sábado, 28 de abril de 2012

A Tradição Evangélica

Por John Stott

Gostaria de argumentar, embora corra o risco de simplificar em demasia e de ser acusado de arrogante, que a fé evangélica não é outra senão a fé cristã histórica. O cristão evangélico não é aquele que diverge, mas que busca ser leal em sua procura pela graça de Deus, a fim de ser fiel à revelação que Deus fez de si mesmo em Cristo e nas Escrituras.

A fé evangélica não é uma visão peculiar ou esotérica da fé cristã – ela é a fé cristã. Não é uma inovação recente. A fé evangélica é o cristianismo original, bíblico e apostólico. A marca dos evangélicos não é tanto um conjunto impecável de palavras quanto um espírito submisso, a saber, a resolução a priori de crer e de obedecer ao que quer que seja que as Escrituras ensinem.

Eles estão, de antemão, comprometidos com as Escrituras, independentemente do que se possa descobrir que elas digam. Eles afirmam não ter liberdade para lançar seus próprios termos para sua crença e comportamento. Percebem essa perspectiva de humildade e de obediência como uma implicação essencial do senhorio de Cristo sobre eles.

As tradições católica e liberal tendem a exaltar a inteligência e a bondade humana e, portanto, esperam que os seres humanos contribuam de alguma forma para a iluminação e salvação deles mesmos. Os evangélicos, de outro lado, embora afirmem veementemente a imagem divina que a nossa humanidade carrega, têm a tendência de enfatizar nossa finitude humana e queda e, portanto, de insistir que sem a revelação não podemos conhecer Deus e sem a redenção não podemos alcançá-lo.

Essa é a razão pela qual os aspectos essenciais do evangelho focam a Bíblia e a cruz, bem como a indispensabilidade delas, uma vez que foi por meio delas que a Palavra de Deus nos foi comunicada e que a obra de Deus em favor de nós foi realizada. Na verdade, sua graça apresenta a forma trinitária. Primeiro, Deus tomou a iniciativa em ambas as esferas, ensinando-nos o que não poderíamos saber de outra forma, bem como dando-nos o que não poderia nos ser dado de outra maneira. Segundo, em ambas as esferas o Filho desempenha um papel singular, como o único mediador por meio de quem a iniciativa do Pai foi tomada. Ele é a Palavra que se fez carne, por meio de quem a glória do Pai foi manifestada. Ele é o imaculado que se tornou pecado por nós para que o Pai pudesse nos reconciliar com ele mesmo.

Além disso, a Palavra de Deus falada por meio de Cristo e a obra de Deus realizada por intermédio de Cristo eram ambas hapax , completadas de uma vez por todas. Nada pode ser acrescentado a nenhuma delas, sem que com isso se deprecie a perfeição da palavra e da obra de Deus realizada por meio de Cristo. Depois, em terceiro lugar, tanto na revelação quanto na redenção, o ministério do Espírito Santo é essencial. É ele que ilumina nossa mente para compreender o que Deus revelou em Cristo, e é ele quem move nosso coração para receber o que Deus alcançou por meio de Cristo.

Assim, nessas duas esferas, o Pai agiu por meio do Filho e continua a agir por meio do Espírito Santo. Os evangélicos consideram essencial crer não apenas no evangelho revelado na Bíblia, mas também em toda a revelação da Bíblia; crer não apenas que “Cristo morreu por nós”, mas também que ele morreu “por nossos pecados” e, de forma que Deus, em amor santo, pode perdoar os crentes penitentes; crer não apenas que recebemos o Espírito, mas também que ele faz uma obra sobrenatural em nós, algo que, de variadas formas, foi retratado no Novo Testamento como “regeneração”, “ressurreição” e “recriação”.

Eis aqui três aspectos da iniciativa divina: Deus revelou-se em Cristo e no testemunho bíblico total sobre Cristo; Deus redimiu o mundo por meio de Cristo e tornou-se pecado e maldição por nós; e Deus transformou radicalmente os pecadores pela operação interna de seu Espírito.

A fé evangélica, assim afirmada, é o cristianismo histórico, maior e trinitário, e não um desvio excêntrico dele. Pois não vemos a nós mesmos oferecendo um novo cristianismo, mas chamando a Igreja ao cristianismo original.

Se “evangélico” descreve uma teologia, essa teologia é a teologia bíblica. Os evangélicos argumentam que são cristãos bíblicos plenos e que, para ser um cristão bíblico, é necessário ser cristão evangélico. Explicando dessa forma, isso pode soar como arrogância e exclusivismo, mas essa é uma crença sincera. Certamente, o desejo sincero dos evangélicos é não ser um cristão mais ou menos bíblico. A intenção deles não é ser sectário. Isto é, eles não se apegam a certos princípios apenas para manter a identidade deles como um “grupo”. Ao contrário, sempre expressaram sua prontidão para modificar, até mesmo abandonar, quaisquer das crenças que estimam, ou, se necessário, todas elas, se lhes for demonstrado que não são bíblicas.

Os evangélicos, portanto, consideram como a única possível via para a reunião das igrejas a via da reforma bíblica. De acordo com o ponto de vista deles, a única esperança firme para as igrejas que desejam se unir é a disposição comum para se sentarem juntas sob a autoridade da Palavra de Deus, a fim de serem julgadas por ela.

O significado da palavra “conservador” quando aplicada aos evangélicos, é que nos apegamos veementemente aos ensinos de Cristo e dos apóstolos, conforme apresentados no Novo Testamento, e que estamos determinados a “conservar” toda a fé bíblica. Isso foi o que o apóstolo determinou que Timóteo fizesse: “Guarde o que lhe foi confiado”, conserve isso, preserve isso, jamais abandone seu apego a isso, nem deixe que isso caia de suas mãos.

Fonte: Apenas

quinta-feira, 26 de abril de 2012

O Homem e a Felicidade - Hernandes Dias Lopes

Não quebre meu galho

Por Adeildo Nascimento Filho

Existe uma história antiga, cujo autor eu não conheço, que fala sobre um homem que escorregou na beira de um penhasco. Enquanto ele caía conseguiu se segurar num galho. Sentindo a situação piorar cada vez mais começou a gritar em direção do abismo: “Socorro. Tem alguém aí?” foi quando ouviu uma voz que lhe disse: “Olá. Eu sou Deus, estou aqui. Apenas solte do galho e se jogue que eu te seguro”. O homem pensou por alguns instantes e gritou novamente: “Tem alguém mais aí?”.

Fé. Negócio complicado este. Fé no invisível. Piorou.

Difícil colocar a fé naquilo que não vemos, não tocamos.

Normalmente, e acredito que na maioria das vezes, a fé cristã é confundida com pensamento positivo. Com foco otimista no que ainda está por vir. Isso tem rendido alguns milhões para alguns espertos que começaram a comercializar este tipo de fé. Um misto de autoajuda com palavras positivistas e deterministas que acham um terreno extremamente fértil no coração de pessoas sofridas, pobres e esquecidas pelos nossos poderes públicos e escravizadas num país em que a divisão de renda não é lá essas coisas.

