segunda-feira, 10 de maio de 2010

Os Sofrimentos Exclusivos dos Cristãos – Parte I


Por Heber Carlos de Campos

Há um tipo de sofrimento que todos os seres humanos possuem pelo fato deles viverem ainda neste mundo caído. Eles sofrem os males de causas naturais (que são manifestações parciais do juízo de Deus); eles sofrem doenças físicas; eles sofrem doenças mentais, psico-afetivas, e coisas semelhantes a essas. Nesse sentido, ímpios e justos sofrem igualmente. Em alguns casos, há crentes que sofrem até mais do que os ímpios.

Todavia, há alguns sofrimentos que são típicos e exclusivos dos cristãos. Nenhum ímpio padece desses sofrimentos, porque eles expressam algum tipo de relação com Jesus Cristo e sua obra. Desses os homens em geral não participam, pois eles não estão ligados pelos vínculos de amor a Deus nem ao seu Filho.

Sofrimento por causa da Disciplina Divina

O sofrimento profundo da disciplina divina, que tem a ver com o pecado dos crentes, é muito diferente do sofrimento que os ímpios têm por causa dos seus pecados. Neste caso, a retribuição divina tem nascedouro na sua justiça. Os sofrimentos dos ímpios estão relacionados com a manifestação da ira divina. Diferentemente deste, o sofrimento dos cristãos está vinculado não à justiça divina, mas ao seu amor.

A disciplina é produto do bondoso amor de Deus que procura levantá-los e colocá-los numa posição de vitória sobre os seus próprios pecados.

O texto fundamental que trata do sofrimento que a disciplina traz está registrado em Hebreus 12.4-13. Vejamos a análise desta passagem:

A disciplina divina é por causa dos pecados

Hb 12.4-5 – “Ora, na vossa luta contra o pecado, ainda não tendes resistido até ao sangue, e estais esquecidos da exortação que, como a filhos, discorre convosco: Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando por ele és reprovado;”

Os destinatários da Carta aos Hebreus estava cedendo às tentações dos pecados. Eles não estavam mantendo uma luta séria contra os pecados. Eles não estavam dando o sangue para vencer as suas próprias fraquezas. Esses versos parecem indicar que eles haviam se esquecido da seriedade como o Antigo Testamento tratava os pecados dos crentes. Lembremo-nos que os destinatários desta carta eram de origem judaica e conheciam bem o Antigo Testamento, mas estavam esquecidos de como Deus tratava os pecadores do seu povo.

Então o escritor lhes lembra o ensinamento de Provérbios 3.11, 12. Deus é santo e não permite que fiquem sem correção os pecadores e a sua correção causa um grande sofrimento.

Portanto, se esse sofrimento vem da parte de Deus, diz o escritor, “não menosprezes a correção que vem do Senhor.” Todos nós devemos dar ouvidos a esta verdade: Deus sempre corrige os pecadores do seu povo. Se você, irmão meu, está brincando com os seus pecados, não tenha nunca dúvida de que a correção do Senhor virá sobre você. Todavia, não menospreze a correção do Senhor. Ela tem uma finalidade muito grande na sua vida. Espere, pois, pela correção, que ela certamente virá. Ela é certamente parte da obra providencial de Deus para o bem-estar de sua vida!

A disciplina divina é para filhos

Hb 12.6b-8 – “[Porque o Senhor] açoita a todo filho que recebe. É para a disciplina que perseverais (Deus vos trata como a filhos); pois, que filho há a quem o pai não corrige? Mas se estais sem correção, de que todos se tem tornado participantes, logo sois bastardos, e não filhos. Além disso, tínhamos nossos pais segundo a carne, que nos corrigiam, e os respeitávamos; não haveríamos de estar em muito maior submissão ao Pai dos espíritos, e então viveremos?”

Esta verdade é discriminadora. Ela aponta para a grande verdade da adoção. Ela faz distinção entre aqueles que são filhos de Deus e os que não são. Ela nos ajuda ver quem somos. Ela nos dá a convicção de que somos parte da família de Deus. Somente os que são filhos é que recebem disciplina. Deveríamos nos alegrar por esta grande verdade! Se temos sido participantes da disciplina divina é porque somos seus filhos! O escritor deixa claro que a disciplina é parte integrante da relação pais e filhos. Por isso ele diz: “Deus vos trata como a filhos”.

