terça-feira, 31 de agosto de 2010

O Arminianismo Moderno


R. C. Sproul

O Sínodo de Dort não destruiu o movimento arminiano. Ele se espalhou por todo o continente e mais tarde para a América Colonial. Ele sobrevive até hoje e, atualmente, desfruta de uma forte restauração. Em 1989, Clark H. Pinnock publicou The Grace of God, the Will of Man, um livro designado para defender o arminianismo.

No seu próprio estudo, no qual narra sua peregrinação pessoal do calvinismo para o arminianismo, Pinnock observa:

“Uma mudança teológica está a caminho entre os evangéLicos como também entre outros cristãos para longe do determinismo no que diz respeito à regra e salvação de Deus e em direção a uma orientação mais favorável ao relacionamento pessoal dinâmico entre Deus, o mundo e as criaturas humanas de Deus. A tendência começou, creio, por causa de uma leitura nova e fiel da Bíblia em diálogo com a cultura moderna, que coloca a ênfase na autonomia, temporalidade e mudança histórica”

Pinnock recebe com prazer essa tendência e afirma que os grandes teólogos freqüentemente mudam de opinião. Ele cita Karl Barth como um exemplo, referindo-se a Barth como “indubitavelmente, o maior teólogo de nosso século”. Ao avaliar essa tendência atual na teologia evangélica, ele ainda menciona:

“Ao mesmo tempo, no entanto, os calvinistas continuam sendo as principais figuras da unificação evangélica, muito embora seu domínio tenha diminuído. Eles controlam razoavelmente o ensino da teologia nos grandes seminários evangélicos; possuem e operam as maiores editoras; e, em grande parte, conduzem o movimento da inerrância. Isso significa que eles são fortes onde importa -na área da liderança intelectual e da propriedade… Embora haja muitos pensadores arminianos na apologética, missiologia e na prática do ministério, há apenas alguns poucos teólogos evangélicos prontos para defenderem as opiniões não-agostinianas”.

Sou menos otimista do que Pinnock sobre o atual estado do evangelicalismo. Talvez nós dois avaliemos a situação de um ponto de vista preconceituoso, sofrendo da síndrome da “grama sempre mais verde”. Pinnock indica que um propósito do The Grace of God, the Will of Man é “oferecer uma voz mais alta à maioria silenciosa dos evangélicos arminianos”. Aqui ele afirma que a maioria dos evangélicos está se afastando da influência que o pensamento agostiniano teve sobre eles. Ele diz:

“É difícil encontrar um teólogo calvinista que deseje defender a teologia reformada que inclua as visões tanto de Calvino quanto de Lutero em todos os seus particulares rigorosos, agora que Gordon H. Clark não está mais entre nós e John Gerstner se aposentou. Poucos têm estômago para tolerar a teologia calvinista em sua pureza lógica”.

O Dr. Gestner morreu após essas palavras terem sido escritas, assim talvez precisemos da lâmpada de Diógenes para encontrar teólogos calvinistas que defendam tanto Lutero quanto Calvino com vigor. No entanto, as noticias do fim do calvinismo são um pouco exageradas uma vez que ainda existem muitos com estômago teológico de ferro.

Na sua própria peregrinação, Pinnock chegou a questionar a consciência e presciência de Deus. Ele entende a relação essencial entre esses atributos divinos e as doutrinas da eleição e livre-arbítrio. Ele escreve:

Finalmente, tive de repensar a onisciência divina e, relutantemente, perguntar se devemos pensar nela corno uma presciência exaustiva de tudo o que irá acontecer, como a maioria dos arminianos pensa. Descobri que não poderia livrar-me da intuição de que uma onisciência total como essa, necessariamente significaria que tudo o que iremos escolher no futuro já teria sido soletrado no registro de conhecimento divino e, conseqüentemente, a crença de que temos escolhas verdadeiramente significantes a fazer pareceria ser um erro. Conhecia o argumento calvinista de que a presciência completa era equivalente à predestinação porque implica imobilidade de todas as coisas desde a “eternidade passada”, e não poderia me livrar da sua força lógica.

É importante notar que a nova visão de Pinnock sobre a presciência de Deus vai além da visão da maioria dos arminianos, como ele indica. Ela parece ir muito além das visões sustentadas no conceito do meio-conhecimento desenvolvido pelo jesuíta espanhol Luis Molina. Esse conceito é habilmente explicado por William Lane Craig em The Grace of God, the Will of Man, e também desenvolvido de forma clara por Alvin Plantinga. Pinnock tenta escapar da “lógica” da presciência completa na teologia reformada clássica. Ele diz:

Por essa razão, tive de me perguntar se era biblicamente possível sustentar que Deus conhece tudo o que pode ser conhecido, exceto a escolha livre que não seria algo que pudesse ser conhecido até mesmo por Deus porque ainda não está resolvida na realidade…. Deus pode predizer bastante do que iremos escolher fazer mas não tudo porque alguma coisa permanece escondida no mistério da liberdade humana….

…Naturalmente a Bíblia louva a Deus por seu conhecimento detalhado do que irá acontecer e o que ele mesmo irá fazer… O Deus da Bíblia revela uma abertura para o futuro que a visão tradicional da onisciência simplesmente não pode acomodar….

…Precisamos de um teísmo do “livre-arbítrio”, uma doutrina de Deus que anda no caminho intermediário entre o teísmo clássico, que exagera a transcendência de Deus do mundo, e o teismo do sistema, que reivindica a imanência radical.

Essa declaração expressa algo do pensamento seminal de Pinnock, desenvolvido de forma mais completa no volume posterior The Openness of God. O que é digno de nota aqui é que Pinnock claramente percebe que está desafiando não meramente o calvinismo clássico mas também o próprio teísmo clássico. Ele procura reconstruir a teologia em algum lugar entre o teísmo clássico e a teologia do processo. Ele a chama de “teísmo do livre-arbítrio” porque a força condutora por trás dessa nova doutrina de Deus é a preocupação em manter a visão arminiana do livre-arbítrio humano. No The Openness of God, Pinnock reitera sua crítica da doutrina da onisciência no teísmo clássico e também levanta questões sobre outras doutrinas do teísmo clássico como as da imutabilidade e da onipotência.

Na superfície, essa reconstrução da doutrina de Deus parece carregar uma etiqueta de alto preço se alcançar a abertura que Pinnock deseja. No nível prático, admiramos como Deus pode saber qualquer coisa sobre o futuro exceto o que ele pessoalmente pretende fazer (intenções que são, elas mesmas, abertas às mudanças enquanto ele reage às decisões futuras dos homens). Se a História não é afetada de modo algum pelas decisões dos homens e se o conhecimento de Deus não inclui as futuras decisões humanas, como Deus pode conhecer tudo sobre o futuro da história do mundo? Como podemos encontrar qualquer conforto no futuro que Deus prometeu para seu povo se esse destino futuro jaz nas mãos dos homens? A âncora de nossa alma foi arrastada do seu ancoradouro. Não temos razão para confiar em nenhuma promessa que Deus fez sobre o futuro. Não apenas os melhores planos traçados dos ratos e homens se perdem mas também que se perdem, semelhantemente, os melhores planos traçados do Criador dos ratos e dos homens.

Essa fascinação com a abertura de Deus é um ataque não apenas ao calvinismo ou mesmo ao teísmo clássico, mas ao próprio Cristianismo.

Fonte: R.C. Sproul, Sola Gratia, A controvérsia sobre o livre arbítrio na história, Editora Cultura Cristã.

Extraído de : Monergismo Via: Olhar Reformado

Pelos Frutos Conhecereis


Por Jonathan Edwards (1703 -1758)

A prática cristã é o principal sinal pelo qual podemos julgar a sinceridade de cristãos professos. As Escrituras são muito claras sobre isso. "Pelo seus frutos os conhecereis" (Mat 7:16), "Ou fazei a árvore boa e o seu fruto bom, ou a árvore má e o seu fruto mau; porque pelo fruto se conhece a árvore" (Mat. 12:33). Em nenhum lugar Cristo diz: "Conhecereis a árvore por suas folhas e flores. Conhecereis os homens pelo que dizem, pelas histórias que contam de suas experiências, por suas lágrimas e expressões emocionais". Não! "Pelos seus frutos os conhecereis. Pelo fruto se conhece a árvore."

Cristo nos aconselha que procuremos pelos frutos da prática cristã nos outros. Também nos exorta que devemos mostrar esse fruto aos outros em nossas próprias vidas. "Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus" (Mat. 5:16). Cristo não diz: "Assim brilhe também a vossa luz, exprimindo aos outros seus sentimentos e experiências." É quando os outros vêem nossas boas obras que glorificarão nosso Pai que está nos céus.

O restante do Novo Testamento diz o mesmo. Por exemplo, em Hebreus lemos sobre aqueles que foram iluminados, provaram o dom celestial e assim por diante, e caíram (Heb. 6:4-8). Então, no versículo 9 diz: "Quanto a vós outros, todavia, ó amados, estamos persuadidos das coisas que são melhores e pertencentes à salvação." Por que o escritor de Hebreus estava tão confiante que a fé deles era verdadeira e que eles não cairiam? Por causa de sua prática cristã. Vejam o versículo 10: "Porque Deus não é injusto para ficar esquecido do vosso trabalho e do amor que evidenciastes para com o seu nome, pois servistes e ainda servis aos santos."

Encontramos o mesmo ensinamento em Tiago. "Meus irmãos, qual é o proveito, se alguém disser que tem fé, mas não tiver obras?" (Tg. 2:14). Tiago está nos dizendo que não adianta dizer que temos fé, se não mostrarmos nossa fé pelas boas obras. Tudo o que dizemos será inútil, se não for confirmado pelo que fazemos. Testemunhos pessoais, histórias sobre nossos sentimentos e experiências - tudo inútil sem boas obras e prática cristã. De fato, isto é bom senso.

Todos sabemos que "ações falam mais alto que palavras." Isso se aplica tanto ao domínio espiritual quanto ao natural. Imagine duas pessoas, uma parece andar humildemente perante Deus e os homens, viver uma vida que fala de um coração penitente e contrito; é submissa a Deus na aflição, mansa e gentil para com os outros homens. A outra fala sobre quão humilde é, como se sente condenada pelo pecado, como se prostra no pó perante Deus, etc; não obstante, se comporta como se fosse o cabeça de todos os cristãos da cidade! É mandona, importante perante ela mesma e não suporta crítica. Qual dessas duas dá a melhor demonstração de ser uma verdadeira cristã? Não é falando às pessoas sobre nós mesmos que demonstramos nosso cristianismo. Palavras custam pouco. É pela dispendiosa e desinteressada prática cristã que mostramos a autenticidade de nossa fé.

Estou supondo, é claro, que essa prática cristã existe numa pessoa que diz acreditar na fé cristã, pois o que estamos testando é a sinceridade daqueles que se dizem cristãos. Uma pessoa não pode proclamar-se cristã sem reivindicar certas coisas. Não iríamos - e não deveríamos - aceitar como cristão alguém que negue as doutrinas cristãs essenciais, não importa quão bom e santo ele pareça. Junto com a prática cristã, deve haver uma aceitação das verdades básicas do evangelho. Essas incluem crer que Jesus é o Messias, que morreu para satisfazer a justiça de Deus contra nossos pecados, e outras doutrinas dessa ordem. A prática cristã é a melhor prova da sinceridade e salvação daqueles que dizem acreditar nessas verdades, mas não prova coisa alguma sobre a salvação daqueles que as negam!

