. Contudo, sua devoção à sua religião pareceria “irrepreensível” (Filipenses 3.6). Dessa forma, mesmo que houvesse um lado pessoal e subjetivo em seu grande erro, havia também um lado público e objetivo.

Havia algo errado em sua religião. Não estou me referindo à religião do Antigo Testamento. Esse é o equívoco que muitas pessoas fazem – eles assumem que a religião dos judeus e dos fariseus era a religião do Antigo Testamento. Não, embora a religião deles fosse baseada no Antigo Testamento, em geral era muito diferente e mesmo antagônica a ele, contradizendo-o em espírito e em letra. Algumas pessoas cometem o equívoco de pensar que os fariseus eram hostis a Jesus porque eles eram muito inflexíveis quanto a seguir a lei de Moisés ou o Antigo Testamento. Mas eles faziam o oposto. Jesus disse que eles anulavam os mandamentos de Deus por meio das suas tradições (Mateus 15.6). Eles tinham inventado regras e costumes que eram supostamente consistentes com os mandamentos de Deus, mas que na verdade redefiniam e substituíam os mandamentos de Deus em suas vidas. Ele disse que a profecia de Isaías se aplicava a eles: “Em vão me adoram; seus ensinamentos não passam de regras ensinadas por homens” (Mateus 15.9).

A religião dos judeus e dos fariseus não era a religião do Antigo Testamento. Era um sistema que eles tinham fabricado para se escusarem de aceitar as palavras dos profetas. Jesus disse que eles nem mesmo criam no Antigo Testamento: “Se vocês cressem em Moisés, creriam em mim, pois ele escreveu a meu respeito. Visto, porém, que não creem no que ele escreveu, como crerão no que eu digo?” (João 5.46-47). A fé em Cristo, e dessa forma a fé no Novo Testamento, segue-se naturalmente da fé no Antigo Testamento, porque Cristo cumpriu o Antigo Testamento. Os judeus e os fariseus não seguiam a revelação de Deus, mas sua própria tradição humana. Devemos corrigir a ideia que eles eram hostis a Cristo porque eram muito obcecados com a precisão em sua doutrina e obediência. Não, eles eram hostis a Cristo porque se preocupavam muito mais sobre como evitar crer e obedecer à palavra de Deus enquanto davam a aparência de devoção religiosa, e Cristo expôs a hipocrisia deles.

Assim, Paulo, ou Saulo, era um homem zeloso. Mas esse zelo por sua religião o levou a ódio e assassinato contra o povo de Deus. Alguns poderiam dizer que isso era um caso de zelo mal direcionado. Isso não é inteiramente errado, mas a questão não era tão simples. Zelo não é uma atitude ideologicamente neutra – uma pessoa é zelosa por algo. Visto que uma pessoa é zelosa por algo, isso significa que zelo tem conteúdo, e visto que o conteúdo – as crenças ou ideologias – pode ser correto ou errado, então o zelo pode ser correto ou errado. Portanto, quando o zelo de uma pessoa o leva a fazer algo errado, se esse zelo é consistente com e um produto de sua ideologia pelo que ele é tão zeloso, então o próprio zelo é errado. Ele não é apenas um zelo mal direcionado, mas um zelo errado ou perverso, e um tipo diferente de zelo daquele zelo pelo que é verdadeiro e correto.

Não devemos supor que Paulo tinha uma atitude zelosa natural que era boa em si mesmo, mas apenas mal direcionada, e que esse zelo fez dele um crente mais eficaz uma vez que o zelo foi redirecionado pelo evangelho. Novamente, isso assume que zelo pode ser considerado em si mesmo, à parte daquilo pelo que a pessoa é zelosa, de forma que uma pessoa pode usar o mesmo zelo para esse ou para aquele, dependendo de como ele é direcionado. Contudo, o zelo não pode ser separado da ideologia. Não, Paulo tinha o tipo errado de zelo, um zelo que o tornou um assassino. Era um tipo de zelo que, por sua própria admissão, era baseada na “ignorância e incredulidade”. O zelo que ele exibiu como um cristão era baseado num fundamento inteiramente diferente, um que foi gerado pela obra do Espírito e um entendimento correto da graça do Senhor Jesus Cristo. E visto que o Espírito opera em todos do povo de Deus, e visto que todos do povo de Deus podem entender a graça de Deus, todos os cristãos podem possuir grande zelo pelas coisas de Deus. Isso não é algo que pertence a pessoas como Paulo à parte do evangelho, mas algo que é tornado disponível a todos os que creem no evangelho.

