segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O Teísmo Aberto e o Livre-Arbítrio


O Teísmo Aberto declara que Deus concedeu às pessoas o livre-arbítrio e para que este livre-arbítrio permaneça livre, Deus não pode conhecer de antemão quais serão as escolhas das pessoas. Eles argumentam que se Deus conhecesse uma futura escolha de uma pessoa, então, esta pessoa não seria verdadeiramente livre para escolher algo diferente quando chegar o tempo de fazer aquela escolha. Portanto, eles dizem, se Deus conhece as futuras escolhas do livre-arbítrio das pessoas, então, isto significa que o livre-arbítrio realmente não existe.

Além do mais, eles sustentam uma visão do livre-arbítrio conhecida como livre-arbítrio libertariano. Esta é a posição de que uma pessoa é igualmente capaz de fazer escolhas entre opções independentemente das pressões ou coações de causas externas ou internas. Em outras palavras, a pessoa é capaz de igualmente escolher entre uma série de opções. Por contraste, o livre-arbítrio compatibilista sustenta que uma pessoa pode escolher somente o que é consistente com sua natureza e que há coações e influências sobre sua capacidade de escolher. No livre-arbítrio libertariano, um pecador é igualmente capaz de escolher ou rejeitar Deus, a despeito de sua condição pecaminosa. No livre-arbítrio compatibilista, um pecador pode escolher fazer somente o que é consistente com sua natureza pecaminosa.

Livre-Arbítrio Libertariano

O livre-arbítrio é afetado pela natureza humana, mas ainda possui a capacidade de escolha contrária à nossa natureza e desejos.

Livre-Arbítrio Compatibilista

O livre-arbítrio é afetado pela natureza humana e não pode escolher contrariamente à nossa natureza e desejos.

No compatibilismo uma pessoa que é escrava do pecado (Romanos 6:14-20) e que não pode entender as coisas espirituais (1 Coríntios 2:14), não será capaz de escolher a Deus de seu próprio livre-arbítrio, porque seu livre-arbítrio não tem a capacidade de contradizer sua natureza e sua natureza é contra Deus, morta e incapaz de escolher a Deus. O libertarianismo sustenta que apesar da natureza de uma pessoa, seu livre-arbítrio lhe permite escolher a Deus, a despeito de ser um escravo do pecado e não ser capaz de entender as coisas espirituais. Eu creio que o aspecto mais singularmente importante do open theism é a visão libertariana do livre-arbítrio e que a Bíblia, a pecaminosidade humana, a liberdade humana, a natureza de Deus e o próprio tempo são vistos através desse filtro. De fato, eu ainda creio que a Bíblia é reinterpretada à luz desta "verdade".

A diferença entre as definições tem um profundo efeito sobre o open theism porque o open theism deve sustentar a visão libertariana do livre-arbítrio, e não o compatibilismo. Por que? Porque os "teístas abertos" sustentam a absoluta soberania do livre-arbítrio do indivíduo, apesar da natureza pecaminosa da pessoa. Mas, o compatibilismo ensina que a vontade é somente livre à medida que sua natureza lhe permite ser livre. Se a última posição for verdadeira, então, como o Deus do open theism poderia salvar alguém sem interferir em sua vontade? Mas, visto que o open theism mantém que Deus não somente é ignorante das escolhas do livre-arbítrio das pessoas, Ele não interferiria no livre-arbítrio de ninguém.

Todavia, a Bíblia nos ensina que Deus deveras intervém nas livres escolhas das pessoas. Por favor, considere Provérbios 21:1 que diz, "Como corrente de águas é o coração do rei na mão do Senhor; ele o inclina para onde quer". Se o livre-arbítrio libertariano for verdade e se Deus não interfere no livre-arbítrio da pessoa de forma alguma, então, como Provérbios 21:1 pode ser verdade? Além do mais, considere como Deus até mesmo endurece os corações das pessoas para realizar a Sua vontade: "Mas Siom, rei de Hesbom, não nos quis deixar passar por sua terra, porquanto o Senhor teu Deus lhe endurecera o espírito, e lhe fizera obstinado o coração, para to entregar nas mãos, como hoje se vê" (Deuteronômio 2:30). Também, "Porquanto do Senhor veio o endurecimento dos seus corações para saírem à guerra contra Israel, a fim de que fossem destruídos totalmente, e não achassem piedade alguma, mas fossem exterminados, como o Senhor tinha ordenado a Moisés" (Josué 11:20). Não importa o quão difícil alguns versos possam ser, o fato é que Deus definitivamente influencia os corações dos indivíduos. Se isto é assim, então, o que acontece com a posição do "teísta aberto" de que Deus não interfere, de forma alguma, nas escolhas do livre-arbítrio das pessoas?

Livre-Arbítrio

A Bíblia diz que o incrédulo é um escravo do pecado (Romanos 6:14-20), tem um coração que é desesperadamente perverso (Jeremias 17:9) e cheio de maldade (Marcos 7:21-23), ama mais as trevas do que a luz (João 3:19), está morto em seus pecados (Efésios 2:1), não busca a Deus (Romanos 3:10-12), e não pode entender as coisas espirituais (1 Coríntios 2:14). Estes fatos influenciam a vontade humana? Tanto o libertarianismo como o compatibilismo dizem que sim, mas o libertarianismo diz que a natureza caída do homem não restringe o livre-arbítrio suficientemente para limitar a escolha. O compatibilismo, por outro lado, declara que não podemos violar nossas próprias naturezas e que nossas vontade é parte de nossa natureza, e que nossa vontade está diretamente relacionada e afetada pela nossa natureza que, a Bíblia diz, está em numa situação extremamente má. Portanto, no compatibilismo, se alguém é um escravo do pecado, está morto, não busca a Deus, é cheio de maldade e não entende as coisas espirituais, faz sentido dizer que suas escolhas são limitadas ao escopo permitido pela descrição apresentada na Bíblia. Mas o libertarianismo dirá que a vontade é algo independente da natureza, visto que ela é capaz de escolher contrariamente à sua natureza. Isto, certamente, é ilógico.

Livre-arbítrio é a capacidade de uma pessoa fazer escolhas que determinam algumas ou todas as suas ações. Eu proponho que o livre-arbítrio envolve três aspectos: consciência, desejo e escolha. A consciência leva ao desejo, que leva à escolha. Por favor, considere o seguinte:

Consciência, Desejo e Escolha

Antes que possamos fazer uma escolha sobre qualquer coisa, devemos primeiro desejar escolhê-la. Mas antes que possamos desejar escolher algo, devemos estar cientes deste algo. Assim, não podemos escolher algo do qual não estamos cientes. Além do mais, não podemos estar cientes de algo além da nossa capacidade ou natureza de estarmos cientes. Por exemplo, há coisas no universo dos quais não podemos estar cientes da dimensão, ou escopo, ou lugar, ou tempo; isto está simplesmente além da nossa capacidade de compreender, dada nossa natureza humana limitada. Portanto, essas realidades não conhecidas, não podem ser coisas das quais estamos cientes (e as quais compreendamos), visto que não temos conhecimento delas. Isto significa que não somos livres para fazer escolhas sobre elas, porque não estamos cientes delas. Nossa falta de ciência é logicamente restringida pela nossa natureza.

Se nossa natureza afeta nossa capacidade de escolher, então, o que a Bíblia diz sobre nossa natureza afetará da mesma forma nossa capacidade de escolher. Como eu disse acima, o incrédulo é um escravo do pecado (Romanos 6:14-20), tem um coração que é desesperadamente perverso (Jeremias 17:9) e cheio de maldade (Marcos 7:21-23), ama mais as trevas do que a luz (João 3:19), está morto em seus pecados (Efésios 2:1), não busca a Deus (Romanos 3:10-12), e não pode entender as coisas espirituais (1 Coríntios 2:14). Devemos perguntar como uma vontade pecaminosa é capaz de escolher contrariamente ao que a Bíblia claramente declara concernente à sua natureza.

Livre-Arbítrio Libertariano

Os libertarianos concordarão, eu espero, que somos limitados pelas nossas naturezas para sermos capazes de escolher somente entre opções das quais estamos cientes. Do que eu tenho lido sobre os "teístas abertos", eles facilmente concordam com esta realidade. Mas, apesar das passagens das Escrituras sobre a natureza dos incrédulos citadas acima, eles ainda mantém que o livre-arbítrio humano não é limitado pela nossa pecaminosidade e que ele ainda é capaz de fazer escolhas iguais entre opções iguais - falam, por exemplo, da capacidade de escolher ou rejeitar a Cristo, a despeito da declaração da Bíblia das limitações da nossa natureza pecaminosa.

Mas, o que parece estar acontecendo é que os "teístas abertos" querem ambos os caminhos. Eles querem dizer que somos afetados pela nossa natureza, e até mesmo que somos pecadores por natureza, e querem dizer também que nossa capacidade de escolha não é limitada por esta natureza pecaminosa. Mas, como pode ser isto, dada a clara direção da Escritura sobre nossa condição pecaminosa, que declara que o incrédulo é escravo do pecado (Romanos 6:14-20), ama mais as trevas do que a luz (João 3:19), não busca a Deus (Romanos 3:10-12), e não pode entender as coisas espirituais (1 Coríntios 2:14)? Neste ponto, os "teístas abertos" simplesmente declaram que o livre-arbítrio humano ainda é de certo modo capaz de fazer tais escolhas. Ao que perguntamos: "Como isto pode ser assim, dada as passagens das Escrituras que falam o contrário?"

Conclusão

Em minha opinião, a posição "teísta aberta" do livre-arbítrio libertariano viola a revelação da Escritura, que claramente restringe nossas naturezas humanas não regeneradas como não sendo livres do pecado. Ela ainda contradiz as passagens das Escrituras que nos dizem que Deus intervém nos corações das pessoas, como por exemplo, Provérbios 21:10 e Deuteronômio 3:20.

O "teísta aberto" erroneamente exalta o livre-arbítrio das pessoas a um nível tão alto, que para Deus ser Deus, Ele deve ser rebaixado (não conhece o futuro, pode cometer erros, etc.), para que o nosso precioso livre-arbítrio não possa ser violado. Qualquer teologia que reduz a majestade e a glória de Deus ao exaltar a liberdade do homem é uma teologia de erro.

Tradução livre: Felipe Sabino de Araújo Neto

Fonte: Ortopraxia

O Ministério como Ocupação


Por Vincent Cheung

Os presbíteros que lideram bem a igreja são dignos de dupla honra, especialmente aqueles cujo trabalho é a pregação e o ensino, pois a Escritura diz: “Não amordace o boi enquanto está debulhando o cereal”, e “o trabalhador merece o seu salário”.(1 Timóteo 5.17-18)

A Escritura define o ministério do evangelho como trabalho, e o pregador como um trabalhador. Referindo-se ao ministério dos seus discípulos, Jesus diz em Mateus 10, “o trabalhador é digno do seu sustento”, e em Lucas 10, “o trabalhador merece o seu salário”. Paulo ecoa essa forma de pensamento em nossa passagem. E quando ele escreve sobre esse assunto numa carta aos coríntios, ele ilustra esse ponto comparando o ministro com alguém que “serve como um soldado”, ou que “planta uma vinha”, ou que “cuida de um rebanho”, ou que “ara” ou “trilha”. Ele até usa a imagem de um sacerdote que recebe alimento do altar (1 Coríntios 9). Em outras palavras, o ministério é uma ocupação em seu próprio direito, e deve ser considerado como tal em qualquer discussão sobre ministério e salário. Alguém que trabalha no ministério, a despeito de como ele é visto pelo Estado ou pela igreja, é uma pessoa empregada.

