terça-feira, 21 de setembro de 2010

A justificação somente pela fé



Cristo, o Salvador gracioso: Martinho Lutero

Por John Stott

E difícil para nós hoje compreender o pesado fardo de pecado e culpa sob o qual labutavam as pessoas da igreja medieval. Elas eram criadas para se concentrar na ira de Deus, no terror do julgamento e nas dores do purgatório e do inferno. Viviam no medo, empenhando-se para garantir o favor de Deus por meio de boas obras de justiça. Ora, esse era o ensino da igreja.

Quando jovem, Martinho Lutero não era exceção. Nascido em 1483, seu pai era ambicioso em relação a ele e o enviou à escola e à universidade. Mas ele estava o tempo todo dominado por uma profunda perturbação espiritual. Vendo um amigo cair morto atingido por um raio, ficou tomado pelo medo da morte e do julgamento. Assim, ele se lançou sem reservas ao serviço de Deus e entrou num mosteiro agostiniano, confiante de que ali certamente seria capaz de salvar a própria alma. Ele orava e jejuava e adotou outras austeridades extremas. "Eu era um bom monge", escreveu mais tarde. "Se algum monge algum dia alcançasse o céu por sua vida monástica, seria eu".40 Mas o regime ascético aumentava, não diminuía, seu tormento. Fazia suas confissões e penitências. Tomou os três votos de pobreza, castidade e obediência. Mergulhou nos estudos teológicos. Foi ordenado padre. Fez uma peregrinação a Roma e subiu de joelhos os vinte e oito degraus da Scala Santa. Mas foi tudo em vão. Lutero ficou desiludido com a igreja, convencido de que havia perdido as chaves do reino.

Em 1512, Lutero tornou-se professor de Bíblia na Universidade de Wittenberg. De início, suas dúvidas e temores persistiram. Estava decidido a satisfazer a Deus, mas não conseguia encontrar paz. "Quando procurava Cristo", disse certa vez, "parecia que eu via o diabo".41 Essa declaração espantosa revela a falsa imagem de Jesus Cristo que ele abrigava por causa da intensidade de seu conflito moral. Para ele, na época, Cristo era raivoso, não amigo; perigoso, não misericordioso; seu juiz, não seu salvador. Onde encontraria um Deus gracioso? Esse era seu clamor angustiado.

Então Lutero voltou-se para as Escrituras. Preparando-se para suas aulas na universidade, estudou os Salmos em 1513-15 e a Epístola aos Romanos em 1515-16. Ele ficou perturbado com a oração em Salmos 31.1, "livra-me pela tua justiça" e com a declaração em Romanos 1.17, que a justiça de Deus é revelada no evangelho. Se a justiça de Deus é seu julgamento, perguntava-se, como pode trazer salvação ou fazer parte do evangelho? Lutero lutava com essa questão porque ainda entendia que "a justiça de Deus" se expressava na punição dos injustos. Isso não soa como uma notícia boa!

Dia e noite eu refletia... até que percebi a verdade de que a justiça de Deus é aquela justiça com que, pela graça e pura misericórdia, ele nos justifica pela fé. Dali em diante senti-me renascido e senti ter passado por portas abertas para o paraíso. Toda a Escritura ganhou novo significado e enquanto antes "a justiça de Deus" me enchia de ódio, então tornou-se inefavelmente doce em maior amor. Essa passagem de Paulo tornou-se para mim um portão para o céu.

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