A fé de Jesus Cristo era o cumprimento das palavras dos profetas. Paulo não viu isso no início. Ele percebeu Cristo como uma ameaça à sua religião, embora grande parte dela não fosse procedente da religião do Antigo Testamento, mas da tradição humana, isto é, da invenção humana. Assim como Ismael zombou de Isaque, o filho da promessa, e assim como os fariseus perseguiram Cristo, o Filho da Promessa, os judeus perseguiram os cristãos. Os herdeiros da tradição humana sempre perseguirão os herdeiros da revelação divina. Não devemos ter a mínima simpatia pela posição de Paulo antes de sua conversão. Ele seguia a tradição em vez da Palavra de Deus. Seu entendimento da lei era errado. Ele nem mesmo cria no que foi escrito por Moisés. Se tivesse crido na Palavra de Deus, ele teria crido no evangelho de Cristo prontamente. Mas ele não o fez. Ele estava errado.

Fonte: Reflections on Second Timothy

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto


Via :
Monergismo

domingo, 30 de maio de 2010

Qualificações dos Presbíteros: Governa bem a própria casa

Juliano Heyse (editor)

e que governe bem a própria casa, criando os filhos sob disciplina, com todo o respeito 1 Tm 3:4

Introdução

Muitos acham que essa qualificação deveria vir junto com "criando os filhos sob disciplina, com todo o respeito". Resolvi tratar separadamente por dois motivos. Primeiro, esta referência a governar a própria casa só aparece aqui em Timóteo e não está presente em Tito. Em segundo lugar, como disse MacArthur o "governar" envolve "tudo que está ligado ao seu lar, não apenas sua esposa e filhos".

Grego

Em 1 Timóteo ιδιου οικου καλωζ προισταμενον - idiou oikou kalos proistamenon

Strongs
- idios - que me pertence, próprio, peculiar a si mesmo; proistemi - estar sobre, superintender, presidir sobre, ser um protetor ou guardião, cuidar, dar atenção a; oikos - casa, família, lar

Rienecker e Rogers
- idios - próprio; proistamenon - dominar, governar, administrar

Outras versões

Outras traduções do mesmo termo em português:

Almeida Revista e Atualizada (ARA)governe bem a própria casa
Nova Versão Internacional(NVI)deve governar bem sua própria família
Almeida Revista e Corrigida(ARC)governe bem a sua própria casa
Nova Tradução na Linguagem de Hoje(NTLH)Deve ser um bom chefe da sua própria família
Tradução Brasileira(TB)que saiba governar bem a sua casa

Comentários

Broadman – (-)

D. A. Carson Então, nos versículos quatro e cinco, lemos que o presbítero / pastor / bispo tem que ser alguém "que governe bem a própria casa." O versículo cinco nos chama a atenção para a parábola dos talentos conforme contada em Mateus 25:14-30 - se você não é capaz de fazer algo na arena menor, como pode esperar fazê-lo na arena maior? Esse princípio confere uma dignidade impressionante à família cristã. Nem todos os homens são elegíveis para serem presbíteros na igreja, mas a maioria é elegível para ser presbítero na sua casa. Dentro dessa esfera as responsabilidades deles são semelhantes. Eu gostaria de ver presbíteros na igreja conduzindo a adoração familiar, ensinando às crianças os caminhos de Deus, refletindo padrões de modelo e disciplina, já que é isso que demonstra a qualificação deles para papéis semelhantes na igreja. Falando espiritualmente, a pior família cristã é aquela com altas pretensões espirituais e baixa performance; e a melhor é aquela com baixas pretensões e alto desempenho.