Eu só acrescentaria o que já disse antes (Parte dois, capítulo 12), que nenhuma aparência exterior é sinal infalível de conversão. A prática cristã é a melhor evidência que temos de que um cristão professo é um cristão verdadeiro. Leva-nos a acreditar em sua sinceridade e aceitá-lo como irmão em Cristo. Mesmo assim, não é prova cem por cento infalível. Para começar, não podemos ver todo o comportamento manifestado de uma pessoa; muito dele está escondido do mundo. Não podemos ver dentro do coração da pessoa para ver seus motivos. Não podemos estar certos até que ponto pode ir uma pessoa não convertida na aparência exterior de cristianismo. Contudo, se pudéssemos ver toda a prática que a consciência da própria pessoa conhece, poderia então ser um sinal infalível de sua condição de pessoa salva.

A Reforma e o Homem


Por Francis Schaeffer (1912 -1984)

Conhecemos, pois, algo deslumbrante a respeito do homem. Entre outras coisas, conhecemos a sua origem e quem ele é – criado à imagem de Deus. É o homem maravilhoso não apenas quando é “nascido de novo” como um cristão, é também maravilhoso como o fez Deus a Sua própria imagem. Tem o homem valor e dignidade em função daquilo que foi originalmente, antes da Queda.

Estava, há pouco, fazendo uma série de preleções em Santa Bárbara, quando me foi apresentado um rapaz viciado em entorpecentes. Era um jovem de semblante delicado e expressivo, cabelos longos e encaracolados, os pés calçados com sandálias, e trajava calça rancheira. Assistiu a uma das preleções e confessou: “Isto é completa novidade para mim; nunca ouvi coisa alguma igual a isto”. Voltou na tarde seguinte e eu o saudei. Olhou-me firmemente nos olhos e disse: “O senhor me cumprimentou de maneira tocante. Por que me tratou assim?” Respondi-lhe: “é porque eu sei quem você é – sem que você foi criado à imagem de Deus”. Em seguida tivemos uma demorada e notável conversa. Não podemos tratar as pessoas como seres humanos, não podemos vê-las no alto nível da verdadeira humanidade, a menos que conheçamos realmente a sua origem – quem são. Deus diz ao homem quem ele é. Deus nos declara que Ele criou o homem à própria imagem. Portanto, o ser humano é algo maravilhoso.

Deus, entretanto, nos diz algo mais a respeito do homem – fala-nos acerca da Queda. Isto introduz o outro elemento que precisamos conhecer a fim de entendermos o ser humano. Por que é, a um tempo, criatura tão maravilhosa e tão degradada? Quem é o homem? Quem sou eu? Por que pode o homem realizar estas coisas que o fazem único, no entanto, porque é ele tão horrível? Por que?

Diz a Bíblia que você é maravilhoso porque é feito à imagem de Deus e degradado porque, em determinado ponto espaço-temporal na história, o ser humano caiu. O homem da Reforma sabia que a criatura marcha rumo ao Inferno em razão da revolta contra Deus. Todavia o homem da Reforma e aqueles que após a Reforma forjaram a cultura do Norte Europeu sabiam que, enquanto o homem é moralmente culpado diante do Deus que existe, ele não é o nada. O homem moderno tende a julgar-se ser nada. Aqueles, entretanto, sabiam que eram exatamente o oposto do nada porque conheciam o sentido de serem feitos à imagem de Deus. Embora decaídos e, a parte da solução não-humanista de Cristo e Sua morte substicionária, iriam para o Inferno, isto não significava, contudo que eram nada. Quando a Palavra de Deus,a Bíblia veio a ser ouvida, a Reforma teve resultados tremendos, tanto nas pessoas individualmente, que se tornavam genuínos cristãos, como na cultura em geral.

O que a Reforma nos diz, pois, é que Deus falou nas Escrituras tanto acerca do “andar de cima” como do “andar de baixo”. Falou em verdadeira revelação acerca de Si mesmo – as coisas celestiais – e falou em verdadeira revelação a respeito da própria natureza – o cosmos e o homem. Portanto, tinham os Reformadores uma real unidade de conhecimento. Eles simplesmente não tinham o problema renascentista de graça e natureza! Obtinham real unidade, não que fossem mais sagazes, mas porque alcançavam uma unidade cuja base se achava no que Deus revelara em ambas as áreas. Em contraste com o Humanismo de Tomás de Aquino liberara e o Humanismo que o Catolicismo Romano fomentara, não reconhecia a Reforma qualquer porção autônoma.

Não queria isto dizer que não restava liberdade para a arte ou a ciência. O oposto é que era verdade; havia agora a possibilidade da verdadeira liberdade dentro da forma revelada. Contudo, ainda que haja liberdade para a arte e a ciência, não são elas autônomas – o artista e o cientista também se acham debaixo da revelação das Escrituras. Como se verá, sempre que a arte ou a ciência procuraram fazer-se autônomas, certo princípio sempre se manifestou – a natureza “devora” a graça e, consequentemente, a arte e a ciência bem logo começaram a parecer destituídas de significação.

A Reforma teve não poucos resultados de tremendo alcance e tornou possível a cultura que tantos dentre nós admiramos afetuosamente – ainda que a nossa geração a esteja agora lançando fora. Confronta-nos a Reforma um Adão que era, usando a terminologia característica da forma de pensamento do século vinte, um homem não-programado – não arranjado como um cartão perfurado de um sistema de computação. Uma característica que marca o homem do século vinte é que ele não pode visualizar isto, uma vez que é de todo infiltrado por um conceito de determinismo. A perspectiva bíblica, entretanto, é clara – homem não pode ser explicado como totalmente determinado e condicionado – posição que forjou o conceito da dignidade do homem. Há pessoas que buscam hoje apegar-se à dignidade do homem, entretanto não têm base conveniente em que se fundamentar pois que perderam a verdade de que o homem foi feito à imagem de Deus. Ele era um homem não programado, um homem revestido de significado numa história de alto sentido, capaz de alterar a história.

Temos, pois, no pensamento da Reforma um homem que é alguém. Vemo-lo, porém, envolvido numa condição de revolta e a rebeldia é real – jamais uma “peça de teatro”. Uma vez que é um ser não programado e de fato se revolta, ele incide em genuína culpabilidade moral. À vista disto, os Reformadores compreenderam algo mais. Tiveram uma compreensão bíblica da obra de Cristo. Compreenderam que Jesus morreu na cruz em função substitutiva e em ação propiciatória a fim de salvar o homem da verdadeira culpa que sobre ele pesa. Necessitamos reconhecer que, no instante em que nos pomos a alterar a noção bíblica da verdadeira culpa moral, seja falsificação psicológica, seja a falsificação teológica ou seja de qualquer outra forma, nosso conceito da obra de Jesus não mais será bíblico. Cristo morreu pelo homem que tinha uma culpa moral verdadeira por ele próprio ter feito essa real e verdadeira escolha.

A Sabedoria Humana é inútil no Reino


Por D. Martyn Lloyd-Jones

Hoje os homens continuam pondo a sua confiança na filosofia humana. A Igreja está fazendo isso; ela cita os filósofos, encontra "percepções" numa variedade de religiões e nos ensinos dos filósofos, sejam eles cristãos ou não. Se são homens capazes, homens de cultura e pensadores profundos, argumenta-se que eles devem ter algo para dizer-nos! Mas isso é uma completa negação de toda a base da pregação apostólica.

"O mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria"; e a razão disso é óbvia. Obvia por causa do caráter e da personalidade de Deus. E em 1 Coríntios, capítulo 2, Paulo afirma que "nenhum dos príncipes deste mundo conheceu" e não reconheceu o nosso Senhor. "Falamos sabedoria", diz Paulo, "entre os perfeitos; não, porém, a sabedoria deste mundo, nem dos príncipes deste mundo, que se aniquilam" (versículo 6). A sabedoria humana, mesmo em seus príncipes, em seus maiores homens, é inadequada; ela nunca nos levará à verdade. Isso porque Deus é o que Ele é! Deus é infinito, absoluto e eterno em todos os aspectos. Deus é! E no momento em que você compreende essa verdade, você vê como o homem jamais tem possibilidade de chegar ao conhecimento de Deus. Como pode a mente finita abarcar o Infinito? Como pode o homem mortal chegar a um verdadeiro conhecimento do Deus imortal, do Deus que diz: "Eu sou o que sou", do Deus que é de eternidade a eternidade, absoluto em todos os aspectos, do Deus que é "luz, e não há nele treva nehuma?"

Mesmo que o homem fosse perfeito, não poderia chegar ao conhecimento do Deus infinito, pois, em comparação com Deus, o homem não é nada. Se você pode abarcar algum conhecimento com o seu cérebro, significa que o seu cérebro é maior do que o objeto que você abarca. Assim, quando o homem tenta entender Deus, e vê-lo mediante a sua pesquisa, o seu poder, o seu intelecto e seu entendimento, está pressupondo que ele é maior do que Deus e que Deus é alguém que está aberto para ser examinado. A própria idéia disso é monstruosamente ridícula.

No entanto, quando nos damos conta de que o homem não somente é finito, mas também é pecador, decaído, transviado, pervertido, aquela postura se torna ainda mais ridiculamente impossível. Vejam o argumento: "Qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o espírito do homem, que nele está?" (1 Coríntios2:l l).Tem que haver uma correspondência. Se você quer apreciar música, tem que ter alguma sensibilidade musical. Há pessoas que absolutamente não apreciam música. Podem ter grandes intelectos, porém não têm ouvido, não podem apreciá-la. É preciso haver alguma correspondência ou correlação antes de poder haver entendimento. E o mesmo se aplica ao domínio espiritual. Deus não é só infinito, absoluto e eterno; "Deus é luz, e não há nele treva nenhuma". Não há comunhão entre a luz e as trevas, não há correspondência entre o preto e o branco. Deus é sempiternamente santo, e cada um de nós é pecador, indigno e vil. E o resultado, como diz o apóstolo, é que, para cada uma dessas pessoas "naturais", as coisas do Espírito de Deus são "loucura" (1 Coríntios 2:14). O homem por natureza não somente não pode chegar ao conhecimento; quando lhe é dado o conhecimento, ele o rejeita com escárnio. É absurdo para ele, é loucura. "Os gregos buscam sabedoria", mas o evangelho é "loucura" para eles. E tão completamente diferente do que eles crêem, do que eles são e do que eles têm! E assim será por toda a eternidade. A passagem das eras não faz diferença. Deus não muda, o homem não muda, o pecado não muda e, portanto, o que quer que possamos conhecer cientificamente hoje, que os nossos antepassados não conheceram, não faz a mínima diferença. Assim, estamos de novo na antiga situação: "O mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria". Não podia conhecê-lO. "O homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus... e não pode entendê-las." O homem não pode entendê-las por causa da sua fraqueza, incapacidade e pecaminosidade, e por causa da grandeza de Deus.

Todos nós estamos, pois, nesta situação, que, mesmo empregando todos os nossos esforços, por estes nunca chegaremos a este conhecimento de Deus. Pois bem, então, seria possível o conhecimento? Se devo cingir os meus lombos com a verdade, como posso achá-la? Há somente uma resposta: se havemos de ter algum conhecimento da verdade, é preciso que nos seja dado por Deus. Terá que ser revelado a nós. "É sobremodo elevado, não o posso atingir", diz o salmista (Salmo 139:6, ARA). Mas Deus, se quiser, pode dar-nos o conhecimento que desejamos. E a mensagem geral da Bíblia, do princípio ao fim, é justamente esta, que Ele o fez. "Como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação" - pela mensagem que Ele enviou por meio dos Seus servos. Esse é outro modo de declarar o fato da revelação.