Visto que o ministério é uma ocupação, o ministro deve ser pago pelo seu trabalho. As mesmas passagens que definem o ministério como trabalho, como uma ocupação, também associam inseparavelmente esse fato com o direito do ministro receber hospitalidade, abrigo e salário. Paulo é explícito sobre isso: “Da mesma forma, o Senhor ordenou àqueles que pregam o evangelho, que vivam do evangelho” (1 Coríntios 9.14). Assim como um contador ganha a sua vida fazendo contabilidade, ou um cozinheiro preparando alimentos, um ministro ganha igualmente a sua vida realizar o trabalho do ministério, especialmente a pregação. Visto que o ministério é uma ocupação, o dinheiro pago ao ministro deve ser considerado um salário.

Por definição, um salário é algo devido, e não voluntariamente doado. Não é caridade. Visto que o dinheiro pago ao ministro é um salário, isso significa que é algo devido àquele que trabalha por aqueles que recebem o benefício do trabalho. Em sua carta aos coríntios, Paulo refere-se ao direito do pregador receber compensação material por seu trabalho. A partir da perspetiva do ministro, isso é um direito. A partir da perspectiva daqueles que se beneficiam de seu ministério, isso é uma dívida.

Embora o princípio bíblico que um trabalhador merece seu salário se aplique a todas as ocupações legítimas, há uma diferença quando diz respeito ao ministério. Fora do ministério, esse princípio é implementado por acordo humano. Se alguém que recebe o benefício do trabalho nunca concordou em assalariar um trabalhador ou pagá-lo, então o trabalhador não pode gerar tal dívida realizando o trabalho. Em contraste, a dívida devida a um ministro não surge por acordo humano, mas por um mandamento divino que o transcende. Quando Jesus envia seus discípulos para pregar, e quando Paulo pregou o evangelho às pessoas, aqueles que receberam o benefício do seu ministério nunca entraram em acordo de antemão para pagá-los por seu trabalho. De fato, seria impossível assegurar um acordo humano para salário daqueles a quem eles planejavam evangelizar antes de evangelizá-los. A dívida era gerada unicamente por causa da obra feita em benefício deles. Portanto, o ministro não tem apenas uma reivindicação à salário igual a de trabalhadores em outras ocupações, mas uma reivindicação superior.

Visto que um salário é devido ao pastor, aqueles que falham ou recusam em pagá-lo são ladrões e assaltantes, defraudadores, opressores e pecadores. A maldição de Deus está sobre eles. Como Tiago escreve: “Vejam, o salário dos trabalhadores que ceifaram os seus campos, e que vocês retiveram com fraude, está clamando contra vocês” (Tg 5.4). O dinheiro que você economiza negligenciando pagar o pregador testifica contra você, e clama seu pecado ao Senhor dia e noite. O ministro pode ter que arrumar outro emprego fora do ministério por causa de sua avareza e opressão – cada polegada do esforço dele, cada gota de suor, cada suspiro é um testemunho da sua culpa. O Senhor conta contra você cada lágrima que a esposa dele verte. Ele te amaldiçoa por cada pontada de fome que os filhos dele sentem. É uma coisa ímpia que você faz, e o Senhor promete puni-lo por causa de sua crueldade e dureza de coração. Ainda maior é a sua condenação se você advoga a doutrina que um pregador deveria sempre trabalhar sem remuneração.

Algumas vezes membros de igreja cobiçosos e líderes hipócritas apoderam-se do exemplo de Paulo, pelo fato dele ministrar sem remuneração. Contudo, qualquer leitor com uma competência mínima deveria perceber que essa é uma exceção evidente que prova a regra. Primeiro, ele explicou aos coríntios que sua política de pregação sem remuneração era a renúncia de um direito. Isto é, ele tinha o direito de receber pagamento, mas não exerceu esse direito. Se era um direito que ele não exerceu, então era um direito que ele poderia ter exercido. Dessa forma, os coríntios de fato deviam a ele, mas ele perdoou a dívida. Segundo, se era seu direito receber o pagamento, então ele era o único que poderia recusar o pagamento. Os coríntios não tinham o direito privá-lo do pagamento. Terceiro, ele disse que “os irmãos do Senhor e Pedro” (1Co 9.6) exerciam esse direito. A exceção não foi universalmente praticada nem mesmo entre os apóstolos. Quarto, essa política de recusar pagamento estava em vigor só com respeito a certas congregações. Por exemplo, ele aceitou dinheiro dos filipenses, e a linguagem em sua carta para eles indica que ele fez isso pelo menos duas vezes, visto que ali diz que eles enviaram-lhe ajuda “não apenas uma vez, mas duas”.

Quinto, ele deixou claro as suas razões para declinar o pagamento dos coríntios e de certas outras congregações. Quando as razões não se aplicavam, então as exceções não se aplicavam. Ele disse que não exercia seus direitos quando exercitá-los impedisse o evangelho. E as razões que poderiam ter impedido o evangelho seriam imaturidade, má atitude ou falta de discernimento deles. Talvez havia alguns que tinham suspeitas de seus motivos. Isso teria distraído-os de ouvir a mensagem do evangelho. Ou, talvez alguns teriam tentado colocar Paulo sob seu controle se ele tivesse aceitado pagamento deles. Em contraste, os filipenses se consideravam cooperadores com Paulo na disseminação do evangelho, enviando repetidamente dinheiro e suprimentos para ele. Eles tinham um entendimento correto da natureza do trabalho e da relação deles com o pregador. Ao que tudo indica, Paulo não aceitou pagamento de algumas pessoas porque ele as considerava incrédulas ou crentes que sofriam de desenvolvimento retardado. De fato, o ministério de Paulo a eles era um caso de caridade. Você não pede que pessoas retardadas lhe pagem – se possível, você ajudá-las-a sem remuneração.

É verdade que Jesus disse aos discípulos: “Vocês receberam de graça; deem também de graça” (Lucas 10.8). Contudo, imediatamente após isso, ele lhes diz para não trazer nenhum dinheiro ou suprimento extra, pois “o trabalhador é digno do seu sustento”. A declaração diz respeito a como eles deveriam dispensar a mensagem e os poderes do evangelho, e não se eles poderiam aceitar ou não sustento material das pessoas. Isto é, Jesus instruiu-os a realizar o seu ministério “de graça”, mas ao mesmo tempo esperava que todas as suas necessidades fossem supridas pelas pessoas que receberiam o benefício de sua obra. Seu propósito não era dizer que os discípulos deveriam recusar hospitalidade e pagamento, mas que eles não deveriam exigir compensação para cada unidade de trabalho feito ou cada instância de ministério.

Trata-se de uma prescrição de como uma pessoa deveria abordar a obra do ministério. A declaração, “vocês receberam de graça; deem também de graça”, foi feita logo após a comissão para pregar, curar, e expulsar demônios, e novamente, logo antes da instrução para esperar que aqueles que receberiam o ministério pagassem tudo. Em outras palavras, Pedro não poderia dizer a alguém que tinha um demônio: “Eu recebi o poder de Cristo para expulsar esse demônio, mas você deve me pagar essa quantia de dinheiro, ou não irei fazê-lo”. Não, ele devia expulsar o demônio sem cobrar nada, mas após isso, a pessoa que tinha sido liberta estava moralmente obrigada a compensar Pedro por seu trabalho. Ao agir assim, ele não estaria apenas sustentando Pedro, mas testificaria por sua ação que endossava o evangelho de Jesus Cristo.

Suponha que alguém chegue até mim e diga: “Que devo fazer para ser salvo?”. Eu não devo responder: “Eu sei como você pode ser salvo. Pague-me essa quantia de dinheiro e eu lhe direi, mas se você não me pagar, vou deixar você ir para o inferno”. Não, eu devo pregar o evangelho a essa pessoa de graça, sem consideração quanto a se posso obter alguma recompensa material. Minha responsabilidade é ensinar-lhe a verdade, e fazê-lo sem favoritismo, não retendo nada. Sua responsabilidade é me reconhecer como um mensageiro de Deus que lhe traz boas novas que podem salvar sua alma, e então me oferecer sustento material. Como Paulo escreve: “Se entre vocês semeamos coisas espirituais, seria demais colhermos de vocês coisas materiais?” e “O que está sendo instruído na palavra partilhe todas as coisas boas com aquele que o instrui.” (2Co 9.11; Gl 6.6). Quer ele faça a sua parte ou não, eu farei a minha. Se ele é retardado, então eu abrirei mão dos meus direitos em prol do evangelho. Todavia, isso não o livra de sua responsabilidade perante Deus.

Claramente, tudo isso significa que é possível defraudar o ministro do seu justo salário, e isso é frequentemente o que acontece. Mas Deus é fiel. Ele suprirá todas as nossas necessidades de acordo com as suas riquezas gloriosas em Cristo Jesus. Ele vindicará os seus servos, e amaldiçoará aqueles que lhes roubam e oprimem. Portanto, pague os seus ministros. Se eles realizam bem o seu trabalho, pague-os bem, especialmente se trabalharem duro na pregação e no ensino.

Àqueles que trabalham no ministério, vocês não deveriam sentir nenhuma vergonha de receber sustento da parte dos fiéis. Se possível, a quantidade de sustento deveria ser suficiente para sustentar toda a sua família e ministério. Por mandamento de Deus, esse é o seu direito e essa é a obrigação deles. Ao ganhar a sua vida da obra do evangelho, pelo menos tanto quanto possível, vocês estão seguindo o exemplo de todos os apóstolos, incluindo Paulo, e também do Senhor Jesus, que de acordo com Lucas, recebia sustento de um grupo de mulheres. A quantidade de dinheiro envolvida deve ter sido considerável, visto ter sido suficiente para sustentar a vida e as despesas de viagem de pelo menos treze pessoas (Lucas 8.3). Isso não significa necessariamente que todo o dinheiro deles procedesse dessas mulheres, mas o ponto é que eles aceitaram doações de auxiliadores, e que pegaram o suficiente para satisfazer as necessidades de mais de doze homens. De fato, eles tinham quantia suficiente para tornar necessário uma bolsa de dinheiro (João 12.6), e suficiente para dar um pouco aos pobres (parece que os discípulos consideravam isso como rotina; João 13.29), e até mesmo o suficiente para Judas roubar dela sem ser descoberto por alguém (pelo menos a princípio, visto que parece razoável assumir que os outros discípulos teriam reagido se tivessem conhecimento; João 12.6), exceto o Senhor, que conhecia sua verdadeira natureza desde o princípio (João 6.64, 70).

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A Fidelidade de Deus


Por Arthur W. Pink

A infidelidade é um dos pecados mais proeminente nestes maus dias. Com raríssimas exceções, a palavra de um homem não é mais a sua fiança, nos negócios deste mundo. No mundo social, a infidelidade conjugal ocorre por todo lado, sendo que os laços matrimoniais são desfeitos com a mesma facilidade com que uma roupa velha é rejeitada. Na esfera eclesiástica, milhares que se comprometeram solenemente a pregar a verdade, sem nenhum es­crúpulo a negam e a atacam. Nem o autor, como tampouco o leitor, pode arrogar-se completa imunidade deste pecado terrível: de quantas maneiras temos sido infiéis a Cristo, e à luz e aos privilégios que Deus nos confiou. Como é animador então, que indizível benção é erguer os olhos acima desta ruinosa cena e contemplar Aquele que, só Ele, é fiel, fiel em tudo, fiel o tempo todo.