Jamieson, Fausset e Brown filhos e servos, como contrastado com "a igreja"(casa) de Deus (1 Ti 3:5,15), a qual ele pode ser chamado a presidir.

João Calvino – Conseqüentemente é evidente, que Paulo não exige que um bispo seja alheio à vida humana, mas que ele seja um bom e louvável senhor de sua casa; porque, seja qual for a admiração comumente atribuída ao celibato e a uma vida filosófica completamente removido dos costumes comuns, ainda assim homens sábios e reflexivos estão convencidos por experiência que aqueles que não são ignorantes da vida comum, mas experientes nos deveres dos relacionamentos humanos, são melhor treinados e adaptados para governar a Igreja. E, portanto, nós deveríamos observar a razão que é acrescentada (1 Timóteo 3:5) que se ele que não sabe como reger a família dele, não estará qualificado para governar a Igreja. Ora, este é o caso com muitas pessoas, e realmente com quase todos que tem sido trazidos para fora de uma vida inativa e solitária, como para fora de grutas e cavernas; porque eles são um tipo de selvagens e destituídos de humanidade.

John Gill A família dele: esposa, filhos e servos; e não deve ser entendido como o corpo dele, como dizendo que deve mantê-lo sob controle, e preservá-lo puro e temperante, por causa do que é dito a seguir.

John MacArthur A vida no lar do presbítero, assim como a sua vida pessoal, deve ser exemplar. Ele precisa ser alguém que "governa" (preside, tem autoridade sobre) "sua própria casa" (tudo que está ligado ao seu lar, não apenas sua esposa e filhos) "bem" (intrinsicamente bem; com excelência). Questões ligadas a divórcio devem ser relacionadas com este assunto. Um homem divorciado não dá evidência de um lar bem administrado; pelo contrário, o divórcio demonstra fraqueza na sua liderança espiritual. Se houve um divórcio permitido biblicamente, deve ser tão distante no passado de forma que tenha sido superado por um longo padrão de sólida liderança familiar e a criação de filhos piedosos (v.4; Tt 1:6).

Matthew Henry que ele possa definir um bom exemplo para outros líderes de famílias fazerem assim também, e que ele possa dar uma prova da habilidade dele em cuidar da igreja de Deus. Pois, se um homem não sabe governar sua própria casa, como cuidará da igreja de Deus. Vejam, as famílias dos ministros deveriam ser exemplos de bondade para todas as outras famílias.

New American Commentary –O verbo para "administrar" carrega a idéia de governar, conduzir e dar direção à família. A mesma palavra grega aparece em 1 Ts 5:12 ("vos presidem no Senhor") e 1 Tim 5:17 ("presidem") e também no v. 5 ("governar"). O termo exige um exercício efetivo de autoridade sustentado por um caráter de integridade e compaixão sensível. Seu uso no v. 5 com o verbo "cuidar" define a qualidade da liderança como mais relacionada a demonstrar misericórdia do que oferecer ultimatos.

William MacDonald (-)

Conclusão

Fica claro que a condução da família é um teste em algo menor que confirma ou não a habilidade para assumir algo maior. A família do presbítero deve ser uma família exemplar, como nos lembra MacArthur. Calvino enfatiza o quanto é interessante que o homem seja casado e tenha filhos para criar para que possa aprender a lidar com seres humanos. Se ele o faz bem na família, tem grande chance de fazê-lo na igreja. Como disse D.A. Carson "Eu gostaria de ver presbíteros na igreja conduzindo a adoração familiar, ensinando às crianças os caminhos de Deus, refletindo padrões de modelo e disciplina, já que é isso que demonstra a qualificação deles para papéis semelhantes na igreja". Quantos estão vivendo isso realmente? Somente estes são aptos a serem presbíteros.

Como MacArthur frisou, homens divorciados ficam em uma situação difícil aqui. E os solteiros também, porque não tem como fazer esse teste. O homem casado que se desincumbe bem da função de líder da sua família é um bom candidato a ser um presbítero.