Consideremos por ora a maneira pela qual o apóstolo Paulo expôs o assunto quando ele estave pregando em Atenas e se dirigia aos estóicos e aos epicureus. E, para mim, não somente a tragédia das tragédias, mas também quase inexplicável, o fato de que a Igreja Cristã, no século passado, deliberadamente introduziu de novo a filosofia na Igreja e a colocou numa posição central. É uma negação fundamental da totalidade do evangelho. E ela continua fazendo isso. Temos que levantar-nos diante do mundo e dizer o que Paulo disse em Atenas: "Esse, pois, que vós honrais, não o conhecendo..." (Atos 17:22 e seguintes). Eles estavam tentando achá-lO; não somente haviam erigido templos dedicados aos seus diversos deuses, porém havia aquele estranho altar, que trazia a inscrição: "Ao Deus Desconhecido". Eles tinham a sensação de que Ele estava nalgum lugar. As raças mais primitivas têm uma crença num Deus supremo. Não O conhecem, estão tentando achá-lO - e era assim com os gregos! "O Deus Desconhecido!" E Paulo olha para eles e diz: "Esse, pois, que vós honrais não o conhecendo" - ou esse que estais tentando honrar - "é o que eu vos anuncio" (ou "vos declaro", VA). Ele está fazendo uma declaração.

Lá estavam pessoas andando às tontas, às apalpadelas, na escuridão, e então chega um homem com autoridade e diz: "Esse é o que eu vos declaro". Eis aí conhecimento, informação. Isso é revelação! Essa é toda a posição bíblica. Em nossa incapacidade, em nossa condição finita, em nossa pecaminosidade, não podemos, nem nunca poderemos chegar ao conhecimento de Deus. E estamos tão presos a essa condição que, se a Deus não aprouvesse dar-nos o conhecimento, dar-nos a revelação, não teríamos nada, estaríamos destruídos, estaríamos sem nenhuma esperança, "sem Deus no mundo". Mas, diz a Bíblia, Deus fez precisamente isso! Essa é a glória da mensagem, essas são as boas novas da salvação; a Deus aprouve dar-nos esta revelação. Essa é a mensagem da Bíblia toda; é o que ela proclama do começo ao fim. "No princípio... Deus". É uma declaração autoritária. Como foi que Moisés fez a declaração autoritária? Foi-lhe dada. Assim vocês vêem o autor da Epístola aos Hebreus dizendo que "pela fé entendemos que os mundos pela palavra de Deus foram criados". Sabemos isso "pela fé"; foi dado; é uma revelação.

Essa é a reivindicação do Velho Testamento; e, nesta questão, o Velho Testamento é tão importante como o Novo. Os dois andam j untos, um levando o outro. Moisés escreveu cinco livros, não por sua sabedoria pessoal, não por sua própria filosofia. Ele não nos oferece suas idéias pessoais e o seu entendimento. A verdade lhe foi revelada, e ele foi capacitado pelo Espírito Santo para escrevê-la. Quando chegam aos profetas, vocês vêem exatamente a mesma coisa. Nem um só profeta se levantou e disse: "Estou dizendo isso porque pensei muito neste assunto; meditei e li muito a respeito, e cheguei a esta conclusão". Não é isso que eles dizem. Em vez disso, eles falam do "fardo do Senhor"; "veio a mim a mensagem do Senhor"; ou "o Espírito de Deus veio sobre mim". Alguns deles não queriam entregar a mensagem. Jeremias diz: "Eu gostaria de não ter que falar; só entro em dificuldade quando falo". Mais de uma vez resolveu que nunca mais falaria, mas disse: "A Palavra de Deus foi como fogo ardente dentro de mim, e não pude refrear-me". Essa era a situação deles. O salmista diz quase a mesma coisa.

A Bíblia é resultado da ação de Deus inquietando homens pelo Espírito, dando-lhes a mensagem, e depois os capacitando a transmiti-la, falando ou escrevendo.

Desempenhando o Seu Papel



Por Dr. Gene Edward Veith

Como já vimos, a palavra hipocrisia deriva-se do vocábulo grego que expressa a idéia de "desempenhar um papel". A palavra comum que descrevia um ator no palco era a palavra hipócrita. Nas tragédias de Sófocles ou nas comédias de Aristófanes, os atores – os hipócritas – desempenhavam seus diferentes papeis usando máscaras. A transgressão moral da hipocrisia também envolve desempenhar um papel e vestir uma máscara. Mas existe ocasiões em que Deus nos chama a cumprir um papel.

A cultura contemporânea tolera quase todo tipo de comportamento, exceto a hipocrisia. Nossa sociedade não tem problemas com alguém que é homossexual ou usa a pornografia. Mas se um ativista contra a legalização do casamento gay é descoberto na homossexualidade, ou se um pastor que prega contra a pornografia é achado com pornografia em seu computador, toda zombaria, indignação e desaprovação social cai sobre ele. Não por causa do seus erros, mas porque ele se opunha aos erros que ele mesmo tem; por vestir uma máscara de virtude quando ele mesmo não é virtuoso; por ser um hipócrita.

Os cristãos precisam esperar esse tratamento. A hipocrisia é certamente errada. Mas a incoerência entre o crer e o comportamento não é, sempre, hipocrisia. Ninguém odeia mais o pecado do que aquele que está lutando sinceramente contra o pecado em sua própria vida.

Muitos fariseus na época do Novo Testamento e dos legalistas de nossos dias consideram-se tão boas pessoas que julgam não necessitarem do perdão de Deus. Mas eles precisam realmente. Cristãos que são honestos consigo mesmos e com Deus – que, não levando em conta os seus pecados – podem ser chamados a "desempenhar um papel".

Deus redime pessoas por meio de Cristo e, depois, chama-as a viver sua fé em suas profissões. Ele chama os cristãos a amar e servir o seu próximo em suas múltiplas vocações, que são as arenas de santificação e crescimento espiritual.

Na vocação, Deus coloca-nos em certos "ofícios", em alguns dos quais compartilhamos de sua autoridade. Algumas desses ofícios exigem que "desempenhemos um papel", incluindo vestir uma máscara. Isso é expresso no costume antigo de que certas vocação são caracterizada com roupa especial. Como um cidadão normal, um juiz não tem mais direito do que qualquer outra pessoa de mandar alguém para a cadeia. Mas, quando ele veste a sua "toga de ofício", está agindo em sua capacidade oficial como um agente da lei e, de acordo com Romanos 13, ele tem realmente autoridade para punir criminosos em favor do estado como um todo.

Em muitas igrejas, o pastor veste alguma tipo de toga, significando que, quando ele está no púlpito, nós, que estamos nos bancos, não devemos considerá-lo nosso bom amigo e companheiro de pescaria, embora ele posa ser isso. Quando ele está agindo em seu ofício, está ensinando não a sua palavra, mas a de Deus, que ele estudou e está autorizado a pregar.

Houve um estudo de pacientes que foram atendidos por um médico que usava jeans e camiseta de mangas curtas, em vez de seu tradicional jaleco branco. Os pacientes rejeitaram de modo geral! Nenhum deles queria um médico que parecia um homem comum da rua para lhes ministrar avaliação clínica. O jaleco branco é um símbolo de vocação, o qual o médico está autorizado a usar por virtude de sua vocação, seu treinamento, seu ofício.

Essa é a razão por que os policiais vestem uniformes. É também a razão por que há padrões diferentes na Convenção de Genebra quantos aos soldados que usam uniformes em seus países – e isso se relaciona à cadeia legítima de comendo que retrocede a autoridade dos magistrados, descrita em Romanos 13. O mesmo se aplica aos combatentes como os terroristas que lutam com base em sua própria autoridade e não usam qualquer uniforme.

Às vezes, os deveres de nossa vocação – e nem todas as vocações demandam uniformes – exigem que desempenhemos uma função, ainda que isso vá contra a nossa natureza. Um pai tem de disciplinar seu filho. Talvez ele não queira. Pode até sentir-se em conflito porque ele cometia o mesmo erro que está corrigindo, quando era criança. Um pai que fumava maconha em sua adolescência não está sendo hipócrita quando pune seu filho adolescente por usar drogas. Está cumprindo a sua função como pai.

Contra as suas inclinações, mas cumprindo os deveres de suas funções, às vezes os professores têm de dar notas baixa; os patrões, despedir empregados incompetentes; os pastores, exercer disciplina até contra uma bom amigo. Um jovem recém-formado na academia militar tem de assumir autoridade sobre uma companhia de combatentes veteranos que são mais velhos do que ele. Ele pode ficar nervoso e sentir-se fora de lugar, mas ele veste a máscara de comando e ordena as seus subalternos que prestem atenção. Os cônjuges podem não sentir-se sempre maridos ou esposas amáveis, mas, ao "desempenhar o seu papel", eles cumprem sua vocação e a vontade de Deus para seu casamento.

Se a vocação exige que vistamos máscaras, devemos lembrar que Lutero ensinava que aqueles que amam e servem a seu próximo, em sua profissão, são eles mesmos "máscaras de Deus". Avultando-se por trás do fazendeiro, do médico, do soldado, do pastor e dos pais, está o próprio Deus, provendo diariamente pão cotidiano, curando, protegendo, ministrando e dando vida.

Os papéis que desempenhamos podem ser, de fato, hipócritas. Mas, quando Deus nos pede que o desempenhemos, ele o está fazendo por meio de nós.

O Dr. Gene Edward Veith é o deão acadêmico da faculdade Patrick Henry, no estado da Virginia, EUA, e diretor do Instituto Cranach no Seminário Teológico de Concórida, em St. Louis, Missouri.

Voltemos ao Evangelho Verdadeiro



Por J. I. Packer

A Morte da Morte na Morte de Cristo
é uma obra polêmica, cujo intuito é mostrar, entre outras coisas, que a doutrina da redenção universal é antibíblica e destrutiva para o evangelho. Há muitos para quem, provavelmente, ela não se reveste de qualquer interesse. Aqueles que não vêem necessidade de precisão doutrinária e nem têm tempo para os debates teológicos que mostram haver divisões entre os chamados evangélicos, bem poderão lamentar esta edição. Outros poderão achar que o próprio som da tese de Owen é tão chocante que até mesmo se recusem a ler seu livro, mostrando assim seu preconceito causado por uma paixão pelas suas próprias suposições teológicas. Porém, esperamos que esta edição chegue às mãos de leitores dotados de espírito diferente. Hoje em dia há sinais de um renovado interesse pela teologia da Bíblia — uma nova disposição em submeter a teste as tradições, para pesquisar as Escrituras e para meditar sobre as questões da fé. É para quem compartilha dessa disposição que o tratado de Owen é dirigido, na crença de que nos ajudará em uma das mais urgentes tarefas que desafiam a cristandade evangélica atual — a recuperação do evangelho, ou melhor, o seu redescobrimento.

Esta última observação pode deixar alguns em atitude defensiva; mas parece ser confirmada pelos fatos.

Não há dúvida de que o mundo evangélico de nossos dias encontra-se em um estado de perplexidade e flutuação. Em questões como na prática do evangelismo, no ensino sobre a santidade, na edificação da vida das igrejas locais, na maneira dos pastores tratarem com as almas e exercerem a disciplina há evidências de uma insatisfação generalizada com as coisas conforme elas estão, bem como de uma insatisfação geral acerca do caminho à frente. Esse é um fenômeno complexo, para o qual muitos fatores têm contribuído. Porém, se descermos até à raiz da questão, descobriremos que essas perplexidades, em última análise, devem-se ao fato que temos perdido de vista o evangelho bíblico. Sem o percebermos, durante os últimos cem anos temos trocado o evangelho por um substitutivo que, embora lhe seja semelhante quanto a determinados pormenores, trata-se de um produto inteiramente diferente. Daí surgem as nossas dificuldades; pois o produto substitutivo não corresponde às finalidades para os quais o evangelho autêntico do passado mostrou-se tão poderoso. O novo evangelho fracassa notavelmente em produzir reverência profunda, arrependimento profundo, humildade profunda, espírito de adoração e preocupação pela situação da Igreja. Por quê? Cumpre-nos sugerir que a razão jaz em seu próprio caráter e conteúdo.