"Saberás, pois, que o Senhor teu Deus é Deus, o Deus fiel..." (Deuteronômio 7:9). Esta qualidade é essencial ao Seu ser; sem ela Ele não seria Deus. Pois, ser Deus infiel seria agir contrariamente à Sua natureza, o que é impossível. "Se formos infiéis, ele permanece fiel: não pode negar-se a si mesmo" (2 Timóteo 2:15). A fidelidade ê uma das gloriosas perfeições do Seu ser, É como se Ele estivesse vestido com esta perfeição; "O Se­nhor, Deus dos Exércitos, quem é forte como tu, Senhor, com a tua fidelidade ao redor de ti?!" (Salmo 89;8). Assim também, quando Deus Se encarnou, foi dito: "E a justiça será o cinto dos seus lombos, e a verdade o cinto dos seus rins" (Isaías 11:5).

Que palavra, a do Salmo 36:5 — "A tua misericórdia, Se­nhor, está nos céus, e a tua fidelidade chega até às mais excelsas nuvens". Muito acima de toda compreensão finita está a imutável fidelidade de Deus. Tudo que há acerca de Deus é grande, vasto, incomparável. Ele nunca esquece, nunca falha, nunca vacila, nun­ca deixa de cumprir a Sua palavra, O Senhor Se mantém estrita­mente apegado a cada declaração de promessa ou profecia, faz valer cada compromisso de aliança ou de ameaça, pois "Deus não é homem, para que minta; nem filho do homem, para que se ar­rependa: porventura diria ele, e não o faria? Ou falaria, e não o confirmaria? (Números 23:19). Daí o crente exclama; "...as suas misericórdias não têm fim, Novas são cada manhã; grande é a tua fidelidade" (Lamentações 3:22-23).

Há nas Escrituras numerosas ilustrações da fidelidade de Deus. Há mais de quatro mil anos Ele disse: "Enquanto a terra durar, sementeira e sega, e frio e calor, e verão e inverno, e dia e noite, não cessarão" (Gênesis 8;22). Cada novo ano dá-nos um novo testemunho de que Deus cumpre esta promessa. Em Gênesis 15 vemos que Jeová declarou a Abraão; "...peregrina será a tua semente em terra que não será tua, e servi-los-ão... E a quarta geração tornara para cá" (versículos 13-16). Os séculos percorreram o seu curso fatigante. Os descendentes de Abraão gemiam entre os fornos de tijolos do Egito. Deus esquecera a Sua promessa? Certamente que não. Leia Êxodo 12:41: "E aconteceu que, passados os quatrocentos e trinta anos, naquele mesmo dia, todos os exércitos do Senhor saíram da terra do Egito". Por meio de Isaías o Senhor declarou: “...eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel" (7:14). De novo séculos se passaram, mas, "vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei” (Gaiatas 4:4).

Deus é verdadeiro. Sua Palavra de promessa ê certa. Em todas as Suas relações com o Seu povo, Deus é fiel Pode-se con­fiar nEle, com segurança, Nunca houve alguém que tivesse con­fiado nEle em vão. Vemos esta preciosa verdade expressa em quase toda parte nas Escrituras, pois o Seu povo precisa saber que a fidelidade é uma parte essencial do caráter divino. Esta é a base da nossa confiança nEle, Mas, uma coisa é aceitar a fide­lidade de Deus como uma verdade divina, e outra coisa, muito diferente, é agir com base nisso. Deus "nos tem dado grandíssi­mas e preciosas promessas", mas nós contamos realmente com o seu cumprimento por Deus? Esperamos de fato que Ele vai fazer por nós tudo que disse que fará? Descansamos com implícita se­gurança nestas palavras: “... fiel é o que prometeu" (Hebreus 10:23)?

Há ocasiões na vida de todos em que não é fácil, nem mes­mo para os cristãos, crer que Deus é fiel. Nossa fé é provada dolorosamente, nossos olhos ficam toldados pelas lágrimas, e não conseguimos mais encontrar o rumo dos baluartes do Seu amor. Os nossos ouvidos se distraem com os ruídos do mundo, arruina­dos pelos sussurros ateísticos de Satanás e não conseguimos mais ouvir a doce entonação da voz mansa e delicada do Senhor. So­nhos alimentados foram frustrados, amigos em quem confiávamos falharam conosco, um falso irmão ou irmã em Cristo nos traiu. Vacilamos. Procuramos ser fiéis a Deus, e agora uma trevosa nu­vem O esconde de nós. Achamos difícil, impossível mesmo, à razão carnal harmonizar a Sua sombria providência com as pro­messas da Sua graça, Ah, alma titubeante, companheiro de pere­grinação provado com tanto rigor, procure graça para ouvir Isaías 50:10; "Quem há entre vós que tema a,Jeová, e ouça a voz do seu servo? Quando andar em trevas, e não tiver luz nenhuma, confie no nome do Senhor, e firme-se sobre o seu Deus".

Quando você for tentado a duvidar da fidelidade de Deus, brade: "Para trás de mim, Satanás". Ainda que você não possa harmonizar os misteriosos procedimentos de Deus com as Suas declarações de amor, confie nEIe e aguarde mais luz, Na hora dEIe, certa e boa, Ele fará com que você o veja com clareza, “...o que eu faço não o sabes tu agora, mas tu o saberás de­pois" (João 13:7). A seqüência dos fatos demonstrará que Deus não abandonou nem enganou Seu filho. "Por isso o Senhor espe­rará, para ter misericórdia de vós; e por isso será exalçado, para se compadecer de vós, porque o Senhor é um Deus de eqüidade: bem-aventurados todos os que nele esperam (Isaías 30:18).

"Não julgues o Senhor por tua mente, porém, confia nEIe por Sua graça. Por trás de uma severa providência Ele oculta um semblante sorridente. Animai-vos, ó santos temerosos! As nuvens que temíveis vos parecem, ricas são de mercês, e irromperão em bênçãos derramadas sobre vós."

"Os teus testemunhos que ordenaste são retos e muito fiéis" (Salmo 119:138). Deus não nos falou apenas o melhor, mas tam­bém não retirou o pior. Ele descreveu fielmente a ruína efetuada pela Queda. Ele diagnosticou fielmente o terrível estado produ­zido pelo pecado. Fielmente fez conhecido o Seu inveterado ódio ao mal, e que ê preciso que Ele o puna. Advertiu-nos fielmente de que Ele é "fogo consumidor" (Hebreus 12:29). Sua Palavra não contém somente numerosas ilustrações de Sua fidelidade no cumprimento de Suas promessas, mas também registra numerosos exemplos de Sua fidelidade em fazer valer as Suas ameaças. Cada estágio da história de Israel exemplifica esse fato solene. Foi as­sim com indivíduos: Faraó, Core, Acã e uma multidão de outros mais, são outras tantas provas. E será assim com você, meu lei­tor, a menos que você tenha buscado ou busque refúgio em Cristo, as chamas eternas do Lago de Fogo serão a tua porção certa e segura. Deus é fiel.

Deus é fiel na preservação do Seu povo. "Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados para a comunhão de seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor'" (l Coríntios 1:9). No versículo anterior foi feita a promessa de que Deus confirmará o Seu povo até o fim. A con­fiança do apóstolo na absoluta segurança dos crentes estava ba­seada não na força das resoluções deles ou em sua capacidade para perseverar, mas sim na veracidade dAquele que não pode mentir. Visto que Deus prometeu ao Seu Filho um certo povo como Sua herança, livrá-lo do pecado e da condenação e fazê-lo participante da vida eterna na glória, é certo que Ele não permi­tira que nenhum dos pertencentes a esse povo pereça.

Deus é fiel na disciplina ministrada ao Seu povo. Ele não é menos fiel naquilo que retira, do que naquilo que dá. É fiel quando envia tristeza como quando outorga alegria. A fidelidade de Deus é uma verdade que devemos confessar não somente quan­do a tranqüilidade nos bafeja, mas também quando nos afligirmos sob o castigo mais áspero. Tampouco esta confissão deve ser ape­nas de boca, mas também de coração. Quando Deus nos fere com a vara da punição, é a fidelidade que a maneja. Reconhecer isso significa que nos humilhamos diante dEle, confessamos que merecemos totalmente a Sua correção e, em vez de murmurar, damos-Lhe graças por isso. Deus nunca nos aflige sem algum mo­tivo: "Por causa disto, há entre vós muitos fracos e doentes..." (1 Coríntios 11:30), ilustra este princípio. Quando a Sua vara cair sobre nós, digamos com Daniel; "A ti, ó Senhor, pertence a justiça, mas a nós a confusão de rosto..." (9:7).

"Bem sei eu, ó Senhor, que os teus juízos são justos, e que em tua fidelidade me afligiste" (Salmo 119:75). Problemas e afli­ções não são apenas coerentes com o amor de Deus empenhado na aliança eterna, mas são partes da sua administração. Deus é fiel não só quando afasta as aflições, mas também é fiel quando no-las envia. “Então visitarei com vara a sua transgressão, e a sua iniqüidade com açoites, Mas não retirarei totalmente dele a minha benignidade, nem faltarei à minha fidelidade" (Salmo 89:32-33). O castigo não é apenas conciliável com a benignidade amorosa de Deus, mas também é seu efeito e expressão. A mente dos servos de Deus se tranqüilizaria muito se eles se lembrassem de que a aliança de Deus O obriga a aplicar-lhes correção oportuna. As aflições são-nos necessárias: "...estando eles angustiados, de madrugada me buscarão" (Oséias 5:15).

Deus é fiel na glorificação do Seu povo, "Fiel é o que vos chama, o qual também o fará" (1 Tessalonicenses 5:24). A refe­rência imediata aqui é aos santos serem "preservados inculpáveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo". Deus nos trata, não com base em nossos méritos (pois não temos nenhum), mas por amor do Seu grande nome. Deus é constante para consigo mesmo e segundo o propósito da Sua graça, "... aos que chamou... a estes também glorificou" (Romanos 8:30). Deus dá plena demons­tração da constância de Sua bondade eterna para com os Seus eleitos, chamando-os eficazmente das trevas para a Sua maravilho­sa luz, e isto deveria torná-los seguros da certeza da sua conti­nuidade. "... o fundamento de Deus fica firme..." (2 Timóteo 2; 19). Paulo estava firmado na fidelidade de Deus quando disse: “... eu sei em quem tenho crido, e estou certo de que é pode­roso para guardar o meu depósito até àquele dia" (2 Timóteo 1:12).

A percepção desta bendita verdade nos protegera da preo­cupação. Estar cheio de preocupações, ver a nossa situação com prenúncios sombrios, antecipar o amanhã com ansiedade, é ofen­der a fidelidade de Deus. Aquele que vem cuidando do Seu filho através dos anos, não o abandonará quando o filho envelhecer. Aquele que ouviu as orações que você fez no passado, não se negará a suprir suas necessidades na presente emergência. Descanse em Jó 5:19: “Em seis angústias te livrará; e na sétima o mal te não tocará".