Se não existe disciplina é sinal que não há a relação entre pai e filhos, mas somente entre um chefe de família e um bastardo. Um bastardo faz o que quer e o chefe de família não lhe aplica disciplina alguma, porque não tem as prerrogativas de pai sobre ele. Se alguém no meio do povo de Deus vive em pecado, mas permanece sem disciplina, é um sinal de quem não pertence à família de Deus embora viva no meio dela.

O escritor faz uma comparação entre os pais terrenos e o Pai Celestial. Os primeiros aplicavam sua correção aos filhos e o resultado era o respeito. Essa é a atitude correta dos filhos. Logo, esse tipo de obediência devemos muito mais ao Pai Celestial. A disciplina divina tem a finalidade de despertar a reverente obediência dos filhos para com Deus. Portanto, se você aprendeu a obedecer ao seu pai terreno, aprenda a obedecer muito mais ao Pai Celestial, de quem você é filho, se é que você tem sido participante da disciplina dele.

A disciplina divina é produto do seu amor

Hb 12.6a – “Porque o Senhor corrige a quem ama...”

Esta verdade é altamente consoladora. Nunca pense que a disciplina divina é produto da sua justiça, mas do seu amor. Somente aqueles que são objetos do seu amor é que recebem as manifestações da vara divina. A justiça revida, o amor disciplina. A justiça é sem misericórdia, o amor é acompanhado da misericórdia. Eles não se excluem. Todavia, justiça e amor na mesma pessoa são excludentes. Aqueles a quem o Senhor ama ele não revida com sua justiça, mas ele disciplina como prova do seu amor.

É difícil para alguns pais entenderem que, se eles realmente amam os seus filhos, eles estão debaixo da obrigação de discipliná-los. O amor exige disciplina, porque a disciplina é benéfica para a alma dos filhos. Todos os pais que realmente amam seus filhos, têm de discipliná-los. Salomão disse que o pai que “retém a vara aborrece a seu filho, mas o que o ama, cedo o disciplina” (Pv 13.24). Se não disciplinamos os filhos, é porque não os amamos verdadeiramente e, na verdade eles crescem nos desprezando, pois somente mais tarde eles vão reconhecer que o amor foi falho. O amor perfeito ama ao ponto de disciplinar. É dolorido não somente aos filhos a disciplina, mas o é também aos pais. Mesmo que seja com lágrimas nos olhos, os pais têm que imitar Deus nessa amorosa tarefa de educar os seus filhos.

Quando disciplinamos os nossos filhos com amor, eles sentem nosso amor e logo quando recebem a vara, correm de volta para nós e nos abraçam, pois eles precisam do amparo de quem ama. Da mesma forma, precisamos fazer com Deus. À medida que ele nos disciplina, devemos nos voltar para ele e reconhecer que o seu amor é a razão última de nossa disciplina. Ele quer o nosso bem.

Somente aqueles que são objeto do seu amor é que recebem o sofrimento da disciplina.

A disciplina divina é para o nosso proveito

Hb 12.10 – “Pois eles [os pais terrenos] nos corrigiam por pouco tempo, segundo melhor lhes parecia; Deus, porém, nos disciplina para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade.”

Nossos pais, na aplicação da sua disciplina, certamente falharam conosco, como também falhamos com os nossos filhos, porque aplicamos disciplina segundo o nosso entendimento, “conforme bem nos parecia”. É por essa razão que há falhas em nosso relacionamento com eles e não crescemos como devíamos e nem nossos filhos crescem como devem. Tem havido falha na disciplina porque tem havido falha em nosso amor. Não disciplinamos com o amor devido, mas muitas vezes descarregamos a nossa ira sobre eles. Não é assim, contudo, que Deus faz.