Próximo Artigo: Filhos sob Disciplina


Fontes

Comentário Bíblico Popular – Novo Testamento – William MacDonald – Ed. Mundo Cristão
The Broadman Bible Commentary – Broadman Press
The MacArthur Bible Commentary – Thomas Nelson Publishers
Bíblia OnLine 3.00 – SBB
Definindo o que são presbíteros – artigo de D.A.Carson - http://www.bomcaminho.com/dac001.htm
The New American Commentary – Broadman Press
Chave Linguística do Novo Testamento Grego – Ed. Vida Nova

Tradução (onde necessário): Juliano Heyse

Não se esqueça do Robin



Por: Rodrigo de Lima Ferreira

A bênção da internet é saber como éramos bregas e não sabíamos! Recentemente assisti a um filme do Batman, dos anos 60, baseado na famosa série com Adam West (Batman) e Burt Ward (Robin). Era engraçado ver um Batman meio barrigudinho e um Robin com aquele cabelo entupido de gel. A cena mais ridícula no filme foi a em que Batman, pendurado em uma escada de helicóptero, sobrevoando o mar aberto, é atacado por um tubarão e então contra-ataca com um repelente de tubarões em spray retirado do seu batcinto de utilidades!

Na minha imaginação infantil, quando o seriado era exibido na TV, era impossível ter o Batman sem o Robin. E sem também aquele batmóvel maravilhoso, mas esta é outra história. Portanto, aonde o Batman ia, o Robin ia atrás.

Nos tempos de Jesus também havia uma dupla dinâmica. Não era formada por um protótipo de Batman e Robin, mesmo porque o morcego era animal imundo perante a Lei. Mas era a dupla dinâmica formada por fariseus e saduceus.

Os fariseus são constantemente lembrados hoje em dia. Não há ofensa maior que chamar alguém de fariseu. Isso porque fariseu é entendido como alguém intransigente, cabeça dura ou, conforme disse Rubem Alves, seguidor do protestantismo de reta doutrina, onde o que importa é a letra da Lei, não o seu espírito. Segundo o fariseu, o que vale é a correta interpretação da Lei, dada por ele mesmo, e não ela em si.

Mas os saduceus formavam um grupo diferente. Eram judeus que tinham um tipo de fé diferente. Não criam na ressurreição. Diziam que a tradição oral não valia como a tradição escrita. Eram pessoas, conforme nos diz Flávio Josefo, que criam apenas no livre-arbítrio aqui e agora.

O mais interessante é que, para pegar Jesus, eles sempre se alinhavam com os fariseus, que criam de modo diametralmente oposto. Para um “bem comum”, ou melhor, mal comum, aceitavam a união com um pretenso inimigo.

Os saduceus, embora menos citados na Bíblia, eram tão perniciosos quanto os fariseus em sua busca em perseguir Jesus. Sua perniciosidade residia não só em sua hipocrisia e em seu “colaboracionismo” com o farisaísmo, gerando uma distorção do conceito de co-beligerância de Francis Schaeffer. Sua malignidade residia principalmente em sua incredulidade latente.

Vemos hoje o grande mal que estruturas doentes fazem com as pessoas. A cada dia que passa aumenta o número de pessoas traumatizadas com igrejas, lideranças e pastores. Tal como um alérgico em um ambiente mofado, esses indivíduos começam a agonizar com a simples lembrança de algo que já foi belo, mas que hoje necessita urgentemente de uma reforma e um avivamento (citando, novamente, Schaeffer). Essas pessoas necessitam de amparo, comunhão e restauração do verdadeiro Deus e da verdadeira Igreja, que é seu corpo e que reside nas igrejas e fora delas.

Mas, tal como lobos que acompanham rebanhos machucados, os saduceus modernos espreitam tais pessoas, afirmando seu egoísmo como parte inerente ao reino, dizendo que a “igreja sou eu”, quando, na verdade, a igreja nunca é um indivíduo apenas. Estes saduceus apresentam sua incredulidade em uma capa estranha de piedade mundanizada e santidade suja, crendo transmitir o “verdadeiro Evangelho”, como se os últimos dois mil anos tivessem gerado apenas espertalhões e heréticos, mas que agora a realidade estava revelada a eles. Movimentos heréticos, como os Testemunhas de Jeová e os Mórmons, tiveram início bem semelhante. Em seu descaminho, semeiam apenas a desgraça, a arrogância, a amargura, o cinismo, a incredulidade e o sarcasmo. Tudo em nome de Jesus.