Não leva os homens a terem pensamentos centrados em Deus, temendo-O em seus corações, mesmo porque, primariamente, não é isso que o novo evangelho procura fazer. Uma das maneiras de declararmos a diferença entre o novo e o antigo evangelho é afirmar que o novo preocupa-se por demais em "ajudar" o homem — criando nele paz, consolo, felicidade e satisfação — e pouco demais em glorificar a Deus.

O antigo evangelho também prestava "ajuda" — mais do que o novo, na realidade. Mas fazia-o apenas incidentalmente — visto que sua preocupação primária sempre foi a de glorificar a Deus. Era sempre e essencialmente uma proclamação da soberania divina em misericórdia e juízo, uma convocação para os homens prostrarem-se e adorarem ao todo-poderoso Senhor de quem os homens dependem quanto a todo bem, tanto no âmbito da natureza quanto no âmbito da graça. Seu centro de referência era Deus, sem a mínima ambigüidade. Porém, no novo evangelho o centro de referência é o homem. Isso é a mesma coisa que dizer que o antigo evangelho era religioso de uma maneira que o novo evangelho não o é. Enquanto que o alvo principal do antigo era ensinar os homens a adorarem a Deus, a preocupação do novo parece limitar-se a fazer os homens sentirem-se melhor. O assunto abordado pelo antigo evangelho era Deus e os Seus caminhos com os homens; e o assunto abordado pelo novo é o homem e a ajuda que Deus lhe dá. Nisso há uma grande diferença. A perspectiva e a ênfase inteiras da pregação do evangelho se alteraram.

Dessa mudança de interesses originou-se a mudança de conteúdo, pois o novo evangelho na realidade reformulou a mensagem bíblica no suposto interesse da prestação de "ajuda" ao homem. De acordo com isso, não são mais pregadas verdades bíblicas tais como a incapacidade natural do homem em crer, a eleição divina e gratuita como a causa final da salvação, e a morte de Cristo especificamente pelas Suas ovelhas. Essas doutrinas, segundo o novo evangelho, não "ajudam" o homem; mas antes, contribuem para levar os pecadores ao desespero, sugerindo-lhes que eles não podem salvar-se, através de Cristo, pela sua própria capacidade. (Nem é considerada a possibilidade desse desespero ser salutar; antes, é aceito como ponto pacífico que o mesmo não é saudável, visto que destroçaria a nossa auto-estima.) Sem importar exatamente como seja a questão (falaremos mais a esse respeito, mais adiante), o resultado dessas omissões é que apenas uma parcela do evangelho bíblico está sendo pregada como se fosse a totalidade do mesmo; e, uma meia-verdade que se mascara como se fosse a verdade inteira torna-se uma mentira completa. Assim, apelamos aos homens como se eles todos tivessem a capacidade de receber a Cristo a qualquer momento. Falamos sobre a Sua obra remidora como se Ele nada mais tivesse feito do que morrer para capacitar-nos a nos salvarmos, mediante o nosso crer. Falamos sobre o amor de Deus como se isso não fosse mais do que a disposição geral de receber qualquer um que queira voltar-se para Deus e confiar nEle. E retratamos o Pai e o Filho não como soberanamente ativos em atrair a Eles os pecadores, mas como se Eles se mantivessem em quieta impotência, "à porta do nosso coração", esperando nossa permissão para entrar. É inegável que é dessa maneira que andamos pregando; e talvez seja assim que cremos. Porém, cumpre-nos dizer decisivamente que esse conjunto de meias-verdades distorcidas é algo totalmente diverso do evangelho bíblico. A Bíblia é contra nós, quando pregamos dessa maneira; e o fato que tal pregação tornou-se a prática quase padronizada entre nós serve apenas para demonstrar quão urgente se tornou que revisássemos toda a questão.

Redescobrir o antigo, autêntico e bíblico evangelho, e fazer nossa pregação e nossa prática ajustarem-se ao mesmo, talvez seja a nossa mais premente necessidade atual. E é precisa mente nesse ponto que o tratado da Owen sobre a redenção nos pode ser útil.


Deus não é Obrigado a ter Misericórdia de Ninguém


Por C. H. Spurgeon

O privilégio que pertence aos filhos de Deus é que eles foram regenerados, nascidos de novo pelo Espírito Santo, através da Palavra de Deus. "Segundo a sua vontade, ele nos gerou pela palavra da verdade" (1 Ped. 1:23). Recebemos muitas bênçãos depois de nascermos de novo. Todas essas bênçãos vêm através da absoluta e graciosa vontade de Deus. Deus não está obrigado a nos abençoar. Ele pode fazer como quiser. Ele pode decidir não nos abençoar de modo algum. Tudo que podemos reivindicar de Deus é justiça, o que significa que Deus deve nos punir pelos nossos pecados.

Estamos nas mãos de Deus, esperando saber o que Ele vai fazer. Se Deus assim desejar, Ele pode salvar toda a humanidade. Ou se Ele quiser, Ele pode decidir não salvar ninguém. Se Deus desejar, Ele pode, na Sua misericórdia, salvar um homem e deixar outro para sofrer a punição pelo seu pecado. Não há injustiça alguma da parte de Deus se Ele assim fizer. É direito soberano de Deus fazer o que Lhe aprouver. Deus diz na Bíblia: "... compadecer-me-ei de quem me compadecer, e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia" (Rom. 9:15-16).

Alguns ficam muito zangados com este ensinamento. A ira deles não muda o fato de que a verdade da soberania de Deus mantém-se firme como uma rocha. Deus não tem que explicar ao homem o que Ele faz. Ele faz o que quer, nos céus e na terra.
A doutrina da soberania de Deus traz grande alegria aos que crêem nEle. Nós nos regozijamos no amor de Deus que nos escolheu para sermos Seus filhos. Deus deixa as pessoas que Ele não escolheu seguirem seus próprios caminhos e perecerem no final. Ele teve misericórdia de nós porque assim o quis, mesmo antes de nós começarmos a orar e procurá-lO. Este propósito eletivo de Deus é precioso. No mundo precisamos pleitear, até com pessoas ricas, antes que elas nos dêem alguma coisa. Não tivemos que implorar a Deus. Todas as coisas preciosas que Ele nos deu, foi "segundo a sua vontade". Deus Se apraz na misericórdia, em dar livremente. O nome de Deus é amor e a natureza de Deus é amor. É natural ao sol enviar luz. É coisa natural Deus enviar a luz de Sua eterna graça.

Louvemos ao Senhor que nos amou quando estávamos mortos em nossas transgressões e pecados. Glorifiquemo-lO pela Sua misericórdia livremente demonstrada a nós. Não merecíamos a misericórdia de Deus. Freqüentemente desprezamos essa miseri¬córdia. Alguns de nós resistimos a misericórdia de Deus por longo tempo. Curvemo-nos então humildemente diante do trono de Deus. Vamos agradecer-Lhe pelas Suas misericórdias que duram para sempre. Quão maravilhoso é que, devido Deus assim o desejar, Ele teve compaixão de nós. O grande privilégio que Deus nos concedeu é que, através do poder divino do Espírito Santo, já nascemos de novo.

Nosso primeiro nascimento foi natural. Deus nos fez e nossos corpos são Sua maravilhosa criação. Nosso segundo nascimento foi espiritual. Nascemos de novo, regenerados pelo poder divino do Espírito Santo. Nosso segundo nascimento é uma obra de Deus, tão grande quanto o nosso primeiro nascimento, nossa criação natural. "Segundo a sua vontade" Deus nos deu uma nova vida, e nos fez novas criaturas. Acaso temos a certeza de que nascemos de novo? Sabemos que somos novas criaturas em Cristo?

Talvez às vezes tenhamos dúvidas se somos nascidos de novo. Mas o homem que nasceu de novo sabe que há uma mudança nele. Há vezes quando até aquelas pessoas que duvidam da sua salvação têm certeza que passaram da morte para a vida. Sonde seu próprio coração. Deixe que esta oração venha de seus lábios e coração: "Sonda-me, ó Deus, e prova-me". Devo advertir-lhes que se nada mais têm do que a natureza pode lhes dar, vocês perecerão. Viver uma vida boa e bem comportada não lhes dará uma entrada para o reino de Deus. "Necessário vos é nascer de novo" (João 3:7). Estas palavras estão no portão do céu. Até mesmo as pessoas mais destacadas na Igreja e na nação devem nascer de novo, para serem admitidas no céu. Não importa se vocês viveram uma boa vida ou se desobedeceram abertamente a lei de Deus — precisam nascer de novo. O Espírito Santo deve operar esta transformação sobrenatu¬ral em vocês. Esta mudança é o resultado do eterno propósito, poder e amor de Deus.

Aqueles que têm parte deste precioso privilégio são felizes. Embora estivessem mortos em transgressões e em pecado, agora eles estão vivos. Embora fossem carnais e terrenos, agora são espirituais. Eles estavam distanciados, mas agora foram trazidos para perto de Deus. Todos estes privilégios são exclusivamente devidos à soberana vontade de Deus. Se vocês nasceram de novo, agradeçam a Deus de todo o coração e humilhem-se diante dEle.

A maneira que esta mudança foi operada em nossos corações é claramente expressa: "Segundo a sua vontade, ele nos gerou pela palavra da verdade" (Tiago 1:18). Homens são geralmente salvos ao ouvirem o evangelho pregado. Alguns afirmam que a pregação da verdade é eficaz para salvar o homem. Isto não é totalmente verdadeiro. A verdade de Deus pode ser fielmente pregada e ninguém ser convertido. Outros dizem que o Espírito de Deus regenera as pessoas sem se utilizar da Palavra de Deus. Isto também não pode ser verdadeiro. A Bíblia nunca diz que o homem pode ser salvo sem a Palavra de Deus. A Palavra e o Espírito sempre operam juntos. A Bíblia diz: "Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que espada alguma de dois gumes..." (Heb. 4:12). As Escrituras ensinam claramente que o Espírito de Deus opera através da Palavra de Deus. A Palavra não opera sem o Espírito. "Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem" (Mar. 10:9). Amigo, você foi salvo pela leitura da Palavra de Deus? A Palavra de Deus é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê.

O que é esta Palavra de Deus que traz vida nova à pessoa? A palavra é a pregação da doutrina da cruz. Ninguém jamais nasceu de novo através da pregação da lei. A lei pode tornar um homem mais humilde. A lei pode quebrantar e ferir o homem. Ela poderá mostrar-lhe a punição que receberá como pecador. Contudo, a lei jamais lhe trará vida nova. A Bíblia diz: "... Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados" (II Cor. 5:19). Algumas pessoas removem o sacrifício de Cristo do evangelho. Elas condenam o texto: "... o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo pecado" (I João 1:7). Não deixam nada de evangelho. A palavra "sangue" é uma das mais solenes e importantes palavras em todas as Escrituras. As pessoas não serão salvas se esta doutrina não for pregada.

Se a pregação do evangelho trouxe salvação a você, então pregue-o aos outros. Fale a cada um do fato que Cristo morreu pelos pecadores. Afirme em todo lugar que qualquer um que crer no Senhor Jesus Cristo terá vida eterna. Diga às pessoas que Jesus Cristo foi o substituto dos culpados. Diga-lhes que Ele sofreu pelos pecadores; que a espada da justiça abateu o Pastor para que as ovelhas pudessem ser livres. Declare aos seus ouvintes como o Redentor sofreu a ira de Seu Pai para que os filhos dEle jamais tenham que enfrentar a Sua ira.

Nós crentes em Jesus devemos olhar para trás com gratidão e esperança pelo que Deus fez. "Segundo a sua vontade, ele nos gerou pela palavra da verdade".

