sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O Cristão Como Embaixador de Cristo: Alguns Equívocos


“De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio” 2 Co 5.20

Por Leonardo Sahium

No artigo anterior O Cristão Como Embaixador de Cristo escrevi sobre o cristão como embaixador de Cristo. Sempre que se faz uma exposição positiva de uma função, logo aparece o contraponto. Como vimos o embaixador tem grande responsabilidade, é bem preparado e desenvolve com seriedade e profundo compromisso sua missão. Busquei traçar em poucas linhas um perfil básico de um embaixador. Agora, neste artigo, farei uma análise dos equívocos desta função, quando exercida de maneira irregular.

Um embaixador cristão não é um representante de si mesmo

Um verdadeiro bombardeio de filosofias, e conceitos seculares, invade nossas casas todos os dias. A televisão, e suas novelas melosas, os programas de auto-ajuda, as famílias sendo expostas em seus conflitos mais íntimos, o sucesso de um e o fracasso do outro, tudo isso entra em nossa casa pela tela da televisão.

Se olharmos para o outro lado,observaremos a música, com uma letra que raras vezes se deixa embriagar pela boa poesia, mas que, na maioria das vezes se contamina pela insensatez egocêntrica. Milhares de livros de auto-ajuda decoram as prateleiras das livrarias, e seus autores rodam o mundo divulgando suas fórmulas repetitivas.

O homem moderno descobre uma ausência de significado que aumenta a medida que se distancia mais e mais da proposta de Deus para ele.Este homem é o primeiro a buscar significado e realização em si mesmo. Romeiro comenta:

O desenvolvimento tecnológico das últimas décadas abriu largas avenidas para a pregação do Evangelho por meio da mídia, principalmente pelo rádio e pela televisão, dando assim acentuada visibilidade a um fenômeno muito antigo e nada recomendável: O culto à personalidade(ROMEIRO, 1995, p.51).

Este homem, adorador por natureza, substitui o objeto de sua adoração, trocando o criador pela criatura(Rm 1.18-32). Quando falamos daqueles que deveriam ser os representantes de Cristo, percebemos que mesmo eles engrossam as fileiras do culto a personalidade. Na liderança evangélica este pecado é possível e se torna mais evidente e triste, pois abusa de uma qualidade que lhes é inerente, na maioria das vezes, o carisma. Este fator é muito parecido com o fermento dos fariseus, que eram movidos pelo desejo de alcançar o prestígio espiritual (MACARTHUR,1997).

Este carisma a serviço do culto à personalidade é a grande armadilha em que muitos cristãos têm caído. No afã de alcançar o sucesso, de se firmar profissionalmente e de se auto-afirmar como pessoa, muitos têm se tornado embaixadores de si mesmos, e não de Cristo. Não é difícil encontrar cristãos recheados desta confusão de atributos; eles estão sempre procurando uma nova fórmula de bem-aventurança para ensinar, mas que não encontra em sua raiz a Palavra de Cristo e não caminha para a glória de Deus.

Um embaixador cristão não é alguém que escolheu ser embaixador

O apóstolo Paulo tinha uma consciência muito grande do chamado de Deus. Em várias cartas ele escreve sobre a vontade de Deus sobre seu apostolado. Cada cristão foi chamado para viver como um proclamador da mensagem de Cristo, não como apóstolo, mas como um missionário que leva a palavra de salvação, a pregação do reino de Deus.

Deus é soberano. Como ser eterno, seus propósitos, projetos e planos não estão à mercê de uma vontade humana. Como diz Paulo, Deus é o oleiro e tem o direito de fazer com o barro (o homem) o que bem lhe aprouver, independente do querer humano, da permissão ou vontade desta criatura (Rm 9). Se existe uma mensagem que precisa ser resgatada com muita urgência, é a mensagem da soberania de Deus. O pecado nos conduz a uma degeneração de valores e visão acerca de nós mesmos, do próximo e de Deus.Lloyd-Jones explica:

A história da Igreja, no per passar dos séculos, mostra com muita clareza que não há nada de estático na vida da Igreja. Há sempre um processo de mudança e de desenvolvimento, e infelizmente, como se dá com a natureza, o processo de degeneração. Este é, naturalmente, um dos maiores resultados do pecado e da Queda. O pecado introduziu um elemento de degeneração na vida do homem, e como resultado disso, na vida da criação; assim é que, mesmo na Igreja, essa tendência estaria presente. Já no Novo Testamento vemos heresia, falso ensino surgindo, sutis mudanças ocorrendo com relação ao que é realmente a verdade cristã. O apóstolo Paulo, em seu grande discurso aos presbíteros da igreja de Éfeso, registrado em Atos, capítulo 20, adverte-os de como se levantariam dentre eles próprios, homens que ensinariam falsas doutrinas. Lobos, por assim dizer, entrariam e feririam o rebanho de Deus. E, daí em diante, isso sempre teve continuidade na história da Igreja (LLOYD-JONES, 1993, p. 03-04).

Esta degeneração não pode conduzir o conceito de embaixador de Cristo a uma proposta abstrata. O embaixador de Cristo é um cristão chamado por Deus, para testemunhar dia-a-dia a presença transformadora de Jesus e a esperança do reino.