Jesus condenou tanto os fariseus quanto os saduceus: “Vocês erram, não conhecendo as Escrituras” (Mt 22.29). E são essas mesmas Escrituras, tão vilipendiadas hoje em dia, que testemunham de Jesus (Jo 5.39). Na busca pela restauração da igreja, a incredulidade e a carnalidade humanas nunca podem ser alternativas viáveis. É hora, portanto, de buscarmos a Palavra, a santidade e o Senhor, deixando os modernos saduceus de lado. São guias cegos, e não quero que ninguém seja guiado ao precipício (Mt 15.14). Abra bem os olhos e nunca se esqueça do Robin!

Rodrigo de Lima Ferreira, casado, duas filhas, é pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil desde 1997. Graduado em teologia e mestre em missões urbanas pela FTSA, hoje pastoreia a IPI de Rolim de Moura, RO. revdigao.wordpress.com

Fonte: Ultimato Via: Bereianos

sábado, 29 de maio de 2010

Eu Também Mudei



















Por

Seria uma grande tolice da minha parte negar que as pessoas mudam no decorrer dos anos. Eu mesmo já mudei de opinião em questões teológicas algumas vezes. Quando me converti, pela graça de Deus, aos 22 anos, era um zeloso arminiano dispensacionalista. A leitura de Spurgeon dois anos mais tarde me curou do arminianismo e o seminário em Recife, no ano seguinte, se encarregou do dispensacionalismo. Durante o mestrado na África do Sul, quando eu já tinha 31 anos, mudei de opinião quanto ao papel do Espírito Santo no Antigo Testamento – passei a crer que Ele também habitava nos crentes da antiga dispensação da mesma forma que hoje habita nos crentes da nova. E foi nesta época que passei a acreditar na possibilidade de reavivamentos espirituais hoje. Nos próximos anos, algumas outras mudanças no entendimento de algumas passagens difíceis aconteceram. Por exemplo, passei a aceitar que Romanos 7 é mais uma descrição do homem não regenerado debaixo da lei do que a descrição autobiográfica de Paulo da vida cristã normal, como antes eu pensava.

Todavia, nenhuma destas mudanças me levou para fora do círculo do Cristianismo histórico. Nunca mudei naquelas coisas que consideramos como o núcleo essencial do Cristianismo bíblico, como a doutrina da Trindade, a plena divindade e humanidade de Cristo, a personalidade do Espírito, os atributos clássicos de Deus – imutabilidade, onipotência, onipresença e onisciência, etc. – a queda e o estado de perdição e pecado no qual se encontra toda a raça humana, a morte sacrificial e expiatória de Cristo e a salvação pela graça mediante a fé no Salvador, a sua ressurreição literal e física de entre os mortos, sua segunda vinda, o céu e o inferno como realidades pós-morte e a autoridade e infalibilidade das escrituras – para mencionar algumas. Sempre cri nestas coisas. Nunca mudei quanto a isto. Considero as mudanças que passei como progressos e um melhor entendimento de determinados pontos teológicos.

Portanto, como disse no início, eu seria um tolo em pensar que as pessoas não mudam. Só que, na minha opinião, nem sempre estas mudanças teológicas são salutares. Em muitos casos, as pessoas mudaram tanto a ponto de não poderem mais ser identificadas, a não ser remotamente, com o Cristianismo bíblico. É isto que a Bíblia chama de apostasia.

Jesus falou daqueles que crêem por um tempo, mas depois se desviam (Lc 8.13). Conheci vários assim. Eles mudaram. Um caso em particular, que me lembro, foi de um jovem cristão ardoroso que depois da leitura de livros de autores ateus e agnósticos mudou de opinião quanto ao Cristianismo, alegando ter recebido novas luzes da ciência e da razão. Largou definitivamente a fé cristã e virou agnóstico.