Contrastando com a disciplina amorosa de Deus, o escritor diz: “Deus, porém, nos disciplina para aproveitamento”. Deus não falha nos resultados na sua disciplina. Nós crescemos quando Deus nos trata realmente como a filhos, porque a sua disciplina é cheia de amor. Ela nos faz bem. Tiramos grande proveito e lucro dela.

Quando Deus nos disciplina ele quer formar em nós o caráter que ele tem. Ele quer trazer de volta em nós toda a imagem dele que foi desfigurada pela queda. O que caracteriza o caráter de Deus é a sua santidade. É exatamente isso que ele quer reimplantar em nós. A santidade, que é parte da justiça original, havia sido perdida na queda, e Deus está nos refazendo à sua própria imagem, restaurando-nos à condição primeva de santidade com a qual os seres humanos foram originalmente criados. Por essa razão, é que o texto diz que a disciplina nos torna “participantes da sua santidade”.

A disciplina divina produz frutos

A palavra disciplina é relacionada a ao verbo discipular que, por sua vez, diz respeito ao ensino. A disciplina é proveitosa, útil e benéfica para os participantes dela.

A Disciplina produz o fruto da submissão

Nossa resposta à disciplina divina nunca deve ser de revolta, mas de resignação, reconhecendo o merecimento dela, sendo submissos ao Pai Celestial em medida maior do que aos pais terrenos, por causa da diferença de dignidade entre eles. Essa é a idéia passada pelo ensino do verso 9.

A submissão deve caracterizar os filhos de Deus que são disciplinados pelo seu amor. No período do Antigo Testamento, os filhos rebeldes aos seus pais eram corrigidos e disciplinados com o apedrejamento (Dt 21.18-21). Uma disciplina muito pesada, mas não excessiva. Isso mostra como Deus leva a sério a obediência dos filhos aos seus pais. Lembre-se de que o escritor de Hebreus está apontando o ensino do Antigo Testamento a fim de que eles compreendessem o ensino do Novo Testamento, que basicamente é igual. Daí a referência ao escapar da morte, ou ter vida, mencionada no verso 9.

Portanto, não despreze a disciplina que vem do Senhor. Antes, ao receber esse sofrimento disciplinar imposto por Deus, reaja submissamente, mostrando que você é realmente filho dele.

A Disciplina produz o fruto da vida

O verso 9 diz que a disciplina que o Pai celestial nos envia é para o nosso aproveitamento. Um dos grandes proveitos dessa disciplina é a vida que se manifesta em nós em razão de nossa submissão.

Foi dito logo acima que, quando os filhos no Antigo Testamento desobedeciam os seus pais, eram apedrejados e mortos. Era uma disciplina pesada, mas foi dada para que a vida se manifestasse e se prolongasse pela obediência. Sempre a vida vem pela obediência. Por essa razão, o escritor fala que “havemos de estar em muito maior submissão ao Pai dos espíritos, e então viveremos” (v.9). Os filhos que reagiam submissamente aos seus pais eram preservados. Somente os rebeldes e insubmissos eram mortos.

Na relação entre o Pai e seus filhos adotivos a relação é a mesma. A obediência produz vida, assim como a disciplina deve produzir obediência e submissão.

A Disciplina produz o fruto da santidade

Já nos referimos a isso ligeiramente acima. Todavia, é necessário que esta verdade seja reforçada, porque ela é fundamental para os filhos de Deus. No mesmo raciocínio do texto, o escritor de Hebreus diz que sem a santificação ninguém verá o Senhor” (v.14). Não há modo de entrar um dia na presença do Senhor sem esse essa expressão do caráter divino que Deus está restaurando em nós. Essa é a finalidade da disciplina.

Como a santidade de Deus é perfeita, também o é a sua disciplina. Diferentemente dos pais terrenos que erram na disciplina porque eles não são perfeitos, Deus, com absoluta perfeição, produz em nós paulatinamente aquilo que ele próprio é. É a santidade que vem através do sofrimento. Ele nunca falha nesse seu propósito de produzir em nós o precioso fruto da santidade. É o sofrimento que vem de Deus que santifica as nossas almas. Lembre-se de que Salomão várias vezes referiu-se aos vergões da disciplina como produzindo purificação da alma (Pv 20.30). É essa purificação (ou santificação) que o Senhor produz em nós com o sofrimento da disciplina.