A quem diga que a canalização dos pensamentos positivos, a verbalização dos desejos e por aí vai sejam um “segredo” dado a poucos agraciados que tem enriquecido, sarado e prosperado de uma maneira nunca antes vista. A junção deste pensamento com mensagens cristãs tem produzido um sincretismo avassalador que tem encontrado abrigo em vários ouvidos e corações. Tudo embalado em lindos pacotes floridos e coloridos produzidos e entregues em enormes campanhas de divulgação do tipo “seus problemas acabaram”.

Tudo muito diferente da mensagem pregada por um carpinteiro pobre, nada bonito, nada elegante, nada midiático e muito menos engomado. Quem se jogaria de sua vida abastada, tranquila e próspera na conversa de um judeu maluco que aparece dizendo ser o filho de Deus? C.S. Lewis já havia dito isto há algum tempo atrás quando falou que Jesus não deixou espaço para dúvidas, ou era louco ou era o filho de Deus, nada além disso. Hoje já acharam o meio termo dessa história e o estão usando para angariar fundos. Jesus líder, executivo, empreendedor, psicólogo, ensinador, professor, comunicador, poeta, artista, rebelde, assistente social e por aí vai. Tudo para comprovar que “tem mais alguém aí” além do Deus encarnado, do Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Tudo para tirar o foco do calvário.

Note que as mensagens atuais de fé (a prova daquilo que não vemos) perderam o foco das coisas que não conseguimos ver e tocar e sutilmente deram lugar a mensagens mais palpáveis e visíveis, ou seja, é fácil se identificar com um executivo, psicólogo, etc. e muito mais difícil se identificar com alguém que deixa toda a sua glória e que morre por seus inimigos. É muito mais fácil se identificar e seguir um grande general do que alguém que oferece a outra face depois de uma bofetada. É mais fácil ter como parâmetro homens ricos e prósperos do que imitar alguém que vende tudo o que tem e dá aos pobres. Mais fácil acreditar na casa nova, no carro e na promoção do que tomar uma cruz em suas costas.

A maioria até pede por socorro e busca referenciais de fé, mas quando são apresentados ao verdadeiro evangelho preferem clamar por “alguém mais” além Dele. Os espertos de plantão entenderam o novo clamor social e produziram o que eu diria ser um “Jesus Light”. Um salvador para cada tipo de freguês. Uma fé para cada tipo de necessidade.

Assim ninguém precisa dar saltos de fé. Todo mundo seguro, torcendo para que seus galhos não quebrem até que passe alguém que os tire de lá sem a necessidade de que se joguem.

“Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não veem.” Hb 11:1

Fonte: Napec

terça-feira, 24 de abril de 2012

Do fracasso à fidelidade – João Marcos, o primeiro filho de crente

Por Jesse Johnson

Ao me preparar para pregar pelo evangelho de Marcos, tenho ficado perplexo com a vida do autor.

João Marcos talvez tenha sido o primeiro filho de crente. Sua mãe, Maria, era viúva, e João Marcos era, provavelmente, um adolescente na época do Pentecostes. A igreja de Jerusalém se reunia de casa em casa, mas as maiores reuniões ocorriam na casa de Marcos. Por ter crescido sem um pai, e por Pedro ser o pastor da igreja da casa de Marcos (pelo menos durante sua adolescência), os dois tinham um relacionamento especial. Pedro o chamava de seu próprio filho (1 Pedro 5.13).

João Marcos assitiu de perto muito do drama e dos perigos que a igreja primitiva experimentou. Quando Pedro foi preso e milagrosamente solto, a igreja estava reunida na casa de Marcos, orando pela salvação de Pedro. De fato, quando o anjo resgatou Pedro, ele se viu livre, nas ruas de Jerusalém, procurado pelas autoridades, no meio da noite. Buscando abrigo, ele foi diretamente para o local da reunião de oração, bateu na porta da casa de Marcos e, como muitos conhecem a história, teve que esperar um pouco do lado de fora enquanto os de dentro demoravam a acreditar que Deus tinha realmente respondido suas orações.

Foi após esse evento cômico que Marcos participou da primeira expedição missionária autorizada pela igreja. Houve outros missionários antes, é claro, mas esses haviam ido para o campo por causa da perseguição, não de forma planejada. Dessa vez era diferente. A igreja se reuniu e separou Paulo e Barnabé para ir aos gentios. E enviaram João Marcos com eles. Talvez porque ele tinha dois nomes (“João”, um nome judeu e “Marcos”, grego – Atos 12.25 deixa esse fator implícito), e talvez porque ele era primo de Barnabé (Colossenses 4.10), ele foi enviado para ser o assistente de Paulo e Barnabé (literalmente, um servo – Atos 13.15).

A viagem passou por Chipre, Perge, Icônio e Atália. Igrejas foram plantadas de formas até dramáticas (leia Atos 13 e 14). Mas também houve muitas dificuldades e perseguições. Eles experimentaram espancamentos, fome e rejeição, e isso tudo parece ter sido demais para Marcos, que os deixou e retornou a Jerusalém.

Alguém pode se perguntar qual foi a reação de Marcos à recepção que Paulo e Barnabé tiveram após a viagem. Quando os dois retornaram a Jerusalém, foram tratados como heróis de guerra. Eles voltaram contando história de como Deus estava alcançando os gentios e as maravilhas que eles experimentaram. Ficamos pensando se Marcos compartilhava dessa alegria ou se ficou desapontado de não estar com eles quando voltaram.

Após o concílio de Atos 15, a igreja decidiu recomissionar Paulo e Barnabé e enviá-los novamente para fortalecer as igrejas. Essa seria a última conversa entre Paulo e Barnabé da qual temos registro. Barnabé insistiu que seu primo tivesse uma segunda chance e lhe fosse dada a oportunidade de servi-los novamente. Paulo recusou veementemente. Ele se recusou a viajar com Marcos novamente, por temer que ele desertasse mais uma vez. Os dois estavam tão firmes em suas posições que seguiram caminhos diferentes. Os presbíteros da igreja ficaram do lado de Paulo e o comissionaram (juntamente com Silas), enquanto Barnabé e Marcos seguiram seu caminho discretamente.

É interessante que, por meio dessa separação, Deus trabalhava providencialmente. Paulo perdeu João Marcos, mas ganhou Silas. Além disso, dois versículos após a separação de Marcos e Paulo, o apóstolo conheceu Timóteo, que se tornou seu filho na fé. Além disso, Lucas ganhou certa proeminência (note, no livro de Atos, a mudança da terceira pessoa para a primeira). Por meio dessa separação, o Espírito Santo não só aproximou Timóteo e Paulo, mas também assegurou que Lucas e Marcos escreveriam dois evangelhos separadamente.

O Senhor pode ter afastado Marcos de Paulo, mas não havia concluído sua obra nele. De alguma forma, ele se juntou a Pedro novamente. Você consegue imaginar alguém melhor que Pedro para discipular João Marcos? F. F. Bruce comenta que é difícil imaginar um par mais apropriado para influenciar esse homem perdido do que Pedro (que sabia uma coisa ou duas sobre o fracasso) e Barnabé (o filho do encorajamento).