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A quem obedecer? A Deus ou aos políticos?


João A. de Souza Filho

“Os senhores mesmos julguem diante de Deus: devemos obedecer aos senhores ou a Deus?” (At 4.19).

Os primeiros discípulos de Jesus tiveram que tomar uma decisão: Obedecer ou não aos líderes políticos de seus dias! E em meio ao fogo cruzado da perseguição decidiram que obedeceriam a Deus a qualquer custo!

Obedecer às autoridades baseando-se unicamente no texto de Romanos 13 é uma temeridade. É preciso analisar a questão da submissão e da obediência à luz da palavra de Deus. W. Nee em seu livro Autoridade Espiritual apresenta a seguinte proposta: A submissão deve ser total, mas a obediência relativa. Tudo o que os homens exigirem de nós e que contrarie a fé e as leis de Deus deve ser desobedecido. A submissão às autoridades civis continua, mas a obediência deve ser somente a Deus. Assim, se as leis do país proíbem que se pregue a palavra de Deus, como tentaram fazer com os primeiros discípulos, o cristão deve se submeter, não se expondo publicamente, mas jamais deixando de pregar a palavra da salvação. Se as leis dizem que não se deve disciplinar os filhos nem corrigi-los, fica-se com a palavra de Deus, e não com as leis do governo.

O mesmo princípio vale para tudo o que contraria os ensinamentos da Bíblia. Veja como procederam algumas pessoas que desobedeceram aos governos e foram abençoadas por Deus.

1. As parteiras hebréias receberam ordens de Faraó de que deveriam matar todos os do sexo masculino na hora do parto (Ex 1.15 e ss.). Elas temeram a Deus e não mataram os meninos que nasciam. Ao serem inquiridas responderam a Faraó que as mulheres hebréias “são vigorosas e, antes que lhes chegue a parteira, já deram à luz os seus filhos” (v 19). As parteiras não mentiram, apenas responderam a Faraó o que elas presenciaram tantas vezes: As hebréias eram rápidas no parto! Deus abençoou as parteiras, e lhes deu família.

2. Samuel. Quando Deus enviou a Samuel para ungir um novo rei em Belém, Samuel respondeu a Deus que Saul iria saber e o mataria. Deus o orientou a dizer, caso lhe perguntassem o que ele iria fazer em Belém: “Vim para sacrificar ao Senhor” (1 Sm 16.2).

Jesus prometeu aos discípulos que colocaria nos lábios deles o que responder às autoridades.

3. Davi e o sacerdote Aimeleque (1 Sm 21). A desculpa de Davi ao ser perguntado pelo sacerdote, “por que vens só, e ninguém, contigo ?” foi: “O rei deu-me uma ordem...”. Bem, Davi recebera tantas ordens de Saul, e não especificou de que ordem se tratava!

4. Os três jovens companheiros de Daniel não obedeceram a ordem do rei de se prostrar perante a estátua de Nabucodonosor (Dn 3) e ao serem inquiridos pelo rei, responderam: “Se o nosso Deus, a quem servimos, quer livrar-nos, ele nos livrará da fornalha de fogo ardente e das tuas mãos, ó rei. Se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses, nem adoraremos a imagem de ouro que levantaste”. Decidiram os três morrer, mas não se submeteram a ordem do rei, porque era contrária a sua fé.

5. Daniel, aos noventa e dois anos de idade, preferiu ser lançado na cova dos leões, mas não deixou um só momento de orar a seu Deus (Dn 6).

6. Os apóstolos decidiram obedecer a Cristo a se submeterem às ordens dos políticos e religiosos da época (At 4.19).

Aqui no Brasil a proibição não é direta, mas sutil, através de leis cheias de sofismas, leis que vão de encontro às leis de Deus e não devem ser obedecidas. Ora, as autoridades civis de nosso país precisam saber que a igreja está acima das leis que eles criam, pois a igreja trabalha para cumprir o projeto de Deus, e não para satisfazer os homens. A igreja é uma sociedade independente. Ela se submete na terra ao que é material. Seus membros aprenderam a ter um coração submisso, mas sempre desobedecerão quando as leis criadas pelas autoridades entram em conflito com a lei maior, as leis de Deus. Essa é a nossa história. A igreja sobreviveu a dois mil anos de história, seguindo o rumo que Deus preparou pra ela.

Apesar da fúria do império romano que perseguia e matava os cristãos; apesar da fúria de governos déspotas que tentaram eliminar a igreja, e mais recentemente em países do leste europeu, como a Albânia de onde vem a inspiração ideológica para o PCdoB – partido que eliminou sistematicamente os cristãos naquele país, cujo ditador Ever Hoxa se orgulhava em dizer que não havia mais cristãos nem Bíblia em seu país; quando ele morreu sua estátua de mais de 30 metros de altura foi derrubada, os cristãos surgiram de todas as partes do país, porque nenhum governo, jamais conseguiu destruir a igreja.

Ora, como vamos concordar com um governo, como o atual, que trata os presos políticos de Cuba, que foram presos apenas por discordarem da ditadura de Fidel Castro, e foram tidos pelo presidente do Brasil como criminosos comuns? Como vamos continuar apoiando um governo que faz alianças com o Irã, cujo governo mata e persegue qualquer pessoa que discorda dele? E que persegue sistematicamente os cristãos? Como vamos concordar com governos que defendem leis que são contrárias às leis de Deus?

No entanto, este mesmo governo descobriu que pode subornar alguns pastores denominacionais para angariar o voto dos cristãos. Fez muito bem a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), entidade da igreja Católica Romana que enviou cartas aos seus fiéis solicitando que não votem na atual candidata do governo. Sim, porque por trás da ideologia do governo existe a intenção de calar a igreja e de cercear-lhe os passos. O governo quer controlar a igreja e colocar nos lábios dela o que ela deve pregar. Esta é a ideologia, este é o plano final. Aconteceu na Segunda Grande Guerra na Alemanha: A igreja se omitiu enquanto o governo de Hitler avançava com seu intento de dominar o mundo!

O governo sabe explorar muito bem esta parte podre, que como laranjas podres contaminam a parte boa da igreja, pastores corruptos que não lutam pela causa de Cristo e sim em causa própria. Apenas queremos lembrar aos políticos e aos pastores que vendem e mercadejam a igreja, as palavras de Paulo: “Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque o santuário de Deus, que sois vós, é sagrado” (1 Co 3.17). Quem é esse santuário? Nosso corpo individual? Em certo aspecto, cada pessoa é habitação de Deus, mas Paulo está se referindo ao corpo de Cristo, a igreja em sua completude. E a história registrou que todos os governos, impérios, príncipes, governadores e seja lá quem for; todos os que tentaram destruir o santuário de Deus na terra, a igreja, Deus se levantou contra eles!

Anotem isso, senhores políticos! A igreja tem um Chefe que sai em sua defesa, e mesmo que a prisão ou a morte tentem calar a voz profética de Deus na terra, a igreja sobrevirá, porque Deus sai em defesa dela e dela cuida!

Ainda assim mostramo-nos de coração submissos, mas não obedientes; porque neste caso, temos de obedecer a Deus. Dessa forma John Knox no Livro dos Mártires descreve como milhares de pessoas preferiram a fogueira, a desobedecer a Deus. Quando os cristãos eram obrigados a confessar que na eucaristia o pão, de fato, se tornava carne, e o vinho, de fato se tornava sangue, digo, quando discordavam, eram condenados à fogueira, pela parte podre da igreja.

A igreja brasileira deve se revestir de coragem e levantar a voz discordando das leis que o atual governo vem implantando, seja através do congresso nacional, ou de maneira ditatorial. Ao que parece apenas alguns segmentos da igreja romana se posicionaram abertamente contra o governo Lula, porque os principais líderes pentecostais venderam sua fé, não por um prato de lentilha, coisa barata, mas por muito dinheiro. Muito dinheiro. Venderam seu rebanho. Venderam Cristo aos perseguidores. São os Judas que entregaram Cristo, novamente aos que querem matá-lo! Só que agora as 30 moedas de prata valem bem mais!

E, convenhamos, está bem difícil escolher em quem votar!

“Eu cri; por isso é que falei” (2 Co 4.13).

Soberania de Deus e a Liberdade Humana na Perspectiva Calvinista



Por Presb. Fábio Correia

1 Introdução

Ao analisarmos a história, tanto do pensamento religioso como do pensamento filosófico, perceberemos que existe certo modelo cíclico na abordagem de grandes temas da humanidade e não uma linearidade absoluta, que preconizaria a existência de temas totalmente novos e de número praticamente incontável. Mas, certamente, não é isso que ocorre. As mesmas questões são objeto de investigação nas mais variadas culturas e gerações. Essa recorrência acaba estabelecendo um número extremamente limitado do que podemos chamar de “os grandes problemas da humanidade”.

Segundo Wright, fazem parte dessa lista:

A relação da unidade do mundo com a diversidade de nossa experiência individual, como podemos estar certos do conhecimento que temos, se há Deus ou não, a natureza da “substância” de que o mundo é feito e como devemos navegar nas questões éticas (WRIGHT, 1998, p.19).

Kayper trata esse assunto de forma ainda mais sintética e apresenta a seguinte lista: “Nossa relação com Deus, nossa relação com o homem e nossa relação com o mundo” (KUYPER, 2002. p, 28).

Todas as outras discussões são derivadas, direta ou indiretamente, dessas grandes abordagens. Um dos mais persistentes desses problemas e que tem ocupado a mente dos mais importantes pensadores, é o que trata sobre a liberdade das ações humanas em contrapartida com a causalidade.

É nossa vontade realmente livre de causas e influências, ou são todas as nossas ações “predeterminadas” de algum modo?

Na filosofia, o debate reaparece no binômio paradoxal entre autonomia versus determinismo. A máxima da antropologia socrática: “conhece-te a ti mesmo”, apresenta uma consciência humana autônoma, de forma que o caminho da verdade suprema deve ser encontrado “dentro” do próprio homem. Coube a Nietzsche, entretanto, a libertação absoluta de toda e qualquer forma de transcendência. O criador do “super-homem” chega a “matar” Deus em busca do diploma da liberdade absoluta, para outorgá-lo ao homem:

Eu vos apresento o Super-homem! O Super-homem é o sentido da terra. Diga a vossa vontade: seja o Super-homem, o sentido da terra. Exorto-vos, meus irmãos, a permanecer fiéis à terra e a não acreditar em que vos fala de esperanças supraterrestres. São envenenadores, quer o saibam ou não. Não dão o menor valor à vida, moribundos que estão, por sua vez envenenados, seres de que a terra se encontra fatigada; vão se por uma vez! (NIETZSCHE, 1994, p.30).

E ainda:

Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? A grandiosidade deste acto não será demasiada para nós? Não teremos de nos tornar nós próprios deuses, para parecermos apenas dignos dele? Nunca existiu acto mais grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós, passará a fazer parte, mercê deste ato, de uma história superior a toda história até hoje! (NIETZSCHE. Fredrich. A Gaia Ciência, §125).

A ciência(2), por sua vez, toma emprestado, da filosofia, o termo determinismo e o transforma na principal base do conhecimento científico da natureza, para afirmar a existência de relações fixas e necessárias entre os seres e os fenômenos naturais, isto é, o que acontece não poderia deixar de acontecer porque são conseqüências de causas anteriores.

Nosso maior enfoque, porém, neste ensaio, será teológico. O problema é tratado, primordialmente, entre as culturas religiosas, como sendo a relação entre a vontade humana e a soberania divina, ou ainda, mais especificamente, como a relação entre livre-arbítrio e predestinação ou predeterminação.