A percepção desta bendita verdade calará as nossas murmurações. O Senhor sabe o que é melhor para cada um de nós, e um efeito da confiança nesta verdade será o silenciar das nossas petulantes reclamações. Deus é grandemente honrado quando, sob provação e castigo, temos bons pensamentos sobre Ele, vindicamos a Sua sabedoria e justiça, e reconhecemos o Seu amor mes­mo em Suas repreensões.

A percepção desta bendita verdade gera crescente confiança em Deus. "Portanto também os que padecem segundo a vontade de Deus encomendem-lhe as suas almas como ao fiel Criador, fazendo o bem” (1 Pedro 4:19). Quando confiantemente nos re­signarmos e deixarmos todos os nossos interesses nas mãos de Deus, plenamente persuadidos do Seu amor e fidelidade, tanto mais depressa ficaremos satisfeitos com as Suas providências e compreenderemos que "ele tudo faz bem”.

Fonte: Os Atributos de Deus, Arthur W. Pink, Ed. PES. Via: Eleitos de Deus

Antídoto: A cura para a igreja evangélica brasileira


Por Leonardo Gonçalves

Que a igreja brasileira não está vivendo o seu melhor momento, não é nenhuma novidade. Basta pesquisar a palavra “igreja” no Google para se dar conta do quanto a instituição carece de integridade e doutrinamento. No entanto, creio que apenas criticar os novos rumos do cristianismo tupiniquim, com seus pastores-apóstolos, profetas mercenários e pregadores cheios de estrelismo, não ajuda a resolver o problema. Obviamente, sei reconhecer o valor de uma crítica bem articulada, mas desprezo a atitude de quem somente destrói sem edificar nada no lugar, apenas pelo prazer de ver os escombros. A agressividade de quem só ataca sem oferecer uma resposta satisfatória à problemática eclesiástica e a hostilidade de quem aponta o problema, mas é incapaz de (tal como Neemias) ser a resposta ao próprio clamor é tão reprovável quanto a conduta dos mercadores da fé. Em síntese, tal atitude redunda em hipocrisia e grande desejo de aparecer às expensas daqueles que são objeto da sua fúria voraz.

Nesse ínterim, mentes esclarecidas argumentam contra o atual estado das coisas, mas na maioria dos casos, esquece-se de dizer como as coisas deveriam ser. Preocupam-se em execrar os farsantes, mas não indicam uma outra via, uma possível eleição. Deste modo, acaba-se promovendo uma generalização banal. A “apologética denuncista”, tão popular nos últimos anos, acaba fortalecendo o estereótipo latente no imaginário popular de que todo pastor é ladrão e que igreja evangélica é sinônimo de bandalheira.

Não quero assumir nenhuma postura messiânica. Não tenho o brilhantismo de Lutero, nem o zelo teológico de Calvino. Falta-me a coragem de John Huss e Wyclyffe, e sobra-me o pedantismo e a inconstância de Pedro. Sendo assim, ninguém mais improvável do que eu, para querer dogmatizar a apologética ou indicar a única via possível para a restauração da igreja evangélica neste país. Apesar disso, a paixão que tenho pela igreja, somada a pouca experiência de 10 anos como plantador de igreja, me conferem um pouco de autoridade para abordar este tema tão polemico. E visto que tenho falado sobre indicar o caminho sobre o qual a igreja evangélica brasileira deve trilhar para desenvolver-se de modo saudável, passarei a discorrer sobre aqueles tópicos que, a meu ver, deveriam ser tratados com mais responsabilidade pelos líderes eclesiásticos do nosso Brasil.

Primeiramente, a igreja brasileira precisa de pastores com vivencia apologética. Observe que não estou falando de pregação apologética, mas de vivencia apologética. Não creio que pregar contra a rosa milagrosa, o sabonete ungido e a fogueira santa seja mais necessário que a integridade ministerial. Já dizia um antigo pastor: “uma grama de testemunho vale mais que um quilo de pregação”. A crise da igreja evangélica brasileira não é apenas teológica; ela é moral. A própria teologia neopentecostal com sua ênfase na prosperidade adquirida através de vultosas ofertas nada mais é do que o reflexo do caráter hediondo dos seus arautos, verdadeiros estelionatários que já estariam atrás das grades, se este fosse um país sério. A vida do ministro sempre falará mais alto que seu sermão, razão pela qual sua vida, e não apenas o seu sermão, deve ter ênfase apologética. Pietismo, santidade, pudor, vergonha na cara, devem ser buscados mais do que as unções, os poderes, as línguas e as profecias.

Em segundo lugar, nossa liderança precisa ser mais tolerante com respeito à liturgia, adequando-se ao mundo contemporâneo. Precisamos deixar de perder tempo discutindo se podemos ou não dançar, se o rock é de Deus ou do diabo, se devemos ou não aplaudir, e concentrar-nos mais no evangelho de Jesus. Peço desculpas pelo tom de desprezo, mas sinceramente acho ridículas as discussões presbiterianas sobre “salmodia exclusiva”, e risível o argumento pentecostal de que a verdadeira musica sacra foi escrita há cem anos. Se temos como objetivo comunicar as verdades espirituais aos homens e mulheres do nosso tempo, precisamos de uma liturgia que se adapte as necessidades do mundo contemporâneo.

Logo, em terceiro lugar, penso que a igreja evangélica precisa de contextualização missionária. Isso decorre do segundo ponto: O povo brasileiro é ímpar por causa da sua diversidade cultural, e isso vai refletir na igreja. No entanto, a maioria dos pastores brasileiros parecem insensíveis a essa diversidade cultural, e acabam impondo a linguagem e os costumes do “gueto gospel” aos incrédulos. Dessa forma, criam uma geração de crentes estereotipados, meros papagaios de chavões de mau gosto: “Fala vaso!”, “Oh, varão, tem fogo aí?”, e outras fraseologias que são acessíveis apenas aos iniciados e que excluem a todos os demais. Precisamos de uma igreja cuja pregação se adapte a linguagem, contexto e necessidades do povo brasileiro.

Precisamos resgatar a pregação cristocentrica, a mensagem da justificação pela fé, e enfatizar estas verdades em todo tempo, pois elas são o cerne da teologia protestante. Nossas igrejas não possuem ênfase cristocentrica em seus ensinos. Aliás, para ser sincero, Cristo é um personagem coadjuvante nas pregações hodiernas. Fala-se muito sobre Davi, Sansão, Elias e Eliseu, profetas e reis do Antigo Testamento, mas muito pouco se fala sobre os méritos da cruz e sua aplicação na vida do crente. A justificação pela fé permanece apenas na qualidade de dogma, pois na prática o que vale mesmo é a teologia da barganha, da permuta, do “fiz por merecer”. A doutrina da justificação pela fé é o contraponto para refutar as heresias da prosperidade e a manipulação do sagrado, tão propaladas no meio pentecostal e mais recentemente pelos neopentecostais, sendo esta mais uma razão pela qual ela deve ser enfatizada.

Em quinto lugar, se queremos ser realmente bíblicos em nossa forma e próposito, precisamos elaborar uma eclesiologia menos centralizadora, que faça jus a doutrina protestante do sacerdócio de todos os crentes e introduza os leigos no ministério cristão, servindo com seus dons. Uma das maneiras de conseguir isso é através de pequenos grupos, reuniões caseiras, criando uma estrutura que promova a comunhão ao mesmo tempo em que permite que os crentes descubram seus talentos e ministrem a outros. Ao fazê-lo, estaremos permitindo que “a justa operação de cada parte produza o crescimento” (ênfase acrescentada).

Finalmente, creio que devemos ser sensíveis o suficiente para perceber até que ponto vale à pena lutar contra o sistema, e em que ponto é necessário abandonar o barco. Como disse no início deste texto, opor-se ao mercantilismo evangélico, as barganhas e vida pecaminosa dos líderes eclesiásticos, sem dispor o próprio coração para ser você mesmo a cura que a igreja precisa, nada mais é do que palavrório vão. As “igrejas S/A” tem ferido a milhares de pessoas, e é preciso que se levantem servos de Deus para apascentar, restaurar e re-orientar estas pessoas. Há uma grande necessidade de igrejas sadias no nosso país e eu oro para que alguns dos críticos de hoje ultrapassem a barreira da crítica pela crítica e se proponham a ser a mudança que a igreja precisa. Oro para que muitos dos que hoje acusam a igreja de tantos pecados, se disponham a ser, eles mesmos, os líderes que anelam ver.

É claro que há muitos outros aspectos em que a igreja brasileira pode e deve melhorar, mas creio que se conseguirmos aplicar estes, já teremos feito um grande progresso.

***
Leonardo Gonçalves ama a igreja e deseja amá-la cada vez mais. Sonha com uma igreja diferente e se dispôs a ser – ele mesmo – a resposta da sua oração. E você? Será que você está disposto a se transformar na igreja que você sonha ver? Está disposto a se transformar no líder ético e espiritual que você anela ter? #isso_é_reforma!

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O Verdadeiro Arrependimento


Por C. H. Spurgeon

“Olharão para aquele a quem traspassaram” (Zacarias 12.10).

O quebrantamento santo que faz um homem lamentar o seu pecado surge de uma operação divina. O homem caído não pode renovar seu próprio coração. O diamante pode mudar seu próprio estado para tornar-se maleável, ou o granito amolecer a si mesmo, transformando-se em argila? Somente aquele que estendeu os céus e lançou os fundamentos da terra pode formar e reformar o espírito do homem. O poder de fazer que da rocha de nossa natureza fluam rios de arrependimento não está na própria rocha. O poder jaz no onipotente Espírito de Deus... Quando Deus lida com a mente do homem, por meio de suas operações secretas e misteriosas, Ele a enche com uma nova vida, percepção e emoção. “Deus... me fez desmaiar o coração” (Jó 23.16), disse Jó. E, no melhor sentido, isso é verdade. O Espírito Santo nos torna maleáveis e nos tornamos receptíveis às suas impressões sagradas... Agora, quero abordar o âmago e a essência de nosso assunto.

O enternecimento do coração e o lamento pelo pecado são produzidos por olharmos, pela fé, para o Filho de Deus traspassado. A verdadeira tristeza pelo pecado não acontece sem o Espírito de Deus. Mas o Espírito de Deus não realiza essa tristeza sem levar-nos a olhar para Jesus crucificado. Não há verdadeiro lamento pelo pecado enquanto não vemos a Cristo... Ó alma, quando você chega a contemplar Aquele para quem todos deveriam olhar, Aquele que foi traspassado, então seus olhos começam a lamentar aquilo pelo que todos deveriam chorar — o pecado que imolou o seu Salvador!Não há arrependimento salvífico sem a contemplação da cruz... O arrependimento evangélico é o único arrependimento aceitável. E a essência desse arrependimento é olhar para Aquele que foi moído pelos pecados... Observe isto: quando o Espírito Santo realmente opera, Ele leva a alma a olhar para Cristo. Nunca uma pessoa recebeu o Espírito de Deus para a salvação, sem que tenha recebido dEle o olhar para Cristo e o lamentar por seus pecados.