É possível que Paulo e João Marcos tenham se encontrado novamente na Galácia, mas isso não ficou registrado. Conforme o ministério de Paulo foi interrompido por sua prisão, ele se encontrou em companhias interessantes. Ele disse a Filemon “Epafras, meu companheiro de prisão por causa de Cristo Jesus, envia-lhe saudações, assim como também Marcos, Aristarco, Demas e Lucas, meus cooperadores.” (v. 23-24). Lucas, obviamente, permaneceu com Paulo, mas, de alguma forma, Paulo deu outra chance a Marcos (assim como a Demas!). Paulo chamou esses homens de “meus cooperadores”, o que não deixa de ser um avanço do título de “servo” que Marcos carregava quando desertou, anteriormente.

E Marcos provou ser fiel até o fim. Na última epístola de Paulo no Novo Testamento, ele estava encarando a morte muito de perto. Estava preso, sem amigos por perto e até mesmo sem roupas apropriadas para sobreviver. Ele se voltou a Timóteo, seu verdadeiro filho na fé, e fez alguns pedidos. Ele pediu seu casaco, alguns livros e alguns pergaminhos (uma possível referência aos evangelhos de Lucas e Mateus?).

Mas isso não é tudo. Ele suplicou a Timóteo:

“Procure vir logo ao meu encontro, pois Demas, amando este mundo, abandonou-me e foi para Tessalônica [...] Só Lucas está comigo. Traga Marcos com você, porque ele me é útil para o ministério.”

Já havia passado vinte ou mais anos desde que Paulo tinha se separado de Barnabé por causa de João Marcos. Agora mais velho, sozinho e ansioso por estar com o Senhor, seu último pedido é ver Marcos novamente.

Pense em tudo que mudou naqueles vinte anos. A Galácia era a fronteira final em Atos 15, mas agora o evangelho havia chegado a Roma, à África, a Chipre, a Corinto e a Creta. E João Marcos passou de ser aquele que abandonou Paulo na primeira viagem missionária para ser o colaborador do apóstolo e, finalmente, o homem que Paulo desejava encontrar antes de morrer.

É de comum acordo, geralmente, entre os teólogos, que Marcos chegou a encontrar com Paulo em Roma, que Paulo foi solto e então viajou até a Espanha. Marcos, entretanto, não o acompanhou. Ao invés disso, permaneceu em Roma até a chegada de Pedro. Lá, ele serviu ao lado de Pedro (1 Pedro 5.13) e escreveu o evangelho que leva seu nome.

Se o testemunho da igreja primitiva é válido (e eu creio que sim), Marcos permaneceu em Roma durante o reinado de Nero, e após a partida de Paulo, ministrou lá até o martírio de Pedro, quando foi para o norte da África e lá encerrou seu caminho, pastoreando uma congregação. Eventualmente, seguiu Paulo e Pedro rumo à sepultura, quando foi martirizado por Nero em Alexandria.

Quando lemos o evangelho de Marcos, é útil lembrar que Marcos sabia o que era ser perseguido. Ele sabia que os cristãos estavam lutando por suas vidas sob o reinado de Nero, enfrentando feras selvagens no coliseu. Quando ele registra as palavras de Jesus sobre as perseguições que viriam, que Jesus não retornaria para resgatar seus seguidores até que o evangelho tivesse alcançado todos os cantos da terra, é essencial enxergar essas palavras vindo da pena de alguém que viu o homem que o criou como filho ser morto por sua fé.

Mas em um nível mais pessoal, João Marcos sabia o que era cair e o que era ser restaurado. Ele serviu ao lado de Pedro e serviu ao lado de Demas. Ele sabia que havia dois resultados possíveis após o fracasso e louvado seja Deus por Paulo ter ido encontrá-Lo vendo Marcos como alguém que era “útil ao ministério”.

Fonte: Iprodigo

A Natureza da Fé Bíblica

Por J. I. Packer

Em primeiro lugar, o que é fé? Vamos aclarar a questão. A idéia popular a respeito é que se trata de um certo otimismo obstinado: a esperança tenazmente assegurada, face à adversidade, de que o universo é fundamentalmente amigável e de que as coisas podem melhorar. Diz a Sra. A. à Sra. B.: "Você precisa ter fé". Mas, tudo quanto ela quer dizer é: "Coragem, não desanime se as coisas vão mal". Isso, porém, é apenas a forma da fé, sem seu conteúdo vital. Uma atitude confiante que seja divorciada de um objeto que corresponda a essa confiança não é a fé no sentido bíblico.

Em contraste, a noção histórica da Igreja Católica Romana acerca da fé tem sido de mera confiança e docilidade. Para Roma, a fé é apenas a crença naquilo que a Igreja Romana ensina. De fato, Roma distingue entre fé "explícita" (a crença em algo que foi compreendido) e fé "implícita" (o assentimento incompreensível de qualquer coisa, seja o que for que a Igreja Romana assevere). A Igreja Romana diz que somente esse último tipo de fé, que na realidade é apenas um voto de confiança no ensino da igreja e que pode manifestar-se lado a lado com a total ignorância da doutrina cristã, é requerido dos leigos para a sua salvação! E evidente que a fé, na concepção da Igreja Romana, quando muito, é apenas o conteúdo da fé, sem sua forma apropriada; pois conhecimento, pouco ou muito, divorciado de qualquer correspondente exercício de confiança, não é a fé, no total sentido bíblico. O exercício da confiança é precisamente o que se faz ausente na análise da Igreja Romana. Segundo Roma, fé consiste em confiar nos ensinos da igreja. Mas, de acordo com a Bíblia, fé significa confiar em Cristo como Salvador, e isso é algo totalmente diferente.

Na Bíblia, ter fé ou crer (no grego, o substantivo é pistis; o verbo é pisteuõ) envolve tanto confiança como entrega da vida. De várias maneiras o objeto da fé é descrito como sendo Deus (Rm 4.24; 1 Pe 1.21), Cristo (Rm 3.22, 26), as promessas de Deus (Rm 4.20), o caráter de Jesus como Messias e Salvador (1 Jo 5.1), a realidade da ressurreição (Rm 10.9), o evangelho (Mc 1.15) e o testemunho dos apóstolos (2 Ts 1.10).

A natureza da fé, porém, é invariável. É uma apreensão responsiva de Deus e de sua verdade salvadora; é um reconhecimento da resposta dada por Deus à necessidade humana, que doutro modo jamais seria atendida; é a compreensão de que o evangelho é a mensagem pessoal de Deus, bem como o convite pessoal de Cristo ao seu ouvinte; é o mover-se confiante da alma em direção ao Deus vivo e ao seu Filho.

Isso se torna claro através da mais comum das construções gramaticais no Novo Testamento grego — o verbo pisteuo com a preposição eis, ou, ocasionalmente, com a preposição epi, com o objeto direto no acusativo — cujo significado é "confiar para dentro de" ou "confiar sobre". Esta construção jamais aparece no grego clássico e raramente na Septuaginta. Trata-se de uma nova expressão idiomática, desenvolvida no Novo Testamento, para expressar a idéia de um movimento de confiança que se dirige ao objeto da confiança e que descansa no mesmo.

Esse é o conceito bíblico e cristão de fé. Os reformadores frisaram esse conceito, afirmando que a fé não é apenas fides (crença), mas também fiducia (confiança). Nas palavras do bispo Ryle:

A fé que salva é a mão da alma. O pecador é como um homem que está se afogando, prestes a afundar de vez. Ele vê o Senhor Jesus Cristo oferecendo-lhe ajuda. Ele a aceita e é salvo. Isso é fé (Hb 6.18).