Não é raro encontrarmos posturas extremadas, ora beneficiando a total soberania divina e a negação total da liberdade humana, o que faria de Deus o autor do pecado e do mal ora evidenciando a total liberdade humana, o que não só nega a soberania de Deus como o reduz a um mero “registrador” da vontade do homem.

Um dos principais exemplos da negação total da vontade humana pode ser encontrado no Hinduísmo. Considerada a mais velha religião ainda existente no mundo, tem no conceito de estratificação social das casta(3) o exemplo máximo da aceitação do condicionamento, por fatores externos, da vida. Um indivíduo que nasce em uma determinada casta, julgada inferior, jamais pode ascender para uma casta superior, e, isso, determinará todo o seu futuro.

Os mulçumanos(4) também figuram entre os principais exemplos de negação da vontade humana. Para eles, não há espaço para a atuação “livre” do homem, uma vez que professam um determinismo absoluto, que não deixa lugar no mundo para as verdadeiras relações de causa e efeito, já que todas as ações, boas e más, foram “criadas” pelo insondável decreto de Alá.

Não podemos deixar de citar aqui também, entre aqueles que negam completamente qualquer tipo de liberdade humana, o hipercalvinismo(5).

Em contrapartida à negação total da liberdade do homem, temos o outro extremo: as tendências religiosas que intensificam o livre-arbítrio de tal forma que chegam a ofuscar a soberania de Deus, como o pelagianismo romano e, principalmente, o arminianismo da maioria das igrejas evangélicas pós-reforma protestante. Nesse sentido, Wright denuncia a “manipulação genética” que essas igrejas estão fazendo em Deus, retirando-lhe atributos que são próprios e exclusivos de sua natureza divina, simplesmente para “acomodar a suposição da autonomia humana” (WRIGHT, 1998, p.14).

Como pudemos perceber acima, a busca cíclica do homem por novas respostas a antigos problemas – ora beneficiando a liberdade do homem ora excluindo-a por completo, em nome da soberania divina, tende a continuar. O homem só se fixará em um sistema de resposta convincente quando entender, como afirma A.W.Pink, em seu famoso livro “Deus é Soberano”, que as duas sentenças são verdadeiras, em certo sentido: O homem é livre e responsável pelos seus atos e, ao mesmo tempo, Deus é Soberano.

O Calvinismo é esse poderoso sistema, não somente teológico, mas de vida. Hermeticamente fechado, atende aos interesses mais profundos da humanidade, tanto da alma quanto da racionalidade. O Calvinismo reconhece Deus como Deus, soberano, acima de tudo e de todos; ao mesmo tempo em que entende o homem, na sua situação pré-queda, como livre e pós-queda, como uma criatura decaída. O Calvinismo entende o homem e o próprio Deus, pelo prisma das Sagradas Escrituras; ao mesmo tempo que se distancia do misticismo, abrindo, com isso, uma importante janela para o desenvolvimento e a racionalidade, aproxima-se, de forma profunda e coerente, com a antropologia e teologia da revelação escrita.

Kuyper, comentando sobre o sistema de vida calvinista, faz a seguinte afirmação:

Não há dúvida, então, de que o Cristianismo está exposto a grandes e sérios perigos. Dois sistemas de vida estão em combate mortal. O Modernismo está comprometido em construir um mundo próprio a partir de elementos do homem natural, e a construir o próprio homem a partir de elementos da natureza; enquanto que, por outro lado, todos aqueles que reverentemente humilham-se diante de Cristo e o adoram como o Filho do Deus vivo, e o próprio Deus, estão resolvidos a salvar a “herança cristã”. Esta é a luta na Europa, esta é a luta na América, e esta também é a luta por princípios em que meu próprio país está engajado, e na qual eu mesmo tenho gasto todas as minhas energias por quase quarenta anos.Nessa luta apologética não temos avançado um único passo. Os apologistas invariavelmente começam abandonando a defesa assaltada, a fim de entrincheirarem-se covardemente um revelim atrás deles. Desde o início, portanto, tenho sempre dito a mim mesmo, -“Se o combate deve ser travado com honra e com esperança de vitória, então, princípio deve ser ordenado contra princípio. A seguir, deve ser sentido que no Modernismo, a imensa energia de um abrangente sistema de vida nos ataca; depois também, deve ser entendido que temos de assumir nossa posição em um sistema de vida de poder, igualmente abrangente e extenso. E este poderoso sistema de vida não deve ser inventado nem formulado por nós mesmos, mas deve ser tomado e aplicado como se apresenta na História. Quando assim fiz, encontrei e confessei, e ainda sustento, que esta manifestação do princípio cristão nos é dada no Calvinismo (KUYPER, 2002, p.19).

Certamente uma análise cuidadosa dos princípios calvinistas acerca da Soberania de Deus e da liberdade humana trará grande luz, capaz de iluminar os recantos mais obscuros desse antigo problema da humanidade.

2 Soberania que cria liberdade

O famoso filme do diretor Stevan Spilberg, “inteligência artificial”, aborda a idéia de um robô criado para ter uma relação de perfeição com seu “dono”. Programado para ter um amor incondicional, o menino-robô surge como um ser “absolutamente perfeito”; criado para fazer tão somente aquilo que agrada aos seus compradores/familiares.

Baseados na idéia do filme, levantamos a seguinte questão: acaso Deus não poderia ter criado o homem com tal nível de programação a ponto de ter como “único” desejo o serviço a seu criador, da maneira como este estabelecesse, previamente, em sua própria programação? É claro que sim.

O fato é que aprouve a Deus, em Sua soberania, diferentemente de Spilberg, criar não somente o homem, mas criar também sua própria liberdade e autonomia. Aprouve a Deus criar o homem livre.

Essa liberdade, porém, outorgada por Deus ao homem, precisa, à luz do calvinismo, ser entendida dentro do contexto histórico-temporal de “antes-queda” e “pós-queda”. Diferentemente da visão pelagiana/arminiana, para o calvinismo a inserção do pecado, via “escolha-livre-do-homem”, que resolveu, pelo seu próprio arbítrio e vontade, transgredir as expressas ordens do seu criador (direito concedido por Ele mesmo), trouxe para si mesmo uma drástica mudança em sua natureza. Mesmo tendo sido solenemente alertado sobre essa conseqüência, pelo seu criador, “decidiu”, sozinho, ser agente ativo e consciente dessa mudança.

2.1 Liberdade que decide não ter liberdade

2.1.1. Situação Pré-queda do homem

Agostinho costuma dizer que a antropologia bíblica poderia ser dividida em três fazes. Na primeira delas, antes da queda, “o homem podia não pecar”. É seguindo esses mesmos passos que o calvinismo entende a situação de liberdade do homem, antes da queda.

Passaremos a analisar os principais documentos calvinistas que tratam da criação da liberdade do homem.

A confissão de Fé de Westminster, formulada no século XVII por cerca de 121 teólogos calvinistas, faz a seguinte afirmação, no capítulo que trata sobre a criação:

Depois de haver feito as outras criaturas, Deus criou o homem, macho e fêmea, com almas racionais e imortais, e dotou-as de inteligência, retidão e perfeita santidade, segundo a sua própria imagem, tendo a lei de Deus escrita em seus corações, e o poder de cumpri-la, mas com a possibilidade de transgredi-la, sendo deixados à liberdade da sua própria vontade, que era mutável (WESTMINSTER, 1999, IV.II).

Um importante teólogo calvinista comentando sobre o que possibilitou que Adão e Eva pecassem apresenta o seguinte motivo:

Deus os deixou à liberdade da sua própria vontade, em vez de usar da sua onipotência para impedi-los de pecar. Por ser onipotente, Deus com certeza poderia ter impedido a raça humana de cair em pecado. Mas em Sua sabedoria não escolheu impedir a queda. Como Deus conteve a Sua onipotência e deixou Adão e Eva à própria vontade deles, foi-lhes plenamente possível optarem por cometer o pecado (GEERBARDUS, 2007, p.87).

Um importante teólogo calvinista comentando sobre o que possibilitou que Adão e Eva pecassem apresenta o seguinte motivo:

Deus os deixou à liberdade da sua própria vontade, em vez de usar da sua onipotência para impedi-los de pecar. Por ser onipotente, Deus com certeza poderia ter impedido a raça humana de cair em pecado. Mas em Sua sabedoria não escolheu impedir a queda. Como Deus conteve a Sua onipotência e deixou Adão e Eva à própria vontade deles, foi-lhes plenamente possível optarem por cometer o pecado (GEERBARDUS, 2007, p.87).

Ainda sobre a criação da liberdade do homem:

O homem é a única das criaturas dentre as que Deus criou que é consciente de si mesma. Deus fez o homem à sua imagem mental e moral. O Dr.Albertus Pieters diz: “isso compreende o poder autoconsciente de raciocinar, a capacidade da autodeterminação e o senso moral. Em outras palavras, ser uma criatura que pode dizer “Eu sou”, eu devo, eu irei” – isso é o que significa ser feito à imagem de Deus (VAN HORN, 2000, p.25).

Outro importante teólogo calvinista, o holandês Berkhof, ainda comentando sobre a criação da liberdade, afirma:

Sua condição era preliminar e temporária, podendo levar a maior perfeição e glória ou acabar numa queda. Foi por natureza dotado daquela justiça original que é a glória máxima da imagem de Deus e, consequentemente, vivia num estado de santidade positiva. A perda daquela justiça significaria a perda de uma coisa que pertencia à própria natureza do homem em seu estado ideal. O homem podia perdê-la e ainda continuar sendo homem, mas podia não perdê-la e continuar sendo o homem no sentido ideal da palavra (BERKHOF, 1990, p.209).

Cremos que já ficou claro o suficiente que o calvinismo entende que o homem, em seu estado natural, possuía o que costumeiramente é chamado de livre-arbítrio. No entanto, não podemos encerrar essa cessão sem antes verificarmos o capítulo da Confissão de Westminster que trata especificamente sobre a criação da liberdade ou do livre-arbítrio do homem:

Deus dotou a vontade do homem de tal liberdade, que ele nem é forçado para o bem ou para o mal, nem a isso é determinado por qualquer necessidade absoluta da sua natureza. Tiago 1:14; Deut. 30:19; João 5:40; Mat. 17:12; At.7:51; Tiago 4:7. O homem, em seu estado de inocência, tinha a liberdade e o poder de querer e fazer aquilo que é bom e agradável a Deus, mas mudavelmente, de sorte que pudesse decair dessa liberdade e poder. Ec. 7:29; Col. 3: 10; Gen. 1:26 e 2:16-17 e 3:6 (WESTMINSTER, 1999, IX. I, II).

2.1.2 Situação Pós-queda do homem

Precisamente neste ponto começam as divergências sobre a antropologia Bíblica. Que o homem (em sua situação pré-queda) era livre em seu arbítrio, agostinianos e pelagianos, calvinistas e arminianos, andam juntos. A bifurcação teológica, entretanto, perpassa pelas conseqüências dessa “escolha consciente” em não obedecer e não levar em conta as ameaças solenes de Deus.

Para Pelágio essas conseqüências foram graves mas, apesar disso, ela não afetou a “natureza do homem”. Para ele, “a liberdade é o bem supremo, a honra e a glória do homem, o bonum naturae, que não pode ser perdido [...]. Essa habilidade é dada ao homem por Deus na criação, e é um aspecto essencial da natureza constitutiva do homem” (SPROUL, 2001, p.32). Ele acreditava que a natureza do homem continuou sendo livre e boa, da mesma forma como foi integralmente criada.