A fé e o arrependimento são gerados e prosperam juntos. Ninguém deve separar o que Deus uniu! Ninguém pode arrepender-se do pecado sem crer em Jesus, nem crer em Jesus sem arrepender-se do pecado. Olhe, então, com amor para Aquele que derramou seu sangue, na cruz, por você. Por meio desse olhar, você obterá perdão e quebrantamento. Quão admirável é o fato de que todos os nossos males podem ser curados por um único remédio: “Olhai para mim e sede salvos, vós, todos os limites da terra” (Is 45.22). Contudo, ninguém olhará para Cristo sem que o Espírito de Deus o incline a fazer isso. Ele não conduz uma pessoa à salvação, se ela não se rende às suas influências e não volve seu olhar para Jesus...

O olhar que nos abençoa, produzindo quebrantamento de coração, é o olhar para Jesus como Aquele que foi traspassado. Quero me demorar nisso por um momento. Não é somente o olhar para Jesus como Deus que afeta o coração, mas também olhar para este mesmo Senhor e Deus como Aquele que foi crucificado por nós. Vemos o Senhor traspassado, e, em seguida, inicia-se o traspassamento de nosso coração. Quando o Espírito Santo nos revela Jesus, os nossos pecados também começam a ser expostos...

Venham, almas queridas, vamos juntos à cruz, por um pouco, e notemos quem era Aquele que recebeu a lançada do soldado romano. Olhe para o seu lado e observe aquela terrível ferida que atingiu seu coração e desencadeou um duplo fluxo de sangue. O centurião disse: “Verdadeiramente este era Filho de Deus” (Mt 27.54). Aquele que, por natureza, é Deus e governa sobre tudo, sem o Qual “nada do que foi feito se fez” (Jo 1.3), tomou sobre Si mesmo nossa natureza e se tornou homem, como nós, mas não tinha qualquer mácula de pecado. E, vivendo em forma humana, foi obediente até à morte, morte de cruz. Foi Ele quem morreu! Ele, o único que possui a imortalidade, condescendeu em morrer! Ele, que era toda a glória e poder, sim, Ele morreu! Ele, que era toda a ternura e graça, sim, Ele morreu! Infinita bondade esteve pendurada na cruz! Beleza indescritível foi traspassada com uma lança! Essa tragédia excede todas as outras! Por mais perversa que tenha sido a ingratidão do homem em outros casos, a sua mais perversa ingratidão se expressou no caso de Jesus! Por mais horrível que tenha sido o ódio do homem contra a virtude, o seu ódio mais cruel foi manifestado contra Jesus! No caso de Jesus, o inferno superou todas as suas vilezas anteriores, clamando: “Este é o herdeiro; ora, vamos, matemo-lo” (Mt 21.38).

Deus habitou entre nós, e os homens não O aceitaram. Visto que o homem foi capaz de traspassar e matar o seu Deus, ele cometeu um pecado horrível. O homem matou o Senhor Jesus Cristo e O traspassou com uma lança! Nesse ato, o homem mostrou o que fariam com o próprio Eterno, se pudesse chegar até Ele. O homem é, no coração, assassino de Deus. Ele se alegria se Deus não existisse. Ele diz em seu coração: “Não há Deus” (Sl 14.1). Se a sua mão pudesse ir tão longe quanto o seu coração, Deus não existiria nem mesmo por mais uma hora. Isto dá ao traspassamento de nosso Senhor uma forte intensidade de pecado: foi o traspassamento de Deus.
Por quê? Por que razão o bom Deus foi assim perseguido? Oh! pelo amor de nosso Senhor Jesus Cristo, pela glória de sua Pessoa, pela perfeição de seu caráter, eu lhe peço — admire-se e envergonhe-se de que Ele foi traspassado! Não foi uma morte comum. Aquele assassinato não foi um crime comum. Ó homem, Aquele que foi traspassado com a lança era o seu Deus! Na cruz, contemple o seu Criador, o seu Benfeitor, o seu melhor Amigo!

Olhe firmemente para Aquele que foi traspassado e observe o Sofredor que é descrito na palavra “traspassado”. Nosso Senhor sofreu severa e terrivelmente. Não posso, em uma mensagem, descrever a história de seus sofrimentos — as tristezas de sua vida de pobreza e perseguição; as angústias do Getsêmani e do suor de sangue; as tristezas de seu abandono, traição e negação; as tristezas no palácio de Pilatos; os golpes de chicotes, o cuspe e o escárnio; as tristezas da cruz, com sua desonra e agonia... Nosso Senhor foi feito maldição por nós. A penalidade do pecado ou o que lhe era equivalente, Ele a suportou, “carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados” (1 Pe 2.24). “O castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Is 53.5).

Irmãos, os sofrimentos de Jesus devem amolecer nosso coração! Nesta manhã, lamento o fato de que não me entristeço como deveria. Acuso a mim mesmo daquele endurecimento de coração que eu condeno, visto que posso contar-lhes essa história sem enternecimento de coração. Os sofrimentos de meu Senhor são indescritíveis. Examinem e verifiquem se já houve tristeza semelhante à de Jesus! A sua tristeza foi abismal e insondável... Se você considerar firmemente a Jesus traspassado por nossos pecados e tudo que isso significa, seu coração se dilatará! Mais cedo ou mais tarde, a cruz desenvolverá todo sentimento que você será capaz de produzir e lhe dará capacidade para mais. Quando o Espírito Santo põe a cruz no coração, o coração se dissolve em ternura... A dureza de coração desaparece quando, com profundo temor, contemplamos a Jesus sendo morto.

Devemos também observar quem foram os que traspassaram a Jesus. “Olharão para aquele a quem traspassaram.” Ambos os verbos se referem às mesmas pessoas. Nós matamos o Salvador, nós que olhamos para Ele e vivemos... No caso do Salvador, o pecado foi a causa de sua morte. O pecado O traspassou. O pecado de quem? Não foi o pecado dEle mesmo, pois Ele não tinha pecado, e nenhum engano se achou em seus lábios. Pilatos disse: “Não vejo neste homem crime algum” (Lc 23.4). Irmãos, o Messias foi morto, mas não por causa dEle mesmo. Nossos pecados mataram o Salvador. Ele sofreu porque não havia outra maneira de vindicar a justiça de Deus e de prover-nos um escape da condenação. A espada, que deveria cair sobre nós, foi despertada contra o Pastor do Senhor, contra o Homem que era o Companheiro de Jeová (Zc 13.7)... Se isso não quebranta nem amolece nosso coração, observemos por que Ele foi levado a uma posição em que poderia ser traspassado por nossos pecados. Foi o amor, poderoso amor, nada mais do que o amor, que O levou até à cruz. Nenhuma outra acusação Lhe pode ser atribuída, exceto esta: Ele era culpado de amor excessivo. Ele se colocou no caminho do traspassamento, porque resolvera salvar-nos... Ouviremos isso, pensaremos nisso, consideraremos isso e permaneceremos apáticos? Somos piores do que os brutos? Tudo que é humano abandonou a nossa humanidade? Se Deus, o Espírito Santo, está agindo agora, uma contemplação de Cristo derreterá o nosso coração de pedra...

Quero dizer-lhes ainda, ó amados: quanto mais olharmos para Jesus crucificado, tanto mais lamentaremos o nosso pecado. A reflexão crescente produzirá sensibilidade crescente. Desejo que olhem muito para Aquele que foi traspassado, para que odeiem cada vez mais o pecado. Livros que expõem a paixão de nosso Senhor e hinos que cantam a sua cruz sempre foram bastante queridos pelos crentes piedosos, por causa de sua influência sobre o coração e a consciência deles. Vivam no Calvário, amados, até que viver e amar se tornem a mesma coisa. Diria também: olhem para Aquele que foi traspassado, até que o coração de vocês seja traspassado.

Um antigo teólogo dizia: “Olhe para a cruz, até que tudo que está na cruz esteja em seu coração”. E acrescentou: “Olhe para Jesus, até que Ele olhe para você”. Olhem com firmeza para o sua Pessoa sofredora, até que Ele pareça estar volvendo sua cabeça e olhando para você, assim como o fez com Pedro, que saiu e chorou amargamente. Olhe para Jesus, até que você veja a si mesmo. Lamente por Ele, até que lamente por seu próprio pecado... Ele sofreu em lugar, em favor e em benefício de homens culpados. Isso é o evangelho. Não importa o que os outros preguem, “nós pregamos a Cristo crucificado” (1 Co 1.23). Sempre levaremos a cruz na vanguarda. A essência do evangelho é Cristo como substituto do pecador. Não evitamos falar sobre a doutrina do Segundo Advento, mas, antes e acima de tudo, pregamos Aquele que foi traspassado. Isso levará ao arrependimento evangélico, quando o Espírito de graça for derramado.

A Vontade de Deus ou a Vontade do Homem?


Por Mark R. Rushdoony

Eu recebi a maior parte da minha educação em escolas arminianas, do livre-arbítrio. Sou grato pelo impacto que elas tiveram sobre mim, e pelo espírito cristão genuíno e amoroso daqueles aos pés de quem assentei.

Embora eu agora (como então) discorde fortemente da teologia deles, não questiono a sua sinceridade e devoção. Poucos homens são inteiramente consistentes em seu pensamento. Ainda menos são capazes de ver a implicação desse pensamento. Um dia, ao pé do trono, seremos todos consistentes e conscientes. Até então, devemos desafiar uns aos outros, especialmente aqueles que pensamos estarem persuadidos por terrível erro.

Uma área na qual a igreja moderna precisa ser desafiada é na área de sua soteriologia (doutrina da salvação). O liberalismo e o modernismo podem ser facilmente reconhecidos, pois negam as origens sobrenaturais da Fé. É uma filosofia naturalista que rejeita a transcendência de Deus e de Jesus Cristo, e coloca a confiança na bondade humana e em seus movimentos progressivos.

É uma fé humanista que vê o indivíduo e a sociedade como o foco da religião organizada. A visão liberal de Deus e do homem depende da visão liberal de autoridade na religião (Cornelius Van Til, The Case for Calvinism, 1968, xii). Esse ponto de visão liberal de autoridade na religião é centrado num Jesus Cristo muito humano, que é despido do miraculoso, e até mesmo de Suas palavras nos evangelhos, ao capricho de eruditos incrédulos. O Cristo histórico é remodelado pela fé naturalista do modernismo. Ele se torna o símbolo da ideologia deles, não o Salvador de suas almas.

A igreja do século vinte não teve poder para deter o crescimento do modernismo por causa da sua prévia adoção do Arminianismo, que eleva a vontade e a razão do homem para levar a justiça de Deus ao tribunal da razão; eles desafiam ousadamente os oceanos profundos dos mistérios divinos (Christopher Ness, An Antidote Against Arminianism [1700], Still Waters Revival Books, 1988, 1). Se a vontade e a razão do homem podem decidir os méritosda Palavra de Deus (que é toda uma história redentora) e livremente escolher entre Cristo e a rebelião, baseado nas operações dessa vontade e raciocínio, então o que pode impedir a vontade e a razão do homem de decidir os méritos e livremente escolher a validade da Escritura ou sua atual aplicabilidade? Os arminianos não vão necessariamente tão longe, embora suas igrejas tomem a bola do livre-arbítrio e corram com ela precipitadamente em direção ao modernismo. Por conseguinte, os fundamentalistas acham-no necessário para enfatizar apropriadamente as doutrinas cardinais da Fé.