A fé que salva é o olho da alma. O pecador é como um israelita picado por uma serpente venenosa no deserto e que está à morte. O Senhor Jesus lhe é oferecido como a serpente de bronze, levantado para sua cura. O pecador olha para Ele e é curado. Isso é fé (Jo3.14, 15).

A fé que salva é a boca da alma. O pecador está definhando por falta de comida e sofrendo de uma doença dolorosa. O Senhor Jesus lhe é apresentado como o pão da vida e o remédio universal. Ele O recebe e fica bem de saúde e forte. Isso é fé (Jo. 6.35).

A fé que salva é o pé da alma. O pecador é perseguido por um inimigo mortal e teme ser vencido. O Senhor Jesus lhe é apre¬sentado como uma torre forte, um refúgio e um esconderijo. O pecador corre para Ele e fica em segurança. Isso é fé (Pv 18.10)". {Old Paths — Caminhos Antigos — pp. 228 e 229).

Por todo o Novo Testamento, de fato, esse é o conceito normal de fé. As únicas exceções são as seguintes:

1. Algumas vezes, "fé" exprime o conjunto das verdades em que cremos (Jd 3 e 1 Tm 4.1, 6, etc).

2. Algumas vezes, "fé" significa um mais estrito exercício de confiança, que opera milagres (Mt 17.20, 21; 1 Co 13.2). Mesmo nos dias do Novo Testamento, porém, a fé salvadora nem sempre era acompanhada pela "fé que opera milagres" (cf. 1 Co 12.9) e vice-versa (cf. Mt 7.22, 23).

3. Em Tiago 2.14-26, "fé" e "crer" denotam mero assentimento intelectual à verdade, sem a correspondente resposta de uma vida de obediência confiante. Mas, parece que Tiago estava simplesmente imitando o uso da palavra "fé" daqueles a quem procurava corrigir (cf. v. 14), e não precisamos supor que ele normalmente a usasse em um sentido tão limitado (por exemplo, a sua alusão à fé, no verso 5, claramente envolve um sentido muito mais amplo).

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Seja Luz

QUERIDO OU FIEL?


Por Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho

“Querido ou fiel?” é o título de um capítulo do livro Arrisque, de Kenny Luck. Nele, o autor aborda um dilema sério da vida cristã contemporânea. “Ser querido” é ser o centro da vida e receber. “Ser fiel” é tornar Cristo o centro da vida, e dar-se, gastar-se no reino. Os cristãos estão mais preocupados em serem queridos que em serem fiéis. Não pensam em compromisso com Jesus, mas no seu bem estar pessoal. Seu ideal é a bênção e não a fidelidade.

Luck fala dos mártires cristãos que morreram por sua fidelidade a Jesus, em tempo de perseguição. Seguir a Cristo dispor-se a morrer por ele. A igreja se compunha de compromissados. Hoje, em seu meio há muita gente sem noção do que seja o evangelho, de quem seja Jesus, e que foge de compromisso. Para muitos, ela é apenas uma maneira agradável de passar um tempo, ouvindo coisas boas e recebendo promessas. Um centro de autoajuda. “Ponha a mão no ombro da pessoa ao seu lado e diga que ela nasceu para vencer! Que ela vai triunfar!”. Busco uma base mínima para esse exercício histriônico e não lembro uma só frase em toda a Bíblia.  Nascemos para servir e honrar a Deus, e não para que ele nos sirva. Para muitos, seguir a Jesus é uma maneira de ter carros maiores, casas mais imponentes e passar as férias em Miami.

Há gente que está na igreja e não tem noção alguma do evangelho. Pensa que é só ser abençoado. É a visão do “ser querido”. Por isso que temos um evangelho aguado, displicência espiritual e escândalos. “Ser querido” é salvar a sua pele, buscar o melhor para si, ter tudo de bom. Nesta ótica,  seguir a Jesus é ter um bilhete de primeira classe por este mundo.

“Ser fiel” é mais duro.  É saber que o mais importante não somos nós, mas Deus. É saber que a essência da vida cristã é “Seja feita a tua vontade”, e não o “Eu quero” ou “Eu declaro”. “Ser fiel” é ser um cristão maduro que não busca sua glória ou seu bem estar pessoal, mas quer ver a glória do Senhor Jesus. Crentes como o Pr. Youcef são do tipo “fiel”.

Que bênção se a igreja voltasse à Bíblia, e deixasse as palavras de ordem e frases de efeito de gurus e semideuses evangélicos! Se voltasse à cruz. Se diante dela dobrasse os joelhos. Se chorasse seus pecados e pedisse perdão!  Se cada um de nós fosse apaixonado por Cristo crucificado, e parasse de pensar em uma vidinha fácil e pensasse em ser útil! Se houvesse menos ambição, menos melindre e mais serviço!  O mundo seria transformado!

Você sofreria por sua fé? Morreria por Jesus? Ou acha que é dever de Deus lhe dar bagulhos materiais? Você busca “ser querido” ou busca “ser fiel?”. Quem busca ser querido ainda não entendeu a vida cristã. Quem busca ser fiel está no caminho. Arrisque! Seja fiel!

domingo, 22 de abril de 2012

Combatendo o pecado com a Verdade!

Por C. H. Spurgeon

Paulo nos oferece o modelo completo de um ministro cristão. Pastor vigilante, ele se preocupava sem cessar com o rebanho confiado a seus cuidados. Ele não se limitava a pregar o Evangelho, e não cria ter completado todo o seu dever em anunciar a salvação, mas seus olhos estavam sempre voltados às Igrejas que havia fundado, seguindo-as, com um interesse zeloso, no seu progresso ou declínio na fé. Quando ele tinha que ir proclamar o Evangelho eterno em outras regiões, ele não cessava de velar pelo bem estar espiritual de suas vibrantes colônias cristãs da Grécia e da Ásia menor, semeadas por ele em meio às trevas do paganismo; e enquanto acendia novas lâmpadas na tocha da verdade, ele não negligenciava aquelas que já flamejavam. É assim que, em nosso texto, ele dá à pequena Igreja de Filipos uma prova de sua solicitude, lhes dirigindo conselhos e advertências. E o Apóstolo não era menos fiel que vigilante. Quando via pecado na Igreja, não hesitava em denunciá-lo. Ele não lembrava a maioria dos pregadores modernos, que se vangloriam de não ter jamais tido uma relação pessoal com seu rebanho ou jamais ter incomodado suas consciências, e que põem sua glória naquilo que é enganoso; porque tivessem eles sido fiéis, tivessem exposto sem impureza todo o conselho de Deus, teriam infalivelmente, uma vez ou outra, ferido a consciência de seus ouvintes.

Pois muitos andam entre nós, dos quais, repetidas vezes eu vos dizia e, agora, vos digo, até chorando, que são inimigos da cruz de Cristo. O destino deles é a perdição, o deus deles é o ventre, e a glória deles está na sua infâmia, visto que só se preocupam com as coisas terrenas. (Fil. 3:18,19).

