segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O Domínio do Pecado


O PECADO INFESTA E DOMINA A TODO O SER HUMANO

Por João Calvino

Por essa razão eu disse que, desde que Adão se apartou da fonte da justiça, todas as partes da alma vieram a ser possuídas pelo pecado. Pois não só o seduziu um desejo inferior; ao contrário, a nefanda impiedade ocupou a própria cidadela da mente, e o orgulho penetrou ao mais recôndito do coração, de sorte que é improcedente e estulto restringir a corrupção que daí emanou apenas ao que chamam impulsos sensuais, ou chamar “foco de fogo” que atrai, excita e arrasta o pecado somente a parte que compreende a sensualidade.

Nisto Pedro Lombardo pôs à mostra crassa ignorância, ou, seja, buscando e investigando a sede do pecado, afirma que ela está na carne, o que, a seu ver, Paulo atesta, ainda que não de forma estrita, mas porque o pecado se faz ainda patente na carne. Aliás, é como se Paulo tivesse em mira apenas uma parcela da alma e não a natureza toda, a qual se opõe à graça supernatural! E Paulo remove toda dúvida, ensinando que a corrupção não reside apenas em uma parte; ao contrário, que nada há incontaminado ou inafetado por sua mortífera peçonha. Ora, discorrendo a respeito da natureza corrupta, Paulo não só condena os desordenados impulsos dos apetites, que se fazem explícitos, mas sobretudo insiste em que a mente está entregue à cegueira e o coração, à depravação [Ef 4.17, 18]. E esse terceiro capítulo da Epístola aos Romanos outra coisa não é senão uma descrição do pecado original.

Isto se mostra mais claramente à luz da renovação regeneracional. Ora, o termo espírito, que se contrapõe a velho homem e carne, não denota simplesmente a graça pela qual é retificada a parte inferior ou sensória da alma; pelo contrário, abrange a plena reforma de todas as partes. E por isso Paulo prescreve não apenas que se reduzam a nada os apetites vis, mas ainda que sejamos renovados no espírito de nosso entendimento [Ef 4.23], assim como também, em outra passagem [Rm 12.2], insta a que sejamos transformados em novidade da mente. Do quê se segue que aquela parte em que refulge sobremaneira a excelência e nobreza da alma foi não só ferida, mas até corrompida, a tal ponto que tem necessidade não apenas de ser curada, mas também de revestir-se de natureza quase que nova.

Até onde o pecado domina, não só à mente, mas ainda ao coração, veremos de imediato. Aqui tive o propósito de apenas sumariamente abordar o fato de que o homem inteiro, da cabeça aos pés, foi, como por um dilúvio, de tal modo assolado, que nenhuma parte ficou isenta de pecado, e em conseqüência tudo quanto dele procede deve ser imputado ao pecado. Como Paulo diz [Rm 8.6, 7]: todos os afetos ou cogitações da carne são inimizades contra Deus; e por isso, morte.

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