Assim, eles evitam o naturalismo e seu humanismo implícito em favor da deidade de Cristo, a ênfase sobre a obra redentora de Cristo, e a infalibilidade da Escritura. Mas a posição dos fundamentalistas foi um dedo na represa que eles ajudaram a fissurar pela sua incorreta aderência ao livre-arbítrio como uma doutrina da Escritura. Os modernistas estendem o livre-arbítrio e a razão, enquanto os fundamentalistas restringem-no à redenção humana. Estranho o suficiente, ao tomar sua posição contra o liberalismo, os fundamentalistas defendem a soberania de Deus na revelação e preservação de Sua Palavra, mas não na salvação do homem.

História do Conflito

O Arminianismo e o Calvinismo começaram bem antes dos seus homônimos nos séculos dezesseis e começo do dezessete. As questões são tão velhas quanto o confronto de Pelágio e Agostinho no quinto século. Pelágio, imitando o paganismo, alegava que o homem não tinha nenhuma natureza pecadora e, por conseguinte, tinha uma vontade que era perfeitamente livre para obedecer a lei de Deus e crer. Agostinho respondeu que o pecadooriginal tinha corrompido de tal forma a natureza do homem, que ele era incapaz de responder à lei ou evangelho de Deus. A graça é necessária para que aqueles predestinados pela eleição de Deus exerçam a fé, a qual, dizia Agostinho, vem da graça de Deus, não da vontade do homem. (Esse é um ponto crucial. A crítica mais transparentemente equivocada do Calvinismo é a acusação que ele nega o papel da vontade do homem na fé. Ele nega a vontade do homem tanto quanto o Arminianismo nega a vontade de Deus. A questão que cada sistema responde de forma diferente é: Qual vontade é determinante na salvação, a de Deus ou a do homem?) O Pelagianismo foi totalmente rejeitado como heresia pagã mediante a influência de Agostinho.

Um novo ensinamento logo tentou tomar o meio-termo entre Pelágio e Agostinho. João Cassiano promoveu um sistema que chegou a ser chamado de Semi-Pelagianismo. Ele concordava que o pecado original corrompeu o homem, mas alegava que uma graça universal estava disponível a todos que tornavam seu exercício sobre o livre-arbítrio possível. Mesmo nisso, eles deram primazia à vontade, e não à graça. Eles afirmavam que sou eu quem deve estar disposto a crer, e a parte da graça de Deus é ajudar nisso (Steele and Thomas, The Five Points of Calvinism, 1976, Presbyterian and Reformed Publishing, 20).

A Reforma rejeitou tanto o Pelagianismo como o Semi-Pelagianismo. A soberania de Deus, a depravação e incapacidade total do homem e a eleição incondicional foram sustentadas não somente por Calvino, mas também por Lutero, Zwínglio, Bullinger e Bucer, enquanto Melancthon adotou mais tarde o Semi-Pelagianismo. A soteriologia da Reforma não era apenas justificação pela fé sem obras; ela compartilhava a visão bíblica de Agostinho com respeito à incapacidade do homem e a graça de Deus. Dessa forma, o Calvinismo é freqüentemente chamado de teologia Reformada.

O Semi-Pelagianismo foi revivido por Tiago Armínio. Em 1610, um ano após sua morte, seus seguidores publicaram um remonstrance (protesto) ao Estado da Holanda. Ele continha cinco pontos e exigia que a Confissão de Fé Belga e o Catecismo de Heidelberg fossem mudados para se conformarem a esse pensamento arminiano. O Sínodo de Dort de 1618 rejeitou a teologia e a exigência arminiana. E decidiu responder a cada um dos cinco distintivos do Arminianismo com cinco pontos correspondentes, que são conhecidos por nós como os cinco pontos do Calvinismo. Eles são

1) depravação total, 2) eleição incondicional, 3) expiação particular ou limitada, 4) graça irresistível, e5) perseverança ou segurança eterna dos santos.

O Grande Contraste

As diferenças entre Calvinismo e Arminianismo são fundamentais, pois eles diferem sobre a natureza de Deus e do homem. O Calvinismo prega um Deus que Ele mesmo salva pecadores, enquanto estes estão mortos em seus pecados; o Arminianismo prega um Deus que torna a salvação possível. O Calvinismo ensina que a eleição de Deus, a redenção e o chamado são todos para as mesmas pessoas; o Arminianismo deve distinguir a eleição de Deus como se referindo àqueles que respondem, Sua redenção como se referindo a toda a humanidade, e o Seu chamado como se referindo a todos os que ouvem o evangelho. O Calvinismo ensina que a eleição de Deus, a redenção e o chamado salvam homens que recebem o dom da fé para expressarem a regeneração determinante do Espírito Santo. O Arminianismo ensina que a obra de Deus prepara o caminho para a vontade determinante do indivíduo.

O Calvinismo vê a fé como um dom; o Arminianismo vê a mesma como um ato da vontade livre e consciente do homem. O Calvinismo sustenta que a graça de Deus somente salva o homem; o Arminianismo sustenta que a graça de Deus coloca o mecanismo (a expiação de Cristo) num lugar onde possa salvar. Para o arminiano, Deus na eternidade aguarda o resultado da vontade soberana do pecador. Para o calvinista, Deus decreta, redime, proclama, chama, justifica, santifica, preserva e defende os Seus; o homem é passivo, exceto quando Deus o desperta para responder por Seu Espírito.

A fé arminiana é centrada no homem; por conseguinte, a religião arminiana é centrada no homem. Então, o evangelho é a soma do trabalho do homem. Não é coincidência que o dispensacionalismo e seu desprezo efetivo de grande parte da Escritura tenha ganhado rápida aceitação nas igrejas arminianas. Se a decisão do homem é suprema, deve haver uma obsessão interminável pela pregação voltada para a vontade do pecador, e não pela pregação da Palavra. A ação cristã foi reduzida a pregar o evangelho do livrearbítrio.

Santidade e justiça foram reduzidas ao subjetivismo do pietismo, pelo qual, uma vez mais, a vontade e a razão do homem (embora supostamente guiada pelo Espírito Santo) escolhe seu próprio caminho de dever para com Deus. A vontade e a razão, primeiramente entronizados no caminho arminiano para a justificação, ainda exclui a santificação do arminiano. A piedade subjetiva tende a governar nas igrejas arminianas, a menos que um líder carismático ou ditador supra a autoridade artificial. Porque a vontade do homem é elevada pelos arminianos, a Escritura (o que resta dela após as destruições do dispensacionalismo) é depreciada. Assim diz o Senhor é arrogantemente respondido com “Mas eu penso…”. Os fundamentos da Fé estão em constante recuo diante dos ataques da demanda do homem para aumentar a autonomia de sua vontade e razão.

Fuja da Idolatria


Deliciando-se com a criação sem cometer idolatria

Por John Piper

Isso na verdade faz parte de uma pergunta muito maior, que é: Como uma criatura pode desejar e alegrar-se na criação sem cometer idolatria (que é adultério)? Para alguns essa pergunta pode parecer ser impertinente. Mas para pessoas que anseiam cantar como os salmistas, ela é muito pertinente. Eles cantam assim:

Quem mais tenho eu no céu?Não há outro em quem eu me compraza na terra.Ainda que a minha carne e o meu coração desfaleçam,Deus é a fortaleza do meu coraçãoe a minha herança para sempre (SI 73.25, 26).Uma coisa peço ao Senhor,e a buscarei:que eu possa morar na Casa do Senhortodos os dias da minha vida,para contemplar a beleza do Senhore meditar no seu templo (SI 27.4).

Se seu coração anseia por concentrar-se assim em Deus, então como desejar e alegrar-se em "coisas" sem tornar-se um idólatra é uma questão crucial. Como a oração pode glorificar a Deus se ela é uma oração por coisas? Ela parece glorificar coisas.

Naturalmente, parte da resposta foi dada no texto de Robinson Crusoé, ou seja, que Deus recebe a glória como o Doador todo-suficiente. Mas isso é apenas parte da resposta, porque pode haver um mau uso das coisas, mesmo quando agradecemos a Deus como o Doador.O restante da resposta é dado por Thomas Traherne e por Agostinho. Traherne disse:

Você não se compraz no mundo corretamente enquanto não vê como um grão de areia demonstra a sabedoria e o poder de Deus, e preza em cada coisa o serviço que presta a você, manifestando a glória e a bondade de Deus à sua alma, bem mais que a beleza visível na sua superfície ou os serviços materiais que pode prestar ao seu corpo.

E Agostinho orou com as palavras abaixo, que provaram ser imensamente importantes em meu esforço para amar a Deus de todo o meu coração: "Ama-te muito pouco. Aquele que ama outra coisa junto contigo, o que ele ama não por tua causa".

Em outras palavras, se coisas criadas são vistas e usadas como dádivas de Deus e como espelhos da sua glória, não precisam ser ocasiões para idolatria —se nosso prazer nelas é sempre também um prazer em quem as fez.

C. S. Lewis o formulou assim em uma "Carta a Malcolm":

Não podemos —ou eu não posso— ouvir o gorjeio de um pássaro simplesmente como um som. Seu sentido ou mensagem ("isto é um pássaro") acompanha-o inevitavelmente— assim como não se pode ver uma palavra conhecida impressa como um mero padrão visual. Ler é tão involuntário como ver. Quando o vento estrondeia eu não ouço simplesmente o estrondo; eu "ouço o vento". Da mesma maneira é possível "ler" assim como "ter" um prazer. Ou nem mesmo "como". A distinção deve tornar-se, e às vezes é, impossível; recebê-la e reconhecer sua origem divina são uma só experiência. Este fruto celestial espalha instantaneamente o aroma do pomar onde cresceu. Essa brisa suave sussurra da terra de onde sopra. É uma mensagem. Sabemos que estamos sendo tocados por um dedo daquela mão direita em que há delícias perpetuamente. Não é preciso haver agradecimentos ou louvor como um evento distinto, algo que se faz depois. O ato de experimentar a pequena teofania já é adoração em si.

Se nossa experiência da criação se torna uma experiência do pomar celestial, ou do dedo divino, então pode ser adoração e não idolatria. Lewis o diz ainda de outra maneira em suas meditações sobre Salmos:

Esvaziando a Natureza da divindade —ou, digamos, das divindades— você pode enchê-la de Deus, porque agora ela é portadora de mensagens. Há um sentido em que a adoração da Natureza a silencia —como quando uma criança ou um débil mental fica tão impressionada com o uniforme do carteiro que esquece de pegar as cartas.

Portanto, pode ser idolatria ou não, orar para que o carteiro venha. Se estamos apenas apaixonados pelos breves prazeres mundanos que seu uniforme nos traz, isso é idolatria. Mas se consideramos o uniforme um bónus grátis que acompanha o prazer real das mensagens divinas, então não é idolatria. Se podemos orar por um cônjuge, um emprego, por cura física, comida ou abrigo por amor a Deus, então mesmo nisso estamos centrados em Deus e não nos revelamos "egocêntricos". Estamos concordando com o salmista: "Não há nada na terra que eu deseje além de ti!" Ou seja, não há nada que eu deseje mais do que o Senhor, e não há nada do que eu quero que não me mostre mais do Senhor.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O grave problema dos pastores que trocaram a Bíblia pela Psicologia


Por Renato Vargens

Nos últimos 20 anos tem se multiplicado assustadoramente o número de pastores que abandonaram as Escrituras Sagradas e o aconselhamento bíblico em detrimento ao estudo da psicologia e da psicanálise. Na verdade, boa parte dos líderes evangélicos acreditam ainda que inconscientemente, que a Palavra de Deus não é suficientemente capaz de sarar o coração ferido, sendo assim necessário a aplicação de técnicas terapeuticas bem como o auxílio de doutrinas psicológicas. Nesta perspectiva, tenho visto e testemunhado dezenas de pastores dedicando a maior parte de seu tempo tentando aprender aquilo que Freud e cia tem a dizer sobre o comportamento humano.