Paulo agia totalmente diferente: ele não temia atacar frontalmente o pecador, e não somente tinha a coragem de declarar a verdade, mas sabia da necessidade de insistir sobre esta verdade: "Repetidas vezes eu vos dizia, e eu vos digo ainda, que muitos entre vós são inimigos da cruz de Cristo”.

Mas se, por uma parte o apóstolo era fiel, por outra ele era cheio de afeto. Como todo ministro de Cristo deveria fazer, ele amava verdadeiramente as almas sob seu encargo. Se ele não podia admitir que algum membro das Igrejas colocadas sob sua direção se desviasse da verdade, não podia mais ainda lhes repreender sem derramar lágrimas. Ele não sabia brandir a ira com o olho seco, nem denunciar os juízos de Deus de maneira fria e indiferente.

As lágrimas brotavam de seus olhos, enquanto que sua boca pronunciava as mais terríveis ameaças; e quando censurava, seu coração batia tão forte de compaixão e amor, que aqueles a quem ele se dirigia não podiam duvidar da afeição com que suas censuras eram ditadas: “Eu, repetidas vezes vos dizia, e agora vos digo até chorando”.

Meus amados. A advertência solene que Paulo, outrora, dirigiu aos Filipenses nas palavras de meu texto, eu as dirijo a vocês hoje, para que entendam.

Temo que esta advertência não seja menos necessária em nossos dias que nos tempos do Apóstolo, porque em nossos dias como nos dias do Apóstolo, há vários na Igreja cuja conduta testemunha fortemente que são inimigos da cruz de Cristo. Que posso dizer? O mal, longe de diminuir, me parece ganhar terreno a cada dia. Há, em nosso século, um maior número de pessoas que fazem profissão de fé que no tempo de Paulo, mas há também mais hipócritas.

Nossas Igrejas, eu lhes digo para sua vergonha, toleram em seu seio membros que não têm nenhum direito a este título; membros que estariam bem melhor se postos em uma sala de festim, ou em qualquer outro lugar de dissolução e loucura, mas que jamais deveriam molhar os lábios no cálice sacramental ou comer o pão místico, emblemas dos sofrimentos de nosso Senhor. Sim, em vão procurariam dissimular que há vários entre nós – (e se tu voltasses à vida, ó Paulo. Quanto não te sentirias apressado em nos dizer, e quantas lágrimas amargas não derramarias ao nos dizer!...) – que são inimigos da cruz de Cristo, e isto porque o deus deles é o ventre, porque eles dirigem suas afeições às coisas da terra, e sua conduta está em completo desacordo com a santa lei de Deus.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

O MAIOR NO REINO DOS CÉUS


Por Isaltino Gomes Coelho Filho
 
Mateus 18.1-6: "Naquela hora, aproximaram-se de Jesus os discípulos, perguntando: Quem é, porventura, o maior no reino dos céus? E Jesus, chamando uma criança, colocou-a no meio deles. E disse: Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus. Portanto, aquele que se humilhar como esta criança, esse é o maior no reino dos céus. E quem receber uma criança, tal como esta, em meu nome, a mim me recebe. Qualquer, porém, que fizer tropeçar a um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma grande pedra de moinho, e fosse afogado na profundeza do mar".
As pessoas lutam por poder, para terem domínio sobre as outras. Vemos isto desde cedo, na história da humanidade. Em Gênesis 10.8 se fala de Ninrode, o primeiro homem que se tornou poderoso na terra.

Infelizmente, esta luta por poder também se encontra no cenário religioso. Encontramos nas igrejas gente que quer mandar e que deseja ser importante. Antigamente bastava aos pastores terem o título de pastores, que era considerado como honroso. Hoje alguns querem ser bispos, outros querem ser apóstolos, há bispo primaz, e há quem se chama de patriarca. E há aquelas pessoas que têm grandes carências emocionais e buscam na igreja o lugar para supri-las, lutando por reconhecimento. Na realidade, isso é mais doença espiritual que qualquer outra coisa.

Quem é o grandão? Quem é que manda? Os discípulos fizeram esta pergunta a Jesus: “Quem é o maior no reino do céu?” (v. 1). Talvez esperassem que ele dissesse que era aquele que fizesse mais milagres. Ou aquele tivesse a voz mais forte e pregasse mais alto, alcançando mais pessoas. Eles se preocupavam com isso, em serem os grandões. Tanto que mais tarde, nem perguntaram. Discutiram entre si. E numa ocasião, dois deles chegaram com a mãe, que fez um pedido bem estranho. Ela queria que os dois filhos ocupassem o primeiro e o segundo lugares no céu (Mt 20.20-21). Mãe faz cada uma pelos filhos! Nem ela nem seus filhos entenderam que este desejo de ser o maioral quebrava a unidade do grupo. Mas acontece muito disto. As pessoas não ligam para unidade. Querem se destacar. E muitas vezes, por causa da sua ambição de poder, quebram a unidade da igreja.

A resposta de Jesus, como quase sempre sucedia, foi desconcertante. Ele colocou uma criança no meio deles, disse-lhes que eles precisavam se converter e se tornarem como crianças. Se não fizessem isso, nunca entrariam no reino, quanto mais ser o maior no reino. Se não bastasse isso, ele acrescentou: “Quem se tornar humilde como essa criança, esse será o maior no reino do céu” (v. 4).

Como aprendemos de Jesus! A primeira coisa que ele disse aos discípulos foi que eles precisavam se converter! A maior marca da conversão não é mandar, e sim servir. Se eles queriam mandar nos outros é porque ainda não tinham se convertido. Ainda não compreendiam bem o evangelho. Em outra ocasião, falando sobre si mesmo, ele disse: “Pois o próprio Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e para dar a vida em resgate de muitos” (Mc 10.45). Ele nunca lutou por títulos nem cargos nem se esforçou para dominar as pessoas. Ele as conquistou porque as serviu. E é assim que ele tem conseguido muitos seguidores, ao longo da história. As pessoas descobrem que Jesus as ama e pode fazer uma grande obra na vida delas.

Muita gente ainda pensa como os discípulos de Jesus. Elas querem ser importantes. Quando as pessoas agem assim, mostram que ainda não colocaram Deus em primeiro lugar nas suas vidas. O primeiro lugar continua sendo ocupado por elas. A doença chamada “importantite” mostra ausência de conversão e um coração vaidoso. Os querem mandar, na igreja,  precisam de conversão. O convertido tem desejo de servir e de ser útil.  Quando Paulo caiu no caminho de Damasco e Jesus se apresentou a ele, sua pergunta  foi: “Senhor, que farei?” (At 22.10). Uma pessoa convertida quer fazer algo, e não que os outros façam algo para ela. O convertido coloca a Jesus em primeiro lugar na sua vida, e deseja ser útil. O vaidoso, a pessoa não rendida a Cristo, mesmo que seja membro de igreja, quer atenção e que as pessoas a sirvam.

Jesus usou a figura de uma criança. Criança não manda. Geralmente obedece. Obedece aos pais, aos avós, aos professores. Cumpre ordens. É com uma delas que Jesus compara o maior no reino dos céus. O maior não é o mandão. É o serviçal.