Armínius, não concordava com Pelágio, relativamente às conseqüências da queda para a natureza do homem e entendia, em certo sentido, ser necessário o auxílio da graça divina para o homem voltar a obedecer. No entanto, em sua opinião, essa graça não é um fim em si mesma e que a regeneração é gradativa e não instantânea, depende, inclusive, da santificação enquanto processo. “Ele declara que esta obra da regeneração e iluminação não é completada num momento; mas [...] é elevada e promovida de tempos em tempos, pelo crescimento diário” (SPROUL, 2001, p141).

Em última instância e para finalizar aqui essa exposição da antítese do calvinismo, Armínius acreditava que, de alguma forma, havia restado, mesmo depois da queda, algum tipo de liberdade no homem; uma porção de livre-arbítrio o que, indiscutivelmente, o aproxima de Pelágio, conforme demonstra Sproul, citando Armínius:

Todas as pessoas não-regeneradas tem liberdade de vontade e uma capacidade para resistir ao Espírito Santo, para rejeitar a oferta da graça de Deus, para rejeitar a oferta da graça de Deus, para desprezar o evangelho e para não abrir àquele que bate à porta do coração; e essas coisas eles realmente podem fazer sem qualquer diferença entre o eleito e o répobro (SPROUL, 2001, p.143).

Diferentemente de Pelágio e Armínius a visão calvinista entende que, com a queda, o homem torna-se “totalmente depravado” em todas as suas instâncias e assim como Agostinho, nessa nova realidade o homem “não pode não pecar”.

Sobre os efeitos da queda, afirma a Confissão de Fé de Westminster:

Por este pecado eles decaíram da sua retidão original e da comunhão com Deus, e assim se tornaram mortos em pecado e inteiramente corrompidos em todas as suas faculdades e partes do corpo e da alma. Gen. 3:6-8; Rom. 3:23; Gen. 2:17; Ef. 2:1-3; Rom. 5:12; Gen. 6:5; Jer. 17:9; Tito 1:15; Rom.3:10-18. IV. Desta corrupção original pela qual ficamos totalmente indispostos, adversos a todo o bem e inteiramente inclinados a todo o mal, é que procedem todas as transgressões atuais. Rom. 5:6, 7:18 e 5:7; Col. 1:21; Gen. 6:5 e 8:21; Rom. 3:10-12; Tiago 1:14-15; Ef. 2:2-3; Mat. 15-19 (WESTMINSTER, 1999, VI.II).

O mesmo documento ainda expõe de forma clara que o homem, que antes era detentor do “livre-arbítrio”, com a queda perde-o inteira e totalmente, nada restando.

O homem, caindo em um estado de pecado, perdeu totalmente todo o poder de vontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação, de sorte que um homem natural, inteiramente adverso a esse bem e morto no pecado, é incapaz de, pelo seu pr6prio poder, converter-se ou mesmo preparar-se para isso. Rom. 5:6 e 8:7-8; João 15:5; Rom. 3:9-10, 12, 23; Ef.2:1, 5; Col. 2:13; João 6:44, 65; I Cor. 2:14; Tito 3:3-5. (WESTMINSTER, 1999, IX.III).

E ainda:

Todo o pecado, tanto o original como o atual, sendo transgressão da justa lei de Deus e a ela contrária, torna, pela sua própria natureza, culpado o pecador e por essa culpa está ele sujeito à ira de Deus e à maldição da lei e, portanto, exposto à morte, com todas as misérias espirituais, temporais e eternas. I João 3:4; Rom. 2: 15; Rom. 3:9, 19; Ef. 2:3; Gal. 3:10; Rom. 6:23; Ef. 6:18; Lam, 3:39; Mat. 25:41; II Tess. 1:9 (WESTMINSTER, 1999, VI.VI).

Os Cânones de Dort, outro documento calvinista, elaborado em 1618 em contra-argumentação ao documento apresentado pelos seguidores de Armínius em 1609, na Holanda, que ficou conhecido como “Remonstrance”, faz a seguinte afirmação acerca da situação pós-queda do homem:

Sua vontade e seu coração eram retos, todos os seus afetos puros [...]. Mas, desviando-se de Deus [...] Pela sua própria livre vontade, ele se privou destes dons excelentes. Em lugar disso trouxe sobre si cegueira, trevas terríveis, leviano e perverso juízo em seu entendimento; malícia, rebeldia e dureza em sua vontade e seu coração; também impureza em todos os seus afetos (DORT, 1996, III.I).

Lutero também subscrevia integralmente o pensamento de Calvino quanto à situação pós-queda. Em sua obra “Nascido Escravo”, um famoso debate com Erasmo de Roterdan, faz a seguinte afirmação:

Erasmo [...] você assevera que o “livre-arbítrio” é a capacidade que a vontade humana tem, por si mesma, de decidir [...]. Os pelagianos também fizeram isso. Mas você os ultrapassa! [...]. Prefiro até mesmo o ensinamento de alguns dos antigos filósofos aos seus. Eles diziam que um homem entregue a si mesmo só faria o errado. O homem só poderia escolher o bom com a ajuda da graça divina. Eles diziam que os homens são livres para decair, mas que precisam de ajuda para elevarem-se! Porém, é motivo de riso chamar a isso de “livre-arbítrio”. Com base em tais conceitos, eu poderia afirmar que uma pedra tem “livre-arbítrio”, pois só pode cair, a menos que seja erguida por alguém! O ensino daqueles filósofos, põem, ainda é melhor do que o seu. A sua pedra, Erasmo, pode escolher se sobe ou desce! (LUTERO, 1988, p.41).

O Catecismo Maior de Westminster dá a seguinte resposta à pergunta de n° 23: Em que estado a queda deixou a humanidade?: “A humanidade por causa da queda foi deixada em estado de pecado e de miséria” (CATECISMO MAIOR, 2007. 23).

Comentando sobre os resultados imediatos da queda e a situação em que ficou o homem, Berkhof faz a seguinte afirmação:

O concomitante imediato do primeiro pecado e, portanto, dificilmente um resultado dele no sentido estrito da palavra, foi a depravação total da natureza humana. C contágio do seu pecado espalhou-se imediatamente pelo homem todo, não ficando sem ser tocada nenhuma parte da natureza, mas contaminando todos os poderes e faculdades do corpo e da alma [...]. Esta mudança da condição real do homem refletiu-se também em sua consciência [...]. Não somente a morte espiritual, mas também a morte física resultou do primeiro pecado do homem (BERKHOF, 1990.p.227).

2.1.2.1 A decisão que afeta a posteridade

Os principais documentos calvinistas reconhecem que, em Adão, toda a sua descendência pereceu e que as mesmas conseqüências advindas sobre Adão passaram também, numa espécie de “transmissão hereditária”, para sua descendência: “Sendo eles o tronco de toda a humanidade, o delito dos seus pecados foi imputado a seus filhos; e a mesma morte em pecado, bem como a sua natureza corrompida, foram transmitidas a toda a sua posteridade, que deles procede por geração ordinária”. At. 17:26; Gen. 2:17; Rom. 5:17, 15-19; I Cor. 15:21-22,45, 49; Sal.51:5; Gen.5:3; João3:6 (WESTMISNTER, 1999, VI.III).

Os Cânones de Dort afirmam o seguinte, sobre esse assunto:

Depois da queda, o homem corrompido gerou filhos corrompidos. Então a corrupção, de acordo com o justo julgamento de Deus, passou de Adão até todos os seus descendentes, com exceção de Cristo somente. Não passou por imitação, como os antigos pelagianos afirmavam, mas por procriação da natureza corrompida. Portanto, todos os homens são concebidos em pecado e nascem como filhos da ira, incapazes de qualquer ação que o salve, inclinados para o mal, mortos em pecados e escravos do pecado. Sem a graça do Espírito Santo regenerador nem desejam nem tampouco podem retornar a Deus, corrigir suas naturezas corrompidas ou ao menos estar dispostos para esta correção. (DORT, 1996, III.II, III).

O Breve Catecismo de Westminster responde da seguinte forma à pergunta 16: Todo o gênero caiu pela transgressão de Adão? “Visto que o pacto foi feito com Adão, não só para ele, mas também para a sua posteridade, todo gênero humano, que procede por geração ordinária, pecou nele e caiu com ele na sua primeira transgressão” (BREVE CATECISMO, 2000. 16).

3 A soberania que resgata a liberdade

Como vimos, os principais representantes da doutrina calvinista são unânimes em afirmar a situação do homem pós-queda como uma situação de morte espiritual e total depravação de todo o seu ser.

A expulsão do homem do paraíso, registrada em Gêneses, como uma das conseqüências de seu pecado, tem sido entendida “simplesmente” como um ato punitivo de Deus e de fato foi; mas não só. Esse ato pode ser entendido também como uma providência benevolente de Deus para que o homem, agora decaído, não permanecesse eternamente nessa situação. Nesse sentido, o Breve Catecismo de Westminster responde da seguinte forma à indagação n° 20: Deixou Deus todo gênero humano perecer no estado de pecado e miséria?: “Tendo Deus, unicamente pela sua boa vontade, desde toda a eternidade escolhido alguns para a vida eterna, entrou com eles em um pacto de graça, para livrá-los do estado de pecado e miséria e os levar a um estado de salvação por meio de um redentor” (BREVE CATECISMO, 2000. 20).

Geerbardus, teólogo calvinista, comentando sobre essa questão faz a seguinte afirmação:

Deus salva os seus eleitos tão somente por causa de seu amor e misericórdia. Isso é, nada obriga Deus salvar nenhuma parte da raça humana, mas Ele, na verdade, por causa do Seu amor e misericórdia, desejou e planejou a salvação de alguns deles [...]. E não há parcialidade nem injustiça nisso, pois Deus não deve a salvação a ninguém. Todos pecaram contra ele, perderam todo o direito e Ele nada deve a ninguém senão condenação (GEERBARDUS, 2007. p.110).

Na visão calvinista, para essa situação pós-queda em que o homem se meteu, só há uma esperança de reversão desse tenebroso quadro: uma intervenção externa e soberana que só Deus pode realizar, dando-lhe vida novamente, tirando-lhe do estado de miséria e morte espiritual, devolvendo a vida e com ela a liberdade:

Segundo o seu eterno e imutável propósito e segundo o santo conselho e beneplácito da sua vontade, Deus antes que fosse o mundo criado, escolheu em Cristo para a glória eterna os homens que são predestinados para a vida; para o louvor da sua gloriosa graça, ele os escolheu de sua mera e livre graça e amor, e não por previsão de fé, ou de boas obras e perseverança nelas, ou de qualquer outra coisa na criatura que a isso o movesse, como condição ou causa. Ref. Ef. 1:4, 9, 11; Rom. 8:30; II Tim. 1:9; I Tess, 5:9; Rom. 9:11-16; Ef. 1: 19: e 2:8-9 (WESTMINSTER, 1999, III, V).

E ainda:

Todos aqueles que Deus predestinou para a vida, e só esses, é ele servido, no tempo por ele determinado e aceito, chamar eficazmente pela sua palavra e pelo seu Espírito, tirando-os por Jesus Cristo daquele estado de pecado e morte em que estão por natureza, e transpondo-os para a graça e salvação. Isto ele o faz, iluminando os seus entendimentos espiritualmente a fim de compreenderem as coisas de Deus para a salvação, tirando-lhes os seus corações de pedra e dando lhes corações de carne, renovando as suas vontades e determinando-as pela sua onipotência para aquilo que é bom e atraindo-os eficazmente a Jesus Cristo, mas de maneira que eles vêm mui livremente, sendo para isso dispostos pela sua graça. Ref. João 15:16; At. 13:48; Rom. 8:28-30 e 11:7; Ef. 1:5,10; I Tess. 5:9; 11 Tess. 2:13-14; IICor.3:3,6; Tiago 1:18; I Cor. 2:12; Rom. 5:2; II Tim. 1:9-10; At. 26:18; I Cor. 2:10, 12: Ef. 1:17-18; II Cor. 4:6; Ezeq. 36:26, e 11:19; Deut. 30:6; João 3:5; Gal. 6:15; Tito 3:5; I Ped. 1:23; João 6:44-45; Sal. 90;3; João 9:3; João6:37; Mat. 11:28; Apoc. 22:17 (WESTMINSTER, 1999, X,I).