Bom, antes que seja apedrejado pelos psicólogos que me lêem, afirmo que considero a profissão de psicólogo extremamente importante em nossa sociedade, entretanto, ao contrário de outros segmentos, acredito que tanto o pastor como o teólogo deveriam priorizar exclusivamente o estudo das Sagradas Escrituras, como também da Teologia. No entanto, em virtude do relativismo de nosso tempo, onde o que mais se enfatiza é a satisfação pessoal, inúmeros lideres cristãos, das mais diversas denominações, tem abandonado o estudo sistemático da Palavra de Deus para dedicar-se ao estudo do comportamento humano, proporcionando com isso a "adequação" do evangelho de Cristo aos padrões humanistas deste tempo pós-moderno.

Ora, nestes últimos anos, o número de pastores interessados em psicologia aumentou consideravelmente. Em 2000, A revista Veja trouxe um artigo intitulado "A Bíblia no Divã", mostrando que é cada vez maior o número de pastores que têm procurado os cursos de formação rápida de psicanálise tentando conciliar Freud com o Senhor Jesus Cristo.

Caro leitor, sinceramente fico a questionar qual o propósito desses pastores. Será que querem aprender como lidar com o ser humano usando concomitamente a Bíblia e Freud? Será que acreditam que através da psicanálise estão habilitados para a tarefa pastoral do aconselhamento?

Confesso que sinto-me profundamente entristecido em ver que homens de Deus têm abandonado a suficiência das Escrituras em detrimento aos ensinamentos da psicanálise. Ora, sem a menor sombra de dúvidas a Bíblia é fonte inesgotável, incomparável, insubstituível, indispensável, inequívoca, indiscutível de sabedoria.

As Escrituras Sagradas contém remédio para a psiquê. A Santa Palavra de Deus é o nosso maior e melhor manual de aconselhamento. Como bem disse o salmista: a Palavra de Deus é “perfeita e restaura a alma”; é “fiel e dá sabedoria aos símplices”; é correta e alegra o coração; é pura e “ilumina os olhos”. Seus ensinos são “mais desejáveis do que o ouro, mais do que muito ouro depurado”. Por meio dela, o povo de Deus é advertido, protegido do erro e de angústias, e, “em os guardar, há grande recompensa” (Sl 19.7-11).

Pense nisso!

Amando a Deus por amar a Verdade


Por John Piper

Nosso interesse pela verdade é uma expressão inevitável de nosso interesse por Deus. Se Deus existe, Ele é a medida de todas as coisas, e o que Deus pensa é a medida de tudo o que devemos pensar. Não se interessar pela verdade é o mesmo que não se interessar por Deus. Amar a Deus intensamente implica amar a verdade na mesma proporção. Ter a vida centralizada em Deus significa ser direcionado pela verdade no ministério. Aquilo que não é verdadeiro não procede de Deus. O que é falso é contrário a Deus. Indiferença para com a verdade equivale à indiferença para com a mente de Deus. A pretensão é rebeldia contra a realidade, e quem faz a realidade é Deus. Nosso interesse pela verdade é apenas um eco de nosso interesse por Deus.

Biblicamente, a urgência de sermos direcionados pela verdade é vista pelo menos de três maneiras.

Primeiramente, Deus é verdade. Toda a Trindade é a verdade. Deus Pai é verdadeiro, e nada pode anular a completa fidelidade e confiabilidade em todas as suas promessas e afirmações. "E daí? Se alguns não creram, a incredulidade deles virá desfazer a fidelidade de Deus? De maneira nenhuma! Seja Deus verdadeiro, e mentiroso, todo homem" (Rm 3.3-4).

Deus Filho, que é a própria imagem do Pai, é verdadeiro. Jesus disse: "Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim" (Jo 14.6). Em Apocalipse 19.11, João viu a Jesus glorificado como fiel e verdadeiro: "Vi o céu aberto, e eis um cavalo branco. O seu cavaleiro se chama Fiel e Verdadeiro e julga e peleja com justiça".

Deus Espírito, que pessoalmente, no seu ministério em nós, vive a vida do Pai e do Filho, é o Espírito da verdade. Jesus disse: "Quando, porém, vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que dele procede, esse dará testemunho de mim... quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade" (Jo 15.26; 16.13).

Amar a Deus, o Pai, o Filho e o Espírito, significa amar a verdade. Buscá-los é buscar a verdade. Paixão pela vindicação dEles no mundo envolve uma paixão pela verdade. Não há qualquer separação entre Deus e a verdade. A expressão "Deus é" precede "Deus é amor"; e "Deus é" tem um conteúdo e significado. Deus é uma coisa e não outra coisa. Ele tem caráter. Sua natureza possui características que O definem. O interesse pelo verdadeiro Deus, que não é criado à nossa imagem, é o fundamento de uma vida direcionada pela verdade.

A segunda maneira em que podemos perceber a urgência bíblica de sermos direcionados pela verdade é a terrível advertência de que não amar a verdade equivale a suicídio eterno. Paulo falou sobre um iníquo que, no final dos tempos, virá "com todo poder, e sinais, e prodígios da mentira, e com todo engano de injustiça aos que perecem, porque não acolheram o amor da verdade para serem salvos" (2 Ts 2.9-10). Amar a verdade é uma questão de perecer ou ser salvo. Indiferença para com a verdade é a característica peculiar da morte espiritual.

Paulo foi mais além, contrastando o crer na verdade com o ter prazer na impiedade — "A fim de serem julgados todos quantos não deram crédito à verdade; antes, pelo contrário, deleitaram-se com a injustiça" (2 Ts 2.12). Isto mostra que o crer na verdade envolve as afeições, visto que a sua alternativa é "deleitar-se" em outra coisa. Isto também mostra que a verdade é moral e não apenas cognitiva, pois a sua alternativa é a impiedade e não apenas a falsidade. O convincente impacto desta passagem bíblica é que amar a verdade — crer na verdade com todo o coração — é uma questão de vida ou morte eterna.

A terceira razão por que digo que ser dirigido pela verdade é tão urgente se encontra no fato de que o Novo Testamento retrata o viver cristão como o fruto do conhecer a verdade. Por exemplo, quando Paulo disse: "Não sabeis?", como uma repreensão ou um incentivo, em relação a algum comportamento, estava mostrando que o verda­deiro conhecimento mudaria o comportamento. "Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo? E eu, porventura, tomaria os membros de Cristo e os faria membros de meretriz? Absolutamente, não" (1 Co 6.15). Isto significa que conhecer a verdade a respeito do corpo redimido de um crente é uma poderosa fonte de castidade.

"Ou não sabeis que o homem que se une à prostituta forma um só corpo com ela? Porque, como se diz, serão os dois uma só carne... Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos?" (1 Co 6.16,19). Não conhecer a verdade é uma grande causa de irreverência e imoralidade. A verdade é uma fonte de viver cristão santo. Você conhece a verdade, e a verdade o torna livre — do pecado para Deus.

Amar a verdade é uma marca de uma visão de mundo centrali­zada em Deus; é obediência ao primeiro e grande mandamento.

Seguindo a Deus de Perto


“A minha alma apega-se a ti: a tua destra me ampara” (Sl 63:8.).

Por A. W. Tozer

O evangelho nos ensina a doutrina da graça preveniente, que significa simplesmente que, antes de um homem poder buscar a Deus, Deus tem que buscá-lo primeiro.

Para que o pecador tenha uma idéia correta a respeito de Deus, deve receber antes um toque esclarecedor em seu íntimo; que, mesmo que seja imperfeito, não deixa de ser verdadeiro, e é o que desperta nele essa fome espiritual que o leva à oração e à busca.

Procuramos a Deus porque, e somente porque, Ele primeiramente colocou em nós o anseio que nos lança nessa busca. “Ninguém pode vir a mim”, disse o Senhor Jesus, “se o Pai que me enviou não o trouxer” (Jo 6:44), e é justamente através desse trazer preveniente, que Deus tira de nós todo vestígio de mérito pelo ato de nos achegarmos a Ele. O impulso de buscar a Deus origina-se em Deus, mas a realização do impulso depende de O seguirmos de todo o coração. E durante todo o tempo em que O buscamos, já estamos em Sua mão: “... o Senhor o segura pela mão” (Sl 37:24.).

Nesse “amparo” divino e no ato humano de “apegar-se” não há contradição. Tudo provém de Deus, pois, segundo afirma Von Hügel, Deus é sempre a causa primeira. Na prática, entretanto (isto é, quando a operação prévia de Deus se combina com uma reação positiva do homem), cabe ao homem a iniciativa de buscar a Deus. De nossa parte deve haver uma participação positiva, para que essa atração divina possa produzir resultados em termos de uma experiência pessoal com Deus. Isso transparece na calorosa linguagem que expressa o sentimento pessoal do salmista no Salmo 42: “Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo: quando irei e me verei perante a face de Deus?” E um apelo que parte do mais profundo da alma, e qualquer coração anelante pode muito bem entendê-lo.

A doutrina da justificação pela fé — uma verdade bíblica, e uma bênção que nos liberta do legalismo estéril e de um inútil esforço próprio — em nosso tempo tem-se degenerado bastante, e muitos lhe dão uma interpretação que acaba se constituindo um obstáculo para que o homem chegue a um conhecimento verdadeiro de Deus. O milagre do novo nascimento está sendo entendido como um processo mecânico e sem vida. Parece que o exercício da fé já não abala a estrutura moral do homem, nem modifica a sua velha natureza. É como se ele pudesse aceitar a Cristo sem que, em seu coração, surgisse um genuíno amor pelo Salvador. Contudo, o homem que não tem fome nem sede de Deus pode estar salvo? No entanto, é exatamente nesse sentido que ele é orientado: conformar-se com uma transformação apenas superficial.

Os cientistas modernos perderam Deus de vista, em meio às maravilhas da criação; nós, os crentes, corremos o perigo de perdermos Deus de vista em meio às maravilhas da Sua Palavra. Andamos quase inteiramente esquecidos de que Deus é uma pessoa, e que, por isso, devemos cultivar nossa comunhão com Ele como cultivamos nosso companheirismo com qualquer outra pessoa. É parte inerente de nossa personalidade conhecer outras personalidades, mas ninguém pode chegar a um conhecimento pleno de outrem através de um encontro apenas. Somente após uma prolongada e afetuosa convivência é que dois seres podem avaliar mutuamente sua capacidade total.

Todo contato social entre os seres humanos consiste de um reconhecimento de uma personalidade para com outra, e varia desde um esbarrão casual entre dois homens, até a comunhão mais íntima de que é capaz a alma humana. O sentimento religioso consiste, em sua essência, numa reação favorável das personalidades criadas, para com a Personalidade Criadora, Deus. “E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste".