Além dessa lição de que o maior não é quem manda, mas quem obedece, há outras duas lições de Jesus. A segunda é que o maior no reino dos céus não é o forte, mas o fraco. Fisicamente, uma criança é mais fraca que um adulto, mas Jesus mostra que o maior não é forte, mas o fraco. Parece absurdo? Não. Lembre-se da palavra de Paulo: “Pois, quando sou fraco, então é que sou forte” (2Co 12.10). Quando somos fracos, a graça de Deus age. Quando nos julgamos fortes, não deixamos espaço para a graça. Porque graça é para fracos e pequenos. Deus até pode usar pessoas arrogantes, porque é soberano, e age como quer. Mas usa preferencialmente, como vemos na Bíblia, pessoas submissas, que se quebrantam.  Se você quer que Deus use sua vida, não sonhe com grandeza. Sonhe em ser um instrumento.

A terceira lição de Jesus é que o maior não é o independente, mas o dependente. Adultos se viram sozinhos, encontram soluções por si, e fazem o que julgam que devem fazer. Crianças são dependentes. Precisam da mãe para se arrumar e para se alimentar. Precisam dos adultos para seu sustento. O maior no reino é como a criança dependente. Dependente, sempre, de Deus, de sua graça e de seu poder. O maior é aquele que não confia na sua capacidade pessoal ou na sua rede de amigos. O maior não é aquele que se basta, mas aquele que necessita dos outros.

Adolescentes não querem ser crianças. Querem ser adultos. E sonham em ser grandes. Mas se você quer desempenhar um grande papel no reino de Deus, e deseja ser um instrumento nas mãos dele, lembre-se: seja criança.  Lembre-se que Deus se vale dos pequenos, dos que são insignificantes aos olhos do mundo, e os engrandece porque os usa. Não queira ser o maioral. O maioral é Deus. Seja pequeno. Aí, você será grande!

O Amor Leal

 
Por Iain Duguid

Hesed No Antigo Testamento, hesed é uma palavra teológica central. É um atributo-chave na autodescrição do Senhor em Êxodo 34.6-7; e, conforme Miquéias 6.8, é uma obrigação colocada sobre todo o povo de Deus. No entanto, por não haver um termo exato para expressar a ideia em outros idiomas, alguns tradutores bíblicos tiveram dificuldade para traduzi-la com precisão. Em várias versões, ela aparece como “benignidade”, “fidelidade”, “misericórdia”, “bondade”, “lealdade” e “amor firme”. Em seguida, exploraremos como amor e lealdade se combinam nesta palavra única.

Normalmente, hesed descreve algo que acontece dentro de um relacionamento existente, quer seja entre seres humanos, quer seja entre Deus e o homem. Nos relacionamentos humanos, hesed significa amar nosso próximo, não apenas em termos de sentimentos emocionais calorosos, mas também em atos de amor e serviço que devemos à outra pessoa apenas porque ela faz parte da comunidade da aliança. O povo de Deus tem de praticar a justiça, amar a hesed e andar humildemente com o seu Deus (Mq 6.8).

Um exemplo disso que redefine profundamente o limite da comunidade de obrigação é a parábola que nosso Senhor contou sobre o bom samaritano (Lc 10.30-37). Um bom vizinho tinha a obrigação de ajudar um membro da comunidade que estava em problemas. Contudo, esta obrigação de mostrar hesed foi rejeitada pelo sacerdote e pelo levita que passaram de largo do homem ferido. Na ocasião, o verdadeiro próximo foi o samaritano que “usou de misericórdia” para com o estranho (v. 37). Não coincidentemente, a palavra grega que significa “misericórdia” é a mesma que foi usada para traduzir hesed no Antigo Testamento grego.

Hesed também pode descrever lealdade de uma pessoa às obrigações para com Deus. Isso inclui ações fiéis para com os outros membros da comunidade da aliança; pois, como podemos dizer que amamos o nosso Senhor da aliança, se ignoramos os seus mandamentos de amar nossos irmãos (1 Jo 4.20)? A pessoa que é hasid (de hesed) é leal ao seu Deus e roga ao Senhor que lhe mostre fidelidade similar em retorno (Sl 4.4; 32.6). Por isso, o nome hasidim tem sido atribuído aos judeus mais austeros no judaísmo contemporâneo.

No entanto, o uso mais precioso da palavra hesed no Antigo Testamento é uma descrição do que Deus faz. Havendo entrado em um relacionamento de aliança com seu povo, Deus se comprometeu a agir para com eles de certas maneiras. E Deus é totalmente fiel ao seu compromisso pessoal.

Salmos 136 explora o que a hesed do Senhor significa em seus termos mais amplos, pois cada verso termina com as palavras: “Sua hesed dura para sempre”. Por causa da hesed do Senhor, ele criou o universo e o governa diariamente por meio de sua providência (Sl 136.5-9, 25). Por causa da sua hesed para com Israel, ele os redimiu do Egito e os trouxe, através do mar Vermelho e do deserto, à Terra da Promessa. Por essa mesma razão, ele lançou os egípcios no mar e destruiu os reis cananeus diante dos israelitas (vv. 11-21). Tanto a libertação por parte do Senhor como a destruição dos inimigos de Israel são aspectos da fidelidade do Senhor à sua promessa de fazer de Abraão uma grande nação, de abençoar os que o abençoassem e de amaldiçoar os que o amaldiçoassem (Gn 12.1-3).

Mesmo quando o povo de Deus peca contra ele e sofre as consequências de seu pecado, eles podem ainda apelar à heseddo Senhor, como o fez o escritor de Lamentações em meio à destruição de Jerusalém, em 586 a.C. Cercado pela evidência da fidelidade do Senhor em julgar a impiedade, a rebelião e o pecado, o profeta se lança sobre o imutável caráter de Deus, afirmando: “A hesed do Senhor nunca cessa; suas misericórdias nunca chegam ao fim; elas se renovam cada manhã; grande é a tua fidelidade” (Lm 3.22-23).

Em Salmos 23.6, o salmista declarou que o Senhor a bondade e a hesed do Senhor o seguiriam todos os dias da sua vida. A palavra seguir descreve normalmente a ação de exércitos de pilhagem e maldição da aliança, mas o salmista estava convencido de que, em vez da maldição da aliança que ele merecia, o amor e a bondade fiel do Senhor o seguiriam incansavelmente.

A plenitude da hesed do Senhor é vista na cruz. Ali, o verdadeiro hasid, o próprio Jesus Cristo – o único homem que foi verdadeiramente leal ao Senhor e ao seu próximo em todos os aspectos da vida –, foi tratado como um transgressor da aliança e amaldiçoado pelo pecado, para que nós, que somos infiéis, fôssemos vestidos de sua fidelidade e redimidos. Desta maneira, o propósito da aliança original de Deus – ter um povo para o seu louvor – se cumpriu fielmente.

A hesed do Senhor nunca nos abandonará. Em meio às aflições e tragédias da vida, podemos clamar ao nosso Deus amoroso, na confiança de que nada, em toda a criação, pode jamais nos separar do amor leal que nos escolheu antes de existir tempo, que está nos santificando no presente e nos levará fielmente ao nosso lar eterno (Rm 8.28-30).

Fonte: Blog Fiel

O que você pensa acerca da cruz de Cristo?


Por J. C. Ryle

Talvez você considere esta questão como algo de somenos importância; não obstante, dela depende intensamente o bem-estar eterno de sua alma.