Para maiores esclarecimentos sobre esse tópico recomendamos uma análise mais detalhada sobre o segundo e terceiro pontos da sistematização doutrinária do calvinismo: Eleição Incondicional e Expiação Limitada, respectivamente, o que não faremos aqui por motivo de delimitação dessa abordagem.

3.1 A mudança no conceito de liberdade em benefício do homem

Diferentemente da liberdade que dispunha o homem, antes da queda – não tendia nem para o bem nem para o mal -, de forma que essa liberdade não sofria nenhuma pressão de natureza, a liberdade que Deus devolve, tão somente aos eleitos, é uma liberdade segundo sua nova natureza.

Agostinho resumia essa terceira fase de sua antropologia dizendo que após a operação da graça de Deus que Re-vivifica o homem, tirando-o do estado de perdição para o estado de salvação, “o homem não pode pecar”.

Interessante notarmos que no capítulo que trata sobre o livre-arbítrio, a Confissão de Fé de Westminster descreve um novo tipo de liberdade: uma liberdade que conduz o homem, devido à nova semente de vida plantada no seu coração, pelo próprio Deus, a decidir e a querer apenas o bem e às coisas que o conduz cada vez mais próximo de Deus. Contudo, isso não deve ser traduzido como uma “nova escravidão da vontade” e sim como uma Re-criação de uma vontade que agora se coaduna com a sua nova natureza. Essa vontade, no entanto, ainda está condicionada pelas contingências desse mundo, de forma que pode em algum momento variar para o que é mau, mas não de forma “natural” e essencial. Essa espécie de “vontade livre para o bem”, que denota também uma espécie de “homem ideal”, ocorrerá definitivamente tão somente nos céus – habitação final e eterna dos eleitos – mas, ocorrerá. Vejamos textualmente o documento calvinista:

Quando Deus converte um pecador e o transfere para o estado de graça, ele o liberta da sua natural escravidão ao pecado e, somente pela sua graça, o habilita a querer e fazer com toda a liberdade o que é espiritualmente bom, mas isso de tal modo que, por causa da corrupção, ainda nele existente, o pecador não faz o bem perfeitamente, nem deseja somente o que é bom, mas também o que é mau. Col.1: 13; João 8:34, 36; Fil. 2:13; Rom. 6:18, 22; Gal.5:17; Rom. 7:15, 21-23; I João 1:8, 10. É no estado de glória que a vontade do homem se torna perfeita e imutavelmente livre para o bem só. f. 4:13; Judas, 24; I João 3:2 (WESTMINSTER, 1999, IX, IV, V).

No capítulo que trata especificamente da liberdade cristã (dos eleitos, agora regenerados) o mesmo documento anteriormente citado faz a seguinte afirmação:

A liberdade que Cristo, sob o Evangelho, comprou para os crentes consiste em serem eles libertos do delito do pecado, da ira condenatória de Deus, da maldição da lei moral e em serem livres do poder deste mundo. do cativeiro de Satanás, do domínio do pecado, do mal das aflições, do aguilhão da morte, da vitória da sepultura e da condenação eterna: como também em terem livre acesso a Deus, em lhe prestarem obediência, não movidos de um medo servil, mas de amor filial e espírito voluntário. Todos estes privilégios eram comuns também aos crentes debaixo da lei, mas sob o Evangelho, a liberdade dos cristãos está mais ampliada, achando-se eles isentos do jugo da lei cerimonial a que estava sujeita a Igreja Judaica, e tendo maior confiança de acesso ao trono da graça e mais abundantes comunicações do Espírito de Deus, do que os crentes debaixo da lei ordinariamente alcançavam. Tito 2:14; I Tess. 1: 10; Gal. 3:13; Rom. 8: 1; Gal. 1:4; At. 26:18; Rom. 6:14; I João 1:7; Sal. 119:71; Rom. 8:28; I Cor, 15:54-57; Rom. 5l: 1-2; Ef. 2:18 e 3:12; Heb. 10: 19; Rom. 8:14. 15; Gal. 6:6; I João 6:18; Gal. 3:9, 14, e 5: 1; At. 15: 10; Heb. 4:14, 16, e 10: 19-22; João 7:38-39; Rom. 5:5 (WESTMINSTER, 1999, XX.I).

A garantia de que essa liberdade jamais terá fim (diferentemente do estado transitório da liberdade inicial) está sintetizada no último ponto da antítese calvinista à Remostrance, sob o título Perseverança dos Santos.

Conclusão

O Calvinismo não só é uma resposta convincente ao grande problema da humanidade, sintetizada no binômio Soberania de Deus versus Liberdade humana, ou ainda, como trata a filosofia: Liberdade versus necessidade.

Ele é um poderoso sistema de vida, hermeticamente fechado, capaz de responder às questões mais difíceis em todos os níveis e áreas do conhecimento humano. O calvinismo é um dos poucos sistemas que evidencia na prática seus pressupostos teóricos: a humanidade caminha a passos largos em direção à maldade, chegando cada vez mais próximo da perfeição, evidenciando, de forma inconteste a sua “depravação total”.

Os eleitos, em contrapartida, (calvinistas e não calvinistas), demonstram com suas vidas uma atitude diferenciada; fruto da inclusão, por amor, de sua “nova vontade” – livre para o bem – no seu coração, pela graça de Deus. Os eleitos calvinistas, por sua vez, desenvolvem uma ética tão peculiar que pode ser vista e não negada, mesmo por aqueles que, intrinsecamente, estão distanciados desse sistema, como bem observa Weber:

O Deus de Calvino exigia de seus crentes não boas ações isoladas, mas uma vida de boas ações combinadas em um sistema unificado. Mas no curso de seu desenvolvimento, o calvinismo acrescentou algo de positivo a isso tudo, ou seja, a idéia de comprovar a fé do indivíduo pelas atitudes seculares. [...] consideramos apenas o calvinismo e adotamos a doutrina da predestinação como arcabouço dogmático da moralidade puritana, no sentido de racionalização metódica da conduta ética.(WEBER, 2004. p.91,94,96).

BIBLIOGRAFIA

AGOSTINHO. A Graça II. São Paulo: Paulus, 1999. VI.13. p
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DORT: Os Cânones. Contra o Arminianismo. São Paulo: Ed.Cultura Cristã, 1996. p
GEERBARDUS, Jabannes. Catecismo Maior comentado. São Paulo: Puritanos, 2007, 656p
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SPROUL, R.C. Sola gratia: a controvérsia sobre o livre arbítrio na história. São Paulo: editora Cultura Cristã, 2001. 239 p.
HORN VAN. Leonard. Estudos no Breve Catecismo. São Paulo: Puritanos, 2000, 198p
WEBER. Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo-SP: Martin Claret, 2002. 230p
WESTMINSTER. Confissão de Fé. São Paulo: CEP: 1999, 96p

Notas:

1 Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco -UFPE, Graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP. Licenciado em Educação Religiosa pelo Seminário Presbiteriano do Norte – SPN. Atualmente é professor de Introdução à Filosofia e Ética da Faculdade Decisão – FADE.

2 O determinismo constitui um princípio da ciência experimental que se fundamenta pela possibilidade da busca das relações constantes entre os fenômenos. Essa teoria afirma que o comportamento humano é condicionado por três fatores: genética, meio e momento. Os deterministas pensam que todos os acontecimentos do universo estão de acordo com as leis naturais, ou seja, que todo fenômeno é condicionado pelo que precede e acompanha. Não crêem no acaso, nem no sobrenatural, propondo sempre uma investigação na causa dos fenômenos, sem aceitar que aconteceu porque tinha de acontecer. Uma bola de bilhar arremessada com determinada força e direção só poderá percorrer um único caminho que poderá ser traçado com perfeição se todas as variáveis puderem ser levadas em conta, portanto, seu comportamento é determinado pela acção que a causou. Assim, segundo o determinismo, você não pode optar por um sorvete de chocolate ou baunilha, o que ocorre é a ilusão de escolha. Seja qual for a opção que tomar, ela já estaria pré-determinada por toda a sua trajetória de vida e de toda a humanidade antes dela. O que acontece é que as variáveis ocorridas no ato tendem ao infinito, causando, assim, a ilusão de livre-arbítrio ou escolha, conforme: http://pt.wikipedia.org/wiki/Determinismo.

3 A sociedade de castas é marcada pela rigidez na hierarquização. Baseia-se na hereditariedade, na profissão, na etnia, na religião, determinando uma situação de respeitabilidade. A definição desses critérios ocorre a partir de um conjunto de valores, hábitos e costumes definidos pela tradição. O sistema de castas assenta-se numa relação de privilégios que alguns indivíduos possuem em detrimento dos demais. Esse tipo de organização social parte do pressuposto de que os direitos são desiguais por natureza, uma vez que os elementos que os caracterizam são definidos fora dos indivíduos - por exemplo, o critério para a definição de cargos e profissões se dava pela hereditariedade (o guerreiro, o sacerdote fariam os seus filhos também guerreiros e sacerdotes). Pode-se dizer que, nas sociedades antigas, a organização social baseava-se no sistema de castas. As desigualdades políticas, jurídicas, religiosas, etc. expressavam-se através do lugar que o indivíduo ocupava na estrutura de cargos e profissões, definidos pela hereditariedade, em primeiro plano. Ainda hoje existe na Índia o sistema de castas, embora modificado, pois coexiste com um sistema de classes sociais; mesmo assim, o estudo dessa sociedade pode nos oferecer vários elementos para a compreensão dessa ordem social. Uma das características que marcaram a estratificação social hindu foi a hereditariedade; o nascimento era a condição básica para se definir uma dada posição na ordem social Os pertencentes à casta inferior eram considerados impuros e não podiam nem sequer prestar serviços aos membros das outras castas superiores. A idéia era de que tudo o que os impuros tocassem ficava contaminado, seja alimento, água ou roupa. Apenas as castas puras (superiores) eram consideradas aptas a desempenhar funções públicas e a participar de determinadas atividades religiosas. As castas impuras eram praticamente segregadas, a elas não sendo permitido freqüentar escolas, templos etc. De forma absolutamente generalizada, é possível dizer que as quatro castas principais na Índia, durante muito tempo, foram: brâmane (casta superior a todas), chátria (casta intermediária formada pelos guerreiros), vaixiá (casta intermediária, mas abaixo da chátria, formada pelos comerciantes, agricultores e pastores) e a sudra ou pária (casta mais inferior), conforme: http://ialexandria.sites.uol.com.br/textos/israel_textos/conceito.htm.

4 Os muçulmanos acreditam no qadar, uma palavra geralmente traduzida como predestinação, mas cujo sentido mais preciso é "medir" ou "decidir quantidade ou qualidade". Uma vez que para o islão Deus foi o criador de tudo, incluindo dos seres humanos, e sendo uma das suas características a onisciência, ele já sabia quando procedeu à criação as características de cada elemento da sua obra teria. Assim sendo, cada coisa que acontece a uma pessoa foi determinada por Deus, confome: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mul%C3%A7umano#Apredestina.

5 Posição extremada dos argumentos teológicos do calvinismo. Como o próprio sufixo denota, não se trata da posição doutrinária calvinista. Os calvinistas, inclusive, reputam como não bíblicas as argumentações dos hipercalvinistas, que negam qualquer possibilidade de causa e contingência, e afirmam que o homem jamais possuiu livre-arbítrio, nem mesmo antes da queda, e que foi predestinado para cair.