sexta-feira, 10 de setembro de 2010

"Foi Deus quem disse" e a Suficiência da Escritura


Por Mark Dever

Eu fiquei perplexo (o que não acontece muitas vezes). Certo homem me disse que seu supervisor havia designado a ele a tarefa de elaborar um plano para a plantação de uma nova igreja, e que quando ele orou sobre isso, Deus o instruiu para usar as palavras de Cristo. Deixe-me esclarecer. Ele contou que Deus ordenara que em seu planejamento para essa nova igreja, ele deveria consultar, refletir e citar apenas palavras que Jesus havia dito.

Esse homem era um empregado de tempo integral em uma organização cristã. Era evidentemente cristão. Além disso, ao contrário de outros empregados dessa organização, tinha um mestrado em teologia. Obtido em um seminário evangélico. Lá ele foi, como nós imaginamos, treinado cuidadosamente sobre a Bíblia e sobre teologia. Também devemos imaginar que ele trabalhou de alguma forma liderando uma igreja local, já que agora ocupava uma posição de muita responsabilidade. Foi essa pessoa que estava diante de mim e me disse com sincera piedade e sinceridade verdadeira que Deus o ordenou a consultar apenas as palavras de Cristo quando estivesse planejando uma nova igreja.

Se você já foi ao circo e viu aquela típica entrada dos palhaços, em que um carro minúsculo surge no meio do palco, e de dentro dele sai uma porção de palhaços que logo se espalham pelo meio da platéia causando risadas e até alguns sustos, você tem alguma idéia do que aconteceu na minha cabeça quando eu ouvi isso. Mas sem a parte engraçada. “Jesus mencionou a igreja explicitamente apenas duas vezes!”, pensei. “Há mais de 20 outros livros no Novo Testamento que são cartas com instruções a igrejas!”, pensei. “Quem foi que te deu tanta responsabilidade?”, pensei. “O que foi que te ensinaram no seminário?”, pensei. “Como foi que Deus te disse isso?”, pensei. “O que mais ‘Ele’ falou?”, pensei.

E tinha mais. Eu não disse nada, em parte pela surpresa, em parte pelo medo do que eu pudesse dizer. Após algumas perguntas respondidas com grunhidos, decidi dizer alguma coisa simples sobre como havia outros livros do Novo Testamento que o Espírito de Cristo inspirou particularmente para direcionar igrejas, e que eu esperava que ele também levasse em conta, e logo dei um jeito de sair dali. Espero que minha surpresa diante disso tudo não tenha ficado muito evidente.

Situações como essa – e muitas outras – que aconteceram nos últimos anos que me encorajou a refletir sobre a importância da doutrina da suficiência da Escritura. Essa doutrina foi um dos pontos fundamentais da Reforma Protestante. Uma das maiores disputas entre Roma e os Reformadores era se Deus havia de fato prometido que continuaria provendo instruções inspiradas e inerrantes através de Pedro e seus sucessores. Roma afirmava que era isso que Jesus havia ensinado em Mateus 16. Os reformadores negavam isso, dizendo que, pelo contrário, a Escritura por si só era suficiente para instrução, mediante a iluminação de nossas mentes pelo Espírito Santo. Eles ensinaram que as Escrituras são claras e suficientes. Questões importantes seriam claras ao entendimento, não obscuras. E as Escrituras, se vistas como um todo, seriam suficientes para nossa necessidade de orientação divina. Existem muitas outras questões relacionadas a isso, mas o que devemos levar em conta aqui é simplesmente que as Escrituras são suficientes.

Enquanto o protestantismo Evangélico como um todo continuou a ensinar assim – margeado pela declaração de autoridade da igreja de Roma e a tradição pela direita, e declarações subjetivas de autoridade da “luz interior” de cada um pelos Quakers pela esquerda – surgiu outro pensamento em meio ao evangelicalismo. Mais em nossa vida prática do que na teologia escrita, surgiu a idéia de que a Palavra escrita de Deus deve se tornar a Palavra de Deus a nós pessoalmente por meio de algum tipo de poderoso encontro com ela ou com seu significado. Isso não acontece em meio à leitura de textos sobre divindade, como muitos teólogos Neo-Ortodoxos como Karl Barth imaginavam, mas prática comum e corriqueira. Lembro-me de outro amigo que participou de um grupo evangélico de estudantes, onde ficaram por duas horas cantando, orando sinceramente e clamando que Deus falasse com eles, enquanto por todo esse tempo suas Bíblias ficaram fechadas em seus assentos. Esse é o problema que a prática do “Deus me disse” com a suficiência da Escritura. E se nossos pastores e líderes não entendem que a Escritura é suficiente, não devemos nos surpreender os membros de nossas igrejas, em uma sincera busca pela verdade, forem até Roma, de um lado, ou ao subjetivismo liberal, do outro, buscando algum tipo de autoridade que seja suficiente. Os Mórmons, em particular, se aproveitam da fraqueza dos evangélicos nesse ponto de terem pouca instrução a respeito da suficiência da Escritura.

Essa questão é vital para nós pastores, particularmente se formos pastores que valorizam a centralidade da exposição bíblica em nosso ministério. Um entendimento da suficiência da Escritura é o contexto em que afirmamos, mantemos e praticamos a centralidade da Escritura na vida da igreja.

Vinte anos atrás, em meio à enxurrada de escritos sobre a inerrância da Escritura, pouco foi escrito sobre a suficiência da Escritura. Ela apareceu em escritos sobre a visão dos Reformados sobre a Escritura. Então você podia ler um grande artigo de R. C. Sproul, “Sola Scriptura: Crucial ao Evangelicalismo”, no livro Os Fundamentos da Autoridade Bíblica, editado por James Montgomery Boice. Mais recentemente, Wayne Grudem escreveu um capítulo muito bom sobre a suficiência da Escritura em sua Teologia Sistemática. As últimas páginas são dedicadas às aplicações práticas da doutrina, e há muita sabedoria nelas. Ele afirma claramente que “quando estamos enfrentando problemas de genuína importância em nossa vida cristã, devemos buscar a Escritura com a confiança que Deus nos proverá orientação através dela para o nosso problema”.

Se vamos nos comprometer com o pastoreio das ovelhas, levando-as à Palavra de Deus, devemos estar aptos a responder o que significa a suficiência das Escrituras. Devemos saber, considerar, explicar e ensinar que as Escrituras são suficientes. Eu sei que elas são. Deus me disse:

Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra. (2 Timóteo 3.16-17)

Traduzido por Filipe Schulz | iPródigo

Fonte: iPródigo

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