Há mil e oitocentos anos atrás, houve um homem que disse gloriar-se na cruz de Cristo. Foi alguém que revirou o mundo de cabeça para baixo pelas doutrinas que pregava. De todos os homens que já viveram neste mundo, foi ele quem mais contribuiu para o estabelecimento do Cristianismo. E mesmo assim, foi este homem quem disse aos Gálatas:

“Longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo”, Epístola de Paulo Aos Gálatas 6.14

Leitor, a “cruz de Cristo” deve ser um assunto verdadeiramente importante para que um apóstolo inspirado fale de tal forma sobre ela. Deixe-me tentar demonstrá-lo o verdadeiro significado desta expressão. Uma vez reconhecendo o que significa a cruz de Cristo, com a ajuda de Deus você se tornará capaz de perceber a importância dela para a sua alma.

A palavra cruz, na Bíblia, algumas vezes faz referência à cruz de madeira na qual o Senhor Jesus foi cravado e posto para morrer, no Calvário. Isto é precisamente o que São Paulo tinha em sua mente quando falou aos Filipenses que Cristo “foi obediente até a morte, e morte de cruz” (Fp 2.8). Contudo, esta não era a cruz na qual São Paulo se gloriava. Ele esquivar-se-ia com horror da idéia de gloriar-se em um mero pedaço de madeira. Eu não tenho quaisquer dúvidas de que ele denunciaria a adoração católica romana do crucifixo como profana, blasfema e idolátrica.

A cruz, em outras vezes, é atinente às aflições e provações que os crentes atravessam pela causa da religião que professam, quando seguem a Cristo fielmente. Este é o sentido no qual nosso Senhor usa a palavra, quando diz: “Aquele que não toma a sua cruz, e segue-me, não é digno de mim” (Mt 10.38). Este também é o sentido no qual Paulo usa a palavra quando escreve aos Gálatas. Ele conhecia bem esta cruz. Deveras, ele a carregava pacientemente; no entanto, também não é sobre isto que ele está falando aqui.

Mas a palavra cruz também se refere, em alguns outros lugares da Escritura, à doutrina de que Cristo morreu pelos pecadores sobre a cruz, - a expiação que Ele fez pelos pecadores, por Seus sofrimentos em favor deles sobre a cruz – o completo e perfeito sacrifício pelo pecado que Jesus ofereceu quando deu Seu próprio corpo para ser crucificado. Em suma, este termo, “a cruz”, aponta para Cristo crucificado, o único Salvador. Este é o significado no qual Paulo usa a expressão, quando fala aos coríntios: “A pregação da cruz é loucura para os que perecem” (1 Co 1.18). E este também é o significado do que ele escreveu aos Gálatas: “Longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo”. Ele está dizendo simplesmente isto: “Eu não me glorio em nada mais, exceto em Cristo crucificado, como a salvação de minha alma”.

Leitor, Jesus Cristo crucificado era a alegria e o deleite, o conforto e a paz, a esperança e a confiança, a fundação e o lugar de descanso, a arca e o refúgio, o alimento e o remédio da alma de Paulo. Ele não considerava que teria de executar algo por si mesmo ou padecer por si mesmo. Ele não era mediado por sua própria bondade e nem por sua própria retidão. Ele amava pensar naquilo que Cristo havia feito, e naquilo que Cristo havia sofrido - a morte de Cristo, a justiça de Cristo, a expiação de Cristo, o sangue de Cristo, a obra finalizada de Cristo. Nisto, sim, ele se gloriava. Este era o sol de sua alma.

Este era o assunto que sobre o qual ele amava pregar. O apóstolo Paulo foi um homem que percorreu a terra proclamando aos pecadores que o Filho de Deus havia derramado o sangue de Seu próprio coração para salvar-lhes. Ele caminhou por todos os lugares neste mundo falando às pessoas que Jesus Cristo as amava, a ponto de morrer pelos seus pecados sobre a cruz. Observe como ele diz aos coríntios: “Eu vos entreguei o que primeiro recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados” (1 Co 15.3); “eu me determinei a não saber de qualquer coisa entre vós, a não ser Jesus Cristo, e este crucificado” (1 Co 2.2). Ele – um blasfemo, fariseu perseguidor – havia sido lavado no sangue de Cristo; de tal modo a não poder deixar de sustentar sua paz sobre este sangue. Por isso ele nunca se cansava de falar da história da cruz.

Este foi o tema sobre o qual ele amava alongar-se quando escrevia aos crentes. É maravilhoso observar como suas epístolas geralmente são repletas dos sofrimentos e da morte de Cristo - como elas discorrem sobre "pensamentos que inspiram e palavras que ardem" sobre o amor e o poder das agonias de Cristo. Seu coração parece cheio deste assunto: ele discorre sobre isto constantemente e retoma o tema continuamente. É o fio de ouro que perpassa todo seu ensino doutrinário, e todas as exortações práticas. Ele parece pensar que mesmo para o cristão mais maduro nunca é demais ouvir sobre a cruz.

Foi sobre isto que ele viveu toda sua vida, desde o tempo de sua conversão. Ele diz aos gálatas: “A vida que agora eu vivo na carne, vivo-a pela fé no Filho de Deus, o qual me amou, e a si mesmo se deu por mim” (Gl 2.20). O que o faz tão forte para o labor? O que o faz tão disposto para a obra? O que o faz tão incansável em esforçar-se para salvar alguns? O que o faz tão perseverante e paciente? Eu vou dizê-lo, qual o segredo disto tudo. Ele sempre se alimentava pela fé do corpo de Cristo e do sangue de Cristo. Jesus Cristo foi a comida e a bebida de sua alma.

E leitor, você pode estar convicto de que Paulo estava correto. Confiar nela, isto é, na cruz de Cristo, - a morte de Cristo sobre a cruz para fazer a expiação pelos pecadores – é a verdade central ao longo de toda a Bíblia. Esta é a verdade que encontramos logo ao abrirmos no livro do Gênesis. A semente da mulher que esmagaria a cabeça da serpente - isto não é outra coisa senão uma profecia de Cristo crucificado. Deveras, esta é a verdade que brilha, por trás do véu, em toda a lei de Moisés e na história dos judeus. Os sacrifícios diários, o cordeiro pascal, o contínuo derramamento de sangue no tabernáculo e no templo - tudo isto são sombras do Cristo crucificado. E esta é a verdade que também vemos ser honrada na visão do céu, antes do fechamento do livro das Revelações: “Então, vi, no meio do trono e dos quatro seres viventes e entre os anciãos, de pé, um Cordeiro como tendo sido morto”(Ap 5.6). De fato, mesmo em meio à glória celestial nós encontramos uma visão de Cristo crucificado. Tire a cruz de Cristo, e a Bíblia será um livro obscuro. Ela seria como os hieróglifos egípcios, sem a chave que interpreta o seu significado – curiosa e maravilhosa, mas sem qualquer serventia real.