A Disciplina produz o fruto da retidão

Quando estamos doentes, nós nos submetemos a tratamentos severos. Enfrentamos cirurgias, remédios que provocam reações terríveis, fazemos terapias doloridas, mesmo sabendo dos sofrimentos que esses tratamentos severos nos causam, porque esperamos a melhora ou mesmo a cura de nossas enfermidades. É por causa da nossa saúde física que nos submetemos a esse sofrimento todo!

Ora, se é assim na esfera do reino natural, quanto mais verdadeiro o é na esfera no reino espiritual! A disciplina divina é para produzir em nós a cura de nossos pecados, ensinando-nos a andar no caminho da retidão. É isso que o texto mostra: “ frutos de justiça”.

Deus quer que andemos de conformidade com a norma de comportamento estabelecida por ele: a sua vontade preceptiva que está registrada nas Escrituras. Ela é poderosamente o instrumento útil de Deus para “o ensino, para a repreensão, para a correção, e para a educação na justiça” (2 Tm 3.16). Deus, ao nos disciplinar, quer produzir a retidão em nossa vida. Por essa razão, ele ordena, no mesmo texto de Hebreus:

Hb 12.12-13 - “Restabelecei as mãos descaídas e os joelhos trôpegos; e fazei caminhos retos para os vossos pés, para que não se extravie o que é manco, antes seja curado.”

A retidão é o alvo final de Deus para a vida dos crentes quando os disciplina. Ele começa apontando a vida para eles, santifica-os, habilitando-os a trilharem caminhos retos para as suas vidas.

Recorde aqui quão benéfico é o sofrimento causado pela disciplina de Deus! Bendiga a Deus porque você é parte da família dele e porque ele ama você!

Todavia, a disciplina divina implica em sofrimento

Hb 12.11a. – “Toda disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza;”

Embora a disciplina divina seja proveitosa, faça-nos participantes da sua santidade, produza frutos de justiça, temos que admitir que ela implica em sofrimento. Nunca a disciplina é algo agradável, tanto para quem a aplica como para quem a recebe.

Não é fácil estar sob a mão disciplinadora de Deus. Às vezes, essa mão é pesada e permanece sobre nós por muito tempo. Por vezes, gememos debaixo da poderosa mão de Deus que nos faz sentir a tristeza do seu coração conosco por causa de nossos pecados. Não é incomum um filho de Deus ficar longo tempo sem arrependimento, experimentando as varadas do abandono divino, um abandono que revela a tristeza que Deus sente pelos nossos pecados.

Está absolutamente certo o escritor quando diz que a disciplina “não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza”. É muito sofrimento estar sob a disciplina do Todo-poderoso.

Davi esteve sob essa disciplina por longo tempo. Enquanto o arrependimento não lhe veio (e ele é dom de Deus!) ele calou os seus pecados. Então, após longo tempo de sofrimento, os seus ossos se envelheceram e ele gemia constantemente, todo o dia. Veja a razão dos seus gemidos: “Porque a tua mão pesava dia e noite sobre mim” e o resultado foi que o seu vigor se tornou em sequidão de estio (Sl 32.3-4). Esta é a situação de todo aquele que está sob a disciplina do Senhor. É um tempo de tristeza, de sofrimento, mas não sem a assistência da misericórdia. Outros homens de Deus poderão igualmente testificar desse duro sofrimento, mas nunca dirão que foi sofrimento em vão, porque é sofrimento causado pelo amor que o Pai Celestial tem por seus filhos!

Esse tipo de sofrimento é exclusivo dos crentes, os filhos de Deus. Ninguém mais tem essa espécie de sofrimento. Ele nos vem como produto do seu amor, mas é um amor que se manifesta doloridamente, embora não permaneça para sempre assim. Os outros que não pertencem à família divina não experimentam esse bendito sofrimento. Ela é exclusiva dos verdadeiros filhos de Deus, não dos bastardos.
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Fonte: A Providência e a sua realização histórica,Heber Carlos de Campos, Ed. Cultura Cristã, pág. 557-564.

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