Um embaixador cristão não é alguém totalmente livre

Atualmente, o conceito de liberdade está estritamente ligado ao da irrelevância de Deus. Em nossa sociedade pós-moderna, qualquer tentativa de se descobrir o caráter de Deus, revelado na Escritura, é visto como um acinte à liberdade humana. Ocristianismo neste tempo de pós-modernidade é altamente relativo. Veith chama este momento de “o novo tribalismo”. Ele comenta:

Somos avisados de que vivemos numa sociedade pluralista, que trabalhamos numa economia global e que precisamos desenvolver uma percepção multicultural. Um efeito dessa percepção multicultural é a intensificação do relativismo. Se as diferentes culturas têm diferentes modos de pensar e de viver, quem dirá qual é o certo? Parece o cúmulo da arrogância dar a entender que nossa mentalidade ocidental é a unica certa e que todas as outras culturas estão erradas. Numa era pluralista, não existe aquele ponto de vista único com direito ao monopólio da verdade. Pensar diferente disso sujeita a pessoa a ser rotulada de etnocêntrica, de cega à diversidade do mundo, seja por ignorância ou intolerância. Como hoje é mais difícil desconsiderar a presença de outras culturas, para muitos o relativismo cultural torna-se inevitável (VEITH JR. 1999, p.137).

Este conflito entre a liberdade desejada e a liberdade concedida por Deus ao ser humano redunda em grandes perdas dentro da comunidade cristã. Não são poucos que abandonam a jornada evangélica por repudiarem a necessidade de submissão a Deus. Não são poucos os líderes que deixam de pregar sobre a necessidade do crente se submeter à vontade de Deus –pelo contrário, boa parte da mensagem divulgada hoje pela mídia sequer faz menção ao serviço e labor do cristão.

Com demasiada ênfase, o cristão é convencido e ensinado que ele possui a total liberdade. Subentende-se por liberdade fazer o que quiser, quando quiser e do jeito que quiser. Ora, se o cristão é o embaixador do rei, como poderia ele ter tamanha liberdade? Impossível!Com certa timidez o cristianismo, com medo de ser rotulado de radical, tem se calado. Veith confirma esta afirmação:

O cristianismo foi excomungado da cultura geral – sistematicamente excluído das escolas, do sistema intelectual e da mídia. O estabelecimento de escolas, editoras, grupos de artes, radiodifusoras, empresas, etc. poderá ser uma das grandes realizações da igreja do século XX. À medida que as pressões pós-modernistas se intensificam, ter instituições contrárias ao sistema vigente já estabelecidas poderá provar ser de valor incalculável para que os cristãos possa apresentar uma resistência eficaz (VEITH JR. 1999, p.204).

Portanto um embaixador não é alguém totalmente livre, pois a simples liberdade total já o desqualificaria como representante do reino de Cristo, pois se ele é representante de algo ou alguém deve se limitar a apresentar as propostas daquele que representa.

Esta contradição entre o discurso e a prática abala a credibilidade da igreja frente à população, que é o seu campo missionário. E boa parte da informação que as pessoas de fora da igreja têm é verdadeira e saiu da própria igreja.

Um embaixador cristão não é um ícone do sobrenatural

Nesta feira de vaidades que se tornou a liderança evangélica, a procura de um elemento sobrenatural que ratifique a posição de líder diante do povo é corriqueira. Mas o embaixador cristão não pode ser confundido como um ser com poderes sobrenaturais ou fantásticos. Milhares de pessoas não se vêem como representantes do reino de Cristo aqui na terra, mas apenas como passantes, itinerantes neste mundo pervertido e corrupto.

Para que a mensagem de Jesus alcance as pessoas com maior velocidade e impacto, muitos pregadores e crentes sem função específica na igreja iniciam uma busca frenética pelo sobrenatural, com características acentuadamente sensacionalistas.

O sobrenatural é também uma oportunidade para que pessoas carentes de aceitação experimentem certa popularidade quando, em nome do Espírito, iniciam práticas carismáticas e assim conseguem visibilidade.

O Dr. Martin Lloyd-Jones faz uma análise sobre a motivação de pessoas que desejam viver a vida cristã dentro desta proposta carismática. Ele conclui:

A natureza de um indivíduo, as suas ambições ou sua preferência por certos ofícios ou trabalhos específicos podem criar nele o desejo de tornar-se pregador; e tal homem persuade a si mesmo de que isso é a orientação do Espírito de Deus. Já vi isso acontecer por muitas vezes; e uma das tarefas mais dolorosas, com que se confronta um ministro, consiste em desencorajar a um homem que se avizinha dele com essa atitude (LLOYD-JONES, 1986, p. 78).

O embaixador não é uma pessoa que aparece. O bom embaixador é aquele que lança luz sobre o rosto de Jesus. Este embaixador não pode deixar aquela determinação de fazer Cristo conhecido, e fica bem evidente que boa parte dos milagres sobrenaturais que ocorrem até hoje são iscas poderosas para manipulação da fé.

Um embaixador cristão não é um burocrata da religião

O outro extremo da liderança que supervaloriza o sobrenatural é o formalismo frio que dogmatiza a adoração, limitando-a a um conjunto de regras que impede a liberdade e a espontaneidade da adoração.

A religião como instrumento de poder tem penetração em todas as áreas da sociedade, através de seus membros mais nobres. Pessoas de posição podem articular projetos de conquista em nome da fé. Esta manipulação tem se mostrado muito eficaz ao longo da história da igreja.

Assim o embaixador pode pecar por ser um burocrata da forma ou um burocrata da política. Em nenhum dos dois aspectos Cristo é bem representado, quando valores do evangelho do reino são negociados em prol de projetos pessoais e preferências litúrgicas que se tornam dogmas, onde o diferente é excluído pela canonização de certo modo da adoração.

Que nosso Deus nos conduza à moderação nesta grande obra que Ele nos chamou. A Deus toda glória!

Fonte: Blog Fiel

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