Paulo adverte Timóteo contra aqueles que se desviam do “amor que procede de coração puro, e de consciência boa, e de fé sem hipocrisia,” e que se perdem “em loquacidade frívola” – isto é, em discussões inúteis (1Tm 1.5-6). A referência é provavelmente a falsos mestres que estavam ensinando doutrinas erradas nas igrejas, de onde haviam saído, após mudarem de opinião sobre o Evangelho. É a estes mesmos que o apóstolo se refere, quando menciona os que "apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos de demônios, pela hipocrisia dos que falam mentiras e que têm cauterizada a própria consciência” (1Tm 4.1-2). Eram pessoas que haviam começado como cristãs, mas mudaram com o tempo, a ponto de não poderem ser mais considerados como tais. Paulo ainda menciona mulheres que haviam se desviado da fé e seguido a Satanás – certamente não uma mudança para melhor (1Tm 5.15), obreiros que se desviaram da fé por amor ao dinheiro (1Tm 6.10) e outros que se desviaram por professar a gnose, o saber mundano (1Tm 6.21). Talvez Paulo se refira ao mesmo grupo de pregadores itinerantes que havia antes pertencido às igrejas cristãs.

Ele cita especificamente dois líderes cristãos, Himeneu e Fileto, e os considera como apóstatas, por professarem e ensinarem contrariamente ao ensino apostólico da ressurreição (2Tm 2.18). O perigo da apostasia e do desvio doutrinário – acarretados pelas mudanças – é motivo de alerta de outros escritores neotestamentários, como Tiago (Tg 5.19) e o autor de Hebreus (Hb 2.1 e 12.25).

Todas estas pessoas acima mudaram. Do ponto de vista delas, provavelmente, esta mudança representou uma liberação, uma melhora, um crescimento, um progresso. Libertaram-se das antigas peias da fé e da ética. Sem restrições impostas pela teologia, sentiam-se agora livres para pensar da maneira que achavam melhor e agir de acordo.

Conhecemos vários casos de pessoas que mudaram em nossos dias. Recentemente a imprensa noticiou, se baseada em fatos reais ou não, não sabemos - a mudança ocorrida com o pastor João de Deus, da Assembléia de Deus, na Paraíba, que virou muçulmano. Faz três anos fomos surpreendidos com a mudança ocorrida com Francis Beckwith, pastor evangélico americano, presidente da Evangelical Theological Society, que mudou e virou católico. Outra mudança que surpreendeu o mundo evangélico foi do famoso estudioso evangélico conservador Bill Barclay, autor de renomado comentário do Novo Testamento, um clássico usado por gerações de seminaristas e pastores – mudou e virou universalista ao final de sua vida, afirmando que todos os homens, no fim, seriam salvos. Como eu disse, algumas das mudanças acontecidas com líderes cristãos acabam empurrando-os para fora do Cristianismo bíblico, ou deixando-os bem em cima da risca.

Acho que devemos estar sempre abertos para mudar. Todavia, precisamos fazer a diferença entre mudança e apostasia. Nem toda mudança representa apostasia e desvio da fé. A Reforma protestante, sem dúvida, começou com uma grande mudança no coração de Lutero e representou uma enorme mudança dentro do Cristianismo - para melhor, assim entendemos. Longe de ser uma apostasia, representou um tremendo retorno às Escrituras. Mas toda apostasia, sem dúvida, começa com uma mudança na mente e no coração, que durante anos vai corroendo as convicções, minando as resistências mentais e espirituais, até que uma mudança completa – e para fora da fé – venha a ocorrer. Nesta fase, o apóstata se justifica de todas as maneiras, desde apelando para as mudanças como algo natural e desejável, como rompendo abertamente com alguns pontos centrais do Cristianismo histórico nos quais antes acreditava. O próximo passo, por coerência, é assumir um estado perpétuo de mudança, sem poder afirmar absolutamente nada com convicção, e impondo-se uma existência de metamorfose eterna.

