terça-feira, 12 de abril de 2011

"Deus, uma lembrança." Confira entrevista com Rubem Alves, publicada no jornal Valor Econômico de 28/01.


Marília de Camargo César, de São Paulo
28/01/2011

Onde estava Deus enquanto as encostas da serra fluminense despencavam, acabando com a vida de tanta gente? “Se é onipotente, onisciente e onipresente, por que nada fez? Estava dormindo?”, pergunta um indignado Rubem Alves, teólogo, filósofo, psicanalista, colunista da “Folha de S. Paulo” e ex-pastor protestante.

Esta entrevista é para falar sobre coisas boas – tema de seu novo livro, segunda edição atualizada de “Livro sem Fim”, lançado em 2002 pelas Edições Loyola. Agora, é editado pela Planeta. Em “Variações sobre o Prazer”, Alves passeia por ideias de Santo Agostinho, Friedrich Nietzsche e Karl Marx e pela sabedoria da protagonista do filme “A Festa de Babette” para refletir sobre teologia, filosofia, economia e culinária e chegar às coisas que realmente import am – a beleza do voo do sabiá, o cheiro da manga, a contemplação artística e as crianças. Mas a tragédia está por toda parte, e o autor parece querer desabafar. “Não, não estou com raiva de Deus, porque ele não existe. Se existisse, ia fazer alguma coisa.”

A indignação não estaria mirando o alvo errado? Não são os seres humanos os responsáveis pela tragédia, por causa de decisões erradas? “É engano dizer que as coisas estão acontecendo apenas por nossa responsabilidade – isso é coisa da natureza -, o mundo inteiro está assim – na China é o gelo, na Europa, as chuvas -, o mundo está de cabeça para baixo! Se Deus amasse realmente o mundo, ele tomaria uma providência. Em primeiro lugar, ele mataria as pessoas certas. Ele está com a pontaria péssima – se fosse meu empregado, já estaria demitido há muito tempo – incompetência administrativa.”

Para o escritor Rubem Alves, Deus, hoje, é apenas uma nostalgia. É curioso notar que com seus mais de 100 livros – dentre os quais 35 para crianças, ele inspira ainda hoje seminaristas e pastores evangélicos progressistas, que encontram em seus textos uma teologia mais liberal e autêntica.

O escritor cita o verso de “Pedaço de Mim”, de Chico Buarque, para ilustrar o que quer dizer: “A saudade é arrumar o quarto pro filho que já morreu”. E pergunta: “Qual é a mãe que ama mais, aquela que arruma o quarto para o filho que vai chegar amanhã ou a que arruma para o filho que não vai chegar? Você pode amar uma coisa que não existe. Para mim, é assim, Deus é meu filho que não existe, é meu pai que não existe”.

Alves esteve doente, muito doente. O ano passado foi pesado: lutou contra um câncer no estômago – fez uma cirurgia para remover o órgão -, trocou uma válvula do coração e teve um sério problema de coluna. Nem todo esse sofrimento fez que se voltasse para o Deus dos cristãos, que um dia seguiu. “Fé para curar o câncer eu não tenho. Sabe o que é fé? É estar no avião com um paraquedas nas costas e de re pente dar um salto no abismo, acreditando que o paraquedas vai abrir”, afirma. “Ser generoso, honesto, não porque Deus está mandando ou por esperar uma recompensa.”

Muitos cristãos, acredita o escritor, são ensinados hoje num tipo de Evangelho interesseiro, que iria, como Alves define no livro, direto para a “caixa de ferramentas”. O autor toma emprestado um conceito de Agostinho e separa os elementos da vida em duas caixas – uma para as coisas feitas para dar prazer e ser contempladas (a caixa dos brinquedos) e outra para tudo o que é objetivo e utilitário. Santo Agostinho escreveu que todas as coisas do mundo estavam guardadas em duas feiras – a feira das utilidades e a feira da fruição. A primeira, segundo a releitura do autor, é a feira do poder. “A feira da fruição é o lugar do amor.”

Resgatar o prazer que há em, por exemplo, lambuzar-se ao comer um caqui ou uma manga entra, segundo o escritor, na experiência erótica do tato. “Come-se por prazer. Comer uma fruta é uma alegria. Não foi por acidente que os escritores sagrados, profundos conhecedores da alma humana, escolheram uma fruta como o lugar onde os deuses depositaram o seu saber. O saber dos deuses é comestível, saboroso, é ’sapientia’”, escreve no livro.

O erotismo do tato, da contemplação estética ou mesmo do olfato é algo estranho ao universo de muitos cristãos, segundo Alves. “Os cristãos têm um problema com o prazer. Você não vê ninguém fazendo uma promessa a Deus e dizendo assim: ‘Oh, Deus, se tu me deres esta bênção, prometo tocar toda manhã um CD de Bach, ou tomar toda noite uma taça de bom vinho’. As pessoas oferecem a Deus cascas de ferida porque elas acham que Deus fica feliz quando a gente está sofrendo. Têm uma ideia sádica de Deus.”