Deus é uma pessoa, e nas profundezas de Sua poderosa natureza Ele pensa, deseja, tem gozo, sente, ama, quer e sofre, como qualquer outra pessoa. Em seu relacionamento conosco, Ele se mantém fiel a esse padrão de comportamento da personalidade. Ele se comunica conosco por meio de nossa mente, vontade e emoções.

O cerne da mensagem do Novo Testamento é a comunhão entre Deus e a alma remida, manifestada em um livre e constante intercâmbio de amor e pensamento.

Esse intercâmbio, entre Deus e a alma, pode ser constatado pela percepção consciente do crente. É uma experiência pessoal, isto é, não vem através da igreja, como Corpo, mas precisa ser vivida, por cada membro. Depois, em conseqüência dele, todo o Corpo será abençoado. E é uma experiência consciente: isto é, não se situa no campo do subconsciente, nem ocorre sem a participação da alma (como, por exemplo, segundo alguns imaginam, se dá com o batismo infantil), mas é perfeitamente perceptível, de modo que o homem pode “conhecer” essa experiência, assim como pode conhecer qualquer outro fato experimental.

Nós somos em miniatura, (excetuando os nossos pecados) aquilo que Deus é em forma infinita. Tendo sido feitos a Sua imagem, temos dentro de nós a capacidade de conhecê-lO. Enquanto em pecado, falta-nos tão-somente o poder. Mas, a partir do momento em que o Espírito nos revivifica, dando-nos uma vida regenerada, todo o nosso ser passa a gozar de afinidade com Deus, mostrando-se exultante e grato. Isso é este nascer do Espírito sem o qual não podemos ver o reino de Deus. Entretanto, isso não é o fim, mas apenas o começo, pois é a partir daí que o nosso coração inicia o glorioso caminho da busca, que consiste em penetrar nas infinitas riquezas de Deus. Posso dizer que começamos neste ponto, mas digo também que homem nenhum já chegou ao final dessa exploração, pois os mistérios da Trindade são tão grandes e insondáveis que não têm limite nem fim.

Encontrar-se com o Senhor, e mesmo assim continuar a buscá-lO, é o paradoxo da alma que ama a Deus. É um sentimento desconhecido daqueles que se satisfazem com pouco, mas comprovado na experiência de alguns filhos de Deus que têm o coração abrasado. Se examinarmos a vida de grandes homens e mulheres de Deus, do passado, logo sentiremos o calor com que buscavam ao Senhor. Choravam por Ele, oravam, lutavam e buscavam-nO dia e noite, a tempo e fora do tempo, e, ao encontrá-lO, a comunhão parecia mais doce, após a longa busca. Moisés usou o fato de que conhecia a Deus como argumento para conhecê-lO ainda melhor. “Agora, pois, se achei graça aos teus olhos, rogo-te que me faças saber neste momento o Teu caminho, para que eu Te conheça, e ache graça aos Teus olhos” (Ex 33:13). E, partindo daí, fez um pedido ainda mais ousado: “Rogo-te que me mostres a tua glória” (Ex 33:18). Deus ficou verdadeiramente alegre com essa demonstração de ardor e, no dia seguinte, chamou Moisés ao monte, e ali, em solene cortejo, fez toda a Sua glória passar diante dele.

A vida de Davi foi uma contínua ânsia espiritual. Em todos os seus salmos ecoa o clamor de uma alma anelante, seguido pelo brado de regozijo daquele que é atendido. Paulo confessou que a mola-mestra de sua vida era o seu intenso desejo de conhecer a Cristo mais e mais. “Para O conhecer” (Fp 3:10), era o objetivo de seu viver, e para alcançar isso, sacrificou todas as outras coisas. “Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus meu Senhor: por amor do qual perdi todas as cousas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo” (Fp 3:8).

Muitos hinos evangélicos revelam este anelo da alma por Deus, embora a pessoa que canta, já saiba que o encontrou. Há apenas uma geração, nossos antepassados cantavam o hino que dizia: “Verei e seguirei o Seu caminho”; hoje não o ouvimos mais entre os cristãos. É uma tragédia que, nesta época de trevas, deixemos só para os pastores e líderes a busca de uma comunhão mais íntima com Deus. Agora, tudo se resume num ato inicial de “aceitar” a Cristo (a propósito, esta palavra não é encontrada na Bíblia), e daí por diante não se espera que o convertido almeje qualquer outra revelação de Deus para a sua alma. Estamos sendo confundidos por uma lógica espúria que argumenta que, se já encontramos o Senhor, não temos mais necessidade de buscá-lO. Esse conceito nos é apresentado como sendo o mais ortodoxo, e muitos não aceitariam a hipótese de que um crente instruído na Palavra pudesse crer de outra forma. Assim sendo, todas as palavras de testemunho da Igreja que significam adoração, busca e louvor, são friamente postas de lado. A doutrina que fala de uma experiência do coração, aceita pelo grande contingente dos santos que possuíam o bom perfume de Cristo, hoje é substituída por uma interpretação superficial das Escrituras, que sem dúvida soaria como muito estranha para Agostinho, Rutherford ou Brainerd.

Em meio a toda essa frieza existem ainda alguns — alegro-me em reconhecer — que jamais se contentarão com essa lógica superficial. Talvez até reconheçam a força do argumento, mas depois saem em lágrimas à procura de algum lugar isolado, a fim de orarem: “Ó Deus, mostra-me a tua glória”. Querem provar, ver com os olhos do íntimo, quão maravilhoso Deus é.

É meu propósito instilar nos leitores um anseio mais profundo pela presença de Deus. É justamente a ausência desse anseio que nos tem conduzido a esse baixo nível espiritual que presenciamos em nossos dias. Uma vida cristã estagnada e infrutífera é resultado da ausência de uma sede maior de comunhão com Deus. A complacência é inimigo mortal do crescimento cristão. Se não existir um desejo profundo de comunhão, não haverá manifestação de Cristo para o Seu povo. Ele espera que o procuremos. Infelizmente, no caso de muitos crentes, é em vão que essa espera se prolonga.

Cada época tem suas próprias características. Neste exato instante encontramo-nos em um período de grande complexidade religiosa. A simplicidade existente em Cristo raramente se acha entre nós. Em lugar disso, vêem-se apenas programas, métodos, organizações e um mundo de atividades animadas, que ocupam tempo e atenção, mas que jamais podem satisfazer à fome da alma. A superficialidade de nossas experiências íntimas, a forma vazia de nossa adoração, e aquela servil imitação do mundo, que caracterizam nossos métodos promocionais, tudo testifica que nós, em nossos dias, conhecemos a Deus apenas imperfeitamente, e que raramente experimentamos a Sua paz.

Se desejamos encontrar a Deus em meio a todas as exteriorizações religiosas, primeiramente temos que resolver buscá-Lo, e daí por diante prosseguir no caminho da simplicidade. Agora, como sempre o fez, Deus revela-Se aos pequeninos e se oculta daqueles que são sábios e prudentes aos seus próprios olhos. É mister que simplifiquemos nossa maneira de nos aproximar dEle. Urge que fiquemos tão-somente com o que é essencial (e felizmente, bem poucas coisas são essenciais). Devemos deixar de lado todo esforço para impressioná-lO e ir a Deus com a singeleza de coração da criança. Se agirmos dessa forma, Deus nos responderá sem demora.

Não importa o que a Igreja e as outras religiões digam. Na realidade, o que precisamos é de Deus mesmo. O hábito condenável de buscar “a Deus e” é que nos impede de encontrar ao Senhor na plenitude de Sua revelação. É no conectivo “e” que reside toda a nossa dificuldade. Se omitíssemos esse “e”, em breve acharíamos o Senhor e nEle encontraríamos aquilo por que intimamente sempre anelamos. Não precisamos temer que, se visarmos tão-somente a comunhão com Deus, estejamos limitando nossa vida ou inibindo os impulsos naturais do coração. O oposto é que é verdade. Convém-nos perfeitamente fazer de Deus o nosso tudo, concentrando-nos nEle, e sacrificando tudo por causa dEle.

O autor do estranho e antigo clássico inglês, The Cloud of Unknowing (A nuvem do desconhecimento), dá-nos instruções de como conseguir isso. Diz ele: “Eleve seu coração a Deus num impulso de amor; busque a Ele, e não Suas bênçãos. Daí por diante, rejeite qualquer pensamento que não esteja relacionado com Deus. E assim não faça nada com sua própria capacidade, nem segundo a sua vontade, mas somente de acordo com Deus. Para Deus, esse é o mais agradável exercício espiritual”.

Em outro trecho, o mesmo autor recomenda que, em nossas orações, nos despojemos de todo o empecilho, até mesmo de nosso conhecimento teológico. “Pois lhe basta a intenção de dirigir-se a Deus, sem qualquer outro motivo além da pessoa dEle.” Não obstante, sob todos os seus pensamentos, aparece o alicerce firme da verdade neotestamentária, porquanto explica o autor que, ao referir-se a “ele”, tem em vista “Deus que o criou, resgatou, e que, em Sua graça, o chamou para aquilo que você agora é”. Este autor defende vigorosamente a simplicidade total: “Se desejamos ver a religião cristã resumida em uma única palavra, para assim compreendermos melhor o seu alcance, então tomemos uma palavra de uma sílaba ou duas. Quanto mais curta a palavra, melhor será, pois uma palavra menor está mais de acordo com a simplicidade que caracteriza toda a operação do Espírito. Tal palavra deve ser ou Deus ou Amor”.

Quando o Senhor dividiu a terra de Canaã entre as tribos de Israel, a de Levi não recebeu partilha alguma. Deus disse-lhe simplesmente: “Eu sou a tua porção e a tua herança no meio dos filhos de Israel” (Nm 18:20), e com essas palavras tornou-a mais rica que todas as suas tribos irmãs, mais rica que todos os reis e rajás que já viveram neste mundo. E em tudo isto transparece um princípio espiritual, um princípio que continua em vigor para todo sacerdote do Deus Altíssimo.

O homem, cujo tesouro é o Senhor, tem todas as coisas concentradas nEle. Outros tesouros comuns talvez lhe sejam negados, mas mesmo que lhe seja permitido desfrutar deles, o usufruto de tais coisas será tão diluído que nunca é necessário à sua felicidade. E se lhe acontecer de vê-los desaparecer, um por um, provavelmente não experimentará sensação de perda, pois conta com a fonte, com a origem de todas as coisas, em Deus, em quem encontra toda satisfação, todo prazer e todo deleite. Não se importa com a perda, já que, em realidade nada perdeu, e possui tudo em uma pessoa — Deus — de maneira pura, legítima e eterna.

Ó Deus, tenho provado da Tua bondade, e se ela me satisfaz, também aumenta minha sede de experimentar ainda mais. Estou perfeitamente consciente de que necessito de mais graça. Envergonho-me de não possuir uma fome maior. Ó Deus, ó Deus trino, quero buscar-Te mais; quero buscar apenas a Ti; tenho sede de tornar-me mais sedento ainda. Mostra-me a Tua glória, rogo-Te, para que assim possa conhecer-Te verdadeiramente. Por Tua misericórdia, começa em meu íntimo uma nova operação de amor. Diz à minha alma: “Levanta-te, querida minha, formosa minha, e vem” (Ct 2:10). E dá-me graça para que me levante e te siga, saindo deste vale escuro onde estou vagueando há tanto tempo. Em nome de Jesus. Amém.

Fonte: Ortopraxia