Eu prefiro ficar com o lema da Reforma, que a Igreja sempre está se reformando e com ela, seus membros –, mas sempre à luz da Palavra de Deus. Aqui Lutero nos é útil mais uma vez. Como ele, estamos prontos a mudar, desde que convencidos pela luz que emana da Palavra de Deus, sem nos desviarmos dela nem para um lado nem para o outro.

"A expressão de Mateus 19.24 'fundo duma agulha' ou 'buraco duma agulha' é literal ou simbólica?"



O contexto desse passo bíblico trata de um jovem rico que amava tanto as suas ri¬quezas que elas lhe serviam de impedi¬mento. A mensagem é clara. Os indivíduos de mentalidade materialista que consomem a vida procurando adquirir bens materiais, só encontram satisfação nas riquezas ou na busca delas; e somente em casos raríssimos é que chegam a se importarem com as questões espirituais para encontrar a vida eterna. Porém, seria um erro aplicarmos o texto somente aos ricos, porquanto o materialismo tem realizado a sua devastação moral até mesmo entre os pobres. Ao falar sobre a impossibilidade desse tipo de pessoas entrarem no reino de Deus, Jesus pregou a ilustração que é a impossibilidade de um "camelo passar pelo buraco de uma agulha". Alguns têm imaginado que o buraco de agulha referido fosse uma portinhola, no muro de Jerusalém, através do qual pudesse passar finalmente um camelo, depois de muitos puxões e empurrões; outros admitem que a expressão camelo, que no grego representa uma pequena modificação de "Kamelos" para "Kamilos", trata de uma corda grossa ou um cabo, mas isso só diminuiu a impossibilidade do ato. Todavia, o grego de Mateus 19.24 e de Marcos 10.25 fala de uma agulha usada com linha, enquanto que o de Lucas 18.25 usa o termo médico que indicava uma agulha usada nas operações cirúrgicas. É evidente que ali não é considerada nenhuma portinhola, mas sim, o pequenino buraco de uma agulha de costura. Provavelmente era um provérbio incomum para ilustrar coisas impossíveis. O Talmude fala por duas vezes de um elefante para o qual é impossível passar pelo buraco de uma agulha. Por conseguinte, quem quer que ame as riquezas, a ponto de isso impedi-lo de confiar em Jesus Cristo como Salvador, está na impossibilidade de ser salvo.

Em resposta à pergunta feita pelos discípulos: "Então quem pode ser salvo?" Jesus respondeu: "Os impossíveis dos homens são possíveis para Deus", Lc 18.27. Nessa frase, as palavras "dos" e "para" são uma só no original, cujo sentido literal é "ao lado". Tome-se o lado do homem, na questão das riquezas, e torna-se-á impossível a salvação. Porém, tome-se o lado de Deus sobre a questão e a impossibilidade anterior se transformará em possibilidade.

Fonte: Livro "A Bíblia Responde" Editora CPAD

Como Questionar a Deus


Por John Piper

Romanos 9:19,20 afirma:

Tu, porém, me dirás: De que se queixa ele ainda? Pois quem jamais resistiu à sua vontade? Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim?

Paulo certamente estava insatisfeito com esta reação ao seu en­sinamento sobre Deus. Isso significa que é errado questionar o en­sino bíblico? Penso que não.

Paulo falava sobre assuntos polêmicos, e Pedro admitia que, às vezes, suas cartas eram difíceis de entender: "há certas coisas difí­ceis de entender, que os ignorantes e instáveis deturpam, como tam­bém deturpam as demais Escrituras, para a própria destruição deles" (2Pe 3:16). Paulo acrescenta: "Logo, tem ele [Deus] misericórdia de quem quer e também endurece a quem lhe apraz" (Rm 9:18). A questão é que o próprio Deus decide se teremos um coração endu­recido ou não. "E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal". Deus teve misericórdia de Jacó e endu­receu a Esaú (Rm 9:11-13).

Ouvindo tal afirmação, alguém contesta: "De que se queixa ele ainda? Pois quem jamais resistiu à sua vontade?" (v. 19) Ao que Paulo responde: "Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?!