Essa dimensão erótica precisa ser resgatada também no campo da economia, da filosofia e da culinária. “Marx tinha a ver com prazer – ele fala que a economia é para produzir prazer. Nos manuscritos de 1844, já fala disso, que a economia é para tornar os homens felizes, para gozar a vida, a arte. Nós eliminamos tudo isso da tradição marxista – eu adoro Marx, mas tenho raiva dos marxistas, porque eles não lidam com a dimensão erótica de Marx.”

No capítulo sobre Nietzsche, Alves observa que o filósofo foi mal traduzido em seu conceito sobre o “super-homem”. Na visão de Rubem Alves, a melhor tradução para o termo alemão “übermensch” seria o “homem transbordante”, um ser humano tão rico interiormente que chega a transbordar, como se fosse uma fonte. “Qual é o ideal desse homem transbordante? A criança.”
O ideal, então, é uma utopia – tornar-se como as crianças “para herdar o reino”, como prega o Deus dos cristãos, que um dia Rubem Alves seguiu, mas hoje é apenas uma lembrança.

Fonte: História e Debate

Rubem Alves equivocado

A oração de Jesus no Getsêmani não foi copiada de um texto de teatro


Não se protege a fé cristã proibindo-se a leitura deste ou daquele livro. Não se protege a fé cristã jogando-se na fogueira uma montanha de livros e artigos de jornais e revistas, de filmes e documentários, de peças de teatro e de música. A fé cristã só sobrevive se estiver firmada sobre o Jesus da Bíblia e sobre convicções inabaláveis, não apenas herdadas desde o berço, mas também trabalhadas e aprofundadas pela busca, pela oração e pela experiência religiosa. Não se pode ser ingênuo: a fé cristã sempre será posta em dúvida.

O documentário O Túmulo Secreto de Jesus (2007), produzido por James Cameron e dirigido pelo cineasta Simcha Jacobovici, diz a propaganda, “conta a história daquela que pode ser a maior descoberta arqueológica na história”, a saber, “a tumba encontrada na periferia de Jerusalém abrigaria os restos mortais de Jesus e sua família”. Ora, “se Cristo não ressuscitou, é inútil a nossa pregação, como também é inútil a fé que vocês têm”, explica Paulo (1Co 15.14).

Outro exemplo é o Evangelho de Tomás, apócrifo, descoberto perto da base do rochedo Jabal al-Tarif, junto ao rio Nilo, há mais de 50 anos. Além das histórias fantásticas envolvendo a infância de Jesus (num acesso de raiva, ele derrubou um menino que sem querer esbarrou nele), o pequeno livro diz que o Senhor não morreu pelos pecados de ninguém. Embora em confronto direto com os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, há quem se deixe impressionar pelo Evangelho de Tomás, dito irmão gêmeo de Jesus.

Negar a expiação realizada pela morte vicária de Jesus é reduzir a nada o Novo Testamento e o cristianismo, bem como minar a certeza e a esperança da salvação. Enquanto “o pecado entrou no mundo por um homem, e pelo pecado a morte” (Rm 5.12), Jesus “é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29). É tudo muito consistente, muito claro, muito incisivo, muito esclarecedor e muito verdadeiro.

Ao mesmo tempo, o sacrifício expiatório realizado por Jesus Cristo é uma das verdades mais questionadas pelos céticos. Recentemente, o apreciado teólogo, filósofo e psicanalista Rubem Alves tornou a negar o significado salvífico da morte de Jesus, anunciada pelo profeta Isaías 700 anos antes de Cristo: “Todos nós éramos como ovelhas que haviam se perdido; cada um de nós seguia o seu próprio caminho. Mas o Senhor castigou o seu servo [Jesus Cristo]; fez com que ele sofresse o castigo que nós merecíamos” (Is 53.6, NTLH). Em dezembro de 2000, Rubem Alves fez uma estranha confissão à revista Isto É: “Hoje, as idéias centrais da teologia cristã em que acreditei nada significam para mim: são cascas de cigarras vazias. Não as entendo. Não as amo. Não posso amar um Pai que mata o Filho para satisfazer sua justiça” (Isto É, 20/12/2000, p. 90). Exatamente sete anos depois, através de um artigo publicado na Folha de São Paulo, o ex-pastor da Igreja Presbiteriana de Lavras, MG (de 1959 a 1966), volta a questionar: “Sinto uma dúvida crescente sobre a paixão de Jesus”. Logo em seguida, diz que a oração de Jesus no Getsêmani (“Meu Pai, se for possível, afasta de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas sim como tu queres”) “parece ter sido copiada de um texto de teatro...” e pergunta ao leitor: “Você acredita nisso?” (Folha de São Paulo, 2/10/07, p. C2).

Muitos cristãos respondem tranqüilamente: “Nós acreditamos”!

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