"A palavra "discutir" (antapokrinomenos) aparece novamente no Novo Testamento, em Lucas 14:5,6. Jesus está mostrando aos in­térpretes da lei e aos fariseus que é legítimo realizar curas aos sába­dos, dizendo-lhes: "Qual de vós, se o filho ou o boi cair num poço, não o tirará logo, mesmo em dia de sábado? A isto nada puderam responder (antapokrithenai)".

Em que sentido eles não puderam "responder"? Não foram ca­pazes de apontar,qualquer erro, criticá-lo de forma legítima, ou realmente contradizê-lo. Assim, a palavra "responder" (ou discutir) provavelmente carrega o significado de "responder (ou discutir) com o objetivo de criticar, discordar ou corrigir".

Penso ser este o motivo da insatisfação de Paulo em Romanos 9:20. Deixando aberta a possibilidade de que um tipo diferente de questionamento seja aceitável, isto é, o questionamento humilde, que contribuía para uma melhor compreensão, e não para a censu­ra, a condenação ou a crítica do que está sendo dito.

Em Lucas 1:31, por exemplo, o anjo Gabriel veio à virgem Maria e disse: "Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem chamarás pelo nome de Jesus". Ela ficou maravilhada e perplexa, afinal, virgens não têm filhos. Poderia ter zombado ou contestado, mas, em vez disso, perguntou: "Como será isto, pois não tenho relação com homem algum?" (Lc 1:34). Ela não disse que seria impossível; perguntou: "Como?"

Por outro lado, temos a visita de Gabriel a Zacarias, pai de João Batista. O anjo veio e lhe disse: "Isabel, tua mulher, te dará à luz um filho, a quem darás o nome de João" (Lc 1:13). Zacarias sabia que "Isabel era estéril" (Lc 1:7), e seu ceticismo provocou um tipo de questionamento diferente: "Como saberei isto?". Ele não queria saber como o anjo o faria, mas qual a certeza de que o faria.

Gabriel não gostou dessa reação e disse: "Eu sou Gabriel, que assisto diante de Deus, e fui enviado para falar-te e trazer-te estas boas novas. Todavia, ficarás mudo e não poderás falar até ao dia em que estas coisas venham a realizar-se; porquanto não acreditaste nas minhas palavras, as quais, a seu tempo, se cumprirão" (Lc 1:19,20).

Concluo, portanto, que um questionamento humilde sobre como e por que Deus faz o que faz é aceitável a Deus. Ele responde de maneira satisfatória a Maria: "Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra" (Lc 1:35). Isso não diminuiu o mistério, mas ajudou.

Não posso remover o mistério de Romanos 9. Há mais para compreendermos do que temos visto, e eu quero desencorajar sua busca por conhecer mais e mais o coração e a mente de Deus. Ape­nas faça isso com humildade e com o desejo de confirmar o que ele já disse, ainda que lhe cause perplexidade.

Não deixe suas orações tornarem-se ocasiões para retrucar, não critique Deus nem sinta-se indignado com ele. Muito em breve, essa curta vida de perplexidades terminará: "Agora, vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a face. Agora, co­nheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido" (ICo 13:12). Seja honesto com Deus sobre as coisas que o descon­certam, mas ponha a mão sobre boca se a contestação surgir. E melhor permanecer em silêncio e esperar pela explicação a dizer que algo não pode acontecer. "Somente em Deus, ó minha alma, espera silenciosa, porque dele vem a minha esperança" (SI 62:5).

Pai, confessamos que somos os filhos e tu és o Pai. Somos os aprendizes e o Senhor, o mestre. Somos pecadores e falheis e o Senhor, santo e sábio. Ensina-nos a medir nossos pensamentos pelos teus e não por outro padrão qualquer. Humilha-nos sobtua mão forte. Não permitas que nos indignemos contra o Senhor, que te critiquemos ou nos desapontemos contigo: Faze-nos estremecer diante de tais insultos. Oh! Quão profundas sãotuas riquezas e tua sabedoria! Quão insondáveis são teusjuízos! Quão inescrutáveis são teus caminhos! Louvamos-te!

Em nome de Jesus. Amém