Leitor, observe bem o que eu lhe digo. Você pode conhecer uma boa porção da Bíblia. Pode conhecer os contornos das histórias nela contidas, e até a data dos eventos que a Bíblia descreve, assim como alguém pode conhecer a história da Inglaterra. Você pode conhecer os nomes dos homens e mulheres nela mencionados, assim como um homem conhece César, Alexandre o Grande, ou Napoleão. Você pode conhecer vários preceitos da Bíblia, e os admirar, assim como um homem admira Platão, Aristóteles, ou Sêneca. Mas se você ainda não descobriu que Cristo crucificado é o fundamento de cada livro, você tem lido a Bíblia até agora de modo muito pouco proveitoso. Sua religião é um céu sem um sol, um arco sem um fecho, um compasso sem uma agulha, um relógio sem molas ou valores, um candeeiro sem óleo. Ela não o confortará. Ela não livrará a sua alma do inferno.

Leitor, observe mais uma vez o que eu lhe digo. Você pode conhecer bastante acerca de Cristo, tendo alguma espécie de conhecimento intelectual. Você pode conhecer bem quem Ele foi, e onde Ele nasceu, e o que Ele fez. Você pode conhecer Seus milagres, Suas falas, Suas profecias, e Suas ordenanças. Você pode saber como Ele viveu, como Ele sofreu, e como Ele morreu. Contudo, pode-se conhecer o poder da cruz de Cristo experimentando-o; deveras - a menos que você saiba e reconheça que aquele sangue derramado sobre a cruz lavou seus próprios pecados particulares, e a menos que você esteja disposto a confessar que sua salvação depende inteiramente da obra que Cristo realizou sobre a cruz -, se não for esse o seu caso, Cristo não lhe será em nada proveitoso. Sim, o mero conhecimento do nome de Cristo jamais o salvará. Você deve conhecer a Sua cruz e o Seu sangue, ou então acabará morrendo em seus próprios pecados.

Leitor, enquanto você viver, tome cuidado com uma religião na qual não se ouve muito da cruz. Você vive em tempos nos quais a cautela, lamentavelmente, é necessária. Cuidado, eu repito, com uma religião sem a cruz.

Há centenas de lugares de adoração nestes dias, nos quais se encontram quase todas as coisas, exceto a cruz. Há carvalhos gravados, e pedras esculpidas; há vidros coloridos, e pinturas esplêndidas; há serviços solenes, e uma constante série de ordenanças; mas a cruz real de Cristo não há. Jesus crucificado não é proclamado no púlpito. O Cordeiro de Deus não é exaltado, e a salvação mediante a fé n’Ele não é livremente proclamada. E, por conseguinte, todos estes lugares estão em erro. Leitor, acautele-se de tais lugares de adoração. Eles não são apostólicos. Eles não haveriam de satisfazer a São Paulo.

Há milhares de livros religiosos publicados hodiernamente, nos quais se acham quase todas as coisas, exceto a cruz. Eles são plenos de direcionamentos sobre os sacramentos, e louvores da Igreja; eles abundam em exortações para uma vida santa, e em regras para a consecução da perfeição; eles apresentam fartura de fontes e cruzes, tanto interna quanto externamente; mas a cruz real de Cristo é deixada de fora. O Salvador e Seu amor agonizante tampouco são mencionados, ou o são de um modo anti-escriturístico. E, por conseguinte, todos estes livros são piores do que imprestáveis. Eles são não apostólicos. Eles jamais satisfariam a São Paulo.

Leitor, São Paulo não se gloriava em nada mais, a não ser na cruz. Esforce-se para também ser assim. Coloque Jesus crucificado sempre diante dos olhos de sua alma. Não ouça qualquer ensino que interponha algo entre você e Ele. Não caia no antigo erro dos gálatas. Não pense que alguém nestes dias seja melhor guia do que os apóstolos. Não se envergonhe das antigas veredas, nas quais percorreram homens que foram inspirados pelo Espírito Santo. Não deixe que a conversa vazia de homens que proferem grandes palavras dilatadas sobre a catolicidade, e a igreja, e o ministério, perturbem a sua paz, e o façam despreender-se da cruz. As igrejas, os ministros e os sacramentos são todos importantes a seu próprio modo, mas eles não são Cristo crucificado. Não dê a glória de Cristo a nenhum outro. “Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor”.

Leitor, pus tais pensamentos diante de sua mente. O que você pensa agora sobre a cruz de Cristo? Eu não posso dizer; mas não posso desejar a você algo melhor do que isto – que você possa ser capaz de dizer com o apóstolo Paulo, antes de você morrer ou apresentar-se ao Senhor, “Longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo”. Amém.

Fonte: O Calvinismo

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Uma questão de limites


Por Sérgio Lyra

Há algumas semanas atrás li a postagem de um jovem cristão na rede social Facebook, na qual ele se dizia incapacitado para identificar e estabelecer os limites adequados para a sua intimidade. Ele se apresentava como alguém machucado, frustrados com as experiências que havia construído. A sua conclusão foi a seguinte: “Por não haver um manual”, optou por se entregar ao relativismo dizendo que “cada um estabeleça o seu limite!”. Li aquele pequeno texto e fiquei muito preocupado com o jovem. Além disso, ninguém deu uma resposta que viesse a ajudá-lo, de fato. Por isso, resolvi escrever este texto, como uma proposta sincera a postagem do jovem, apresentando um manual especial e eficiente, a Palavra de Deus, que ensina e orienta eficazmente sobre o assunto.

Bem, em primeiro lugar devemos saber que a existência de limites é fator indispensável para qualquer vida social ordeira, e eles são expressos por leis e costumes de um povo. Todavia, não basta existir limites coletivamente estabelecidos e conhecidos para que tudo corra bem. Os limites de uma sociedade podem estar errados e os limitados podem não querer respeitar os limites, mesmo se estes estiverem certos. Como cristão, acredito que a Bíblia supre plenamente a questão dos limites inadequados, pois ela é a revelação perfeita de Deus para todos, um verdadeiro “manual do fabricante” para a humanidade. O Deus perfeito estabeleceu limites perfeitos e funcionais. Agir dentro dos limites funcionais significa funcionar para o que foi projetado e produzir resultados adequados e satisfatórios para si mesmo e para o contexto social. Se alguém quer conhecer e experimentar o bom de Deus (e adianto que não há nada melhor) precisa dedicar-se a conhecer e praticar os ensinos bíblicos. Leia, por exemplo, o Sermão da Montanha (Mateus 5 a 7). Ele é um excelente resumo dos princípios que regem o comportamento cristão.

Limites e intimidade

Sabendo que o assunto é muito amplo. Volto-me mais especificamente para a questão da intimidade. Esta é uma palavra muito especial, pois torna substantivo o que é íntimo, caracterizando algo do nosso interior. Nas Escrituras Sagradas, a intimidade é apresentada como um profundo compartilhar de vida interior (Sl 25.14). Assim, prioritariamente, quando se fala de intimidade deve-se pensar em comunhão intensa com o interior de alguém, acessos especiais e conhecimentos privilegiados. Fica claríssimo que o atual conceito de intimidade que a maioria das pessoas utiliza difere em muito do significado bíblico, pois basicamente o define como liberdade para carícias mais eróticas e excitantes. Acredito que o questionamento daquele rapaz reside exatamente nessa área.

No que diz respeito aos limites do relacionamento sexual, qualquer pessoa pode constatar que estes sofreram verdadeiros tsunamis nos últimos 30 anos. Se jovens de hoje ouvissem quais foram os limites que a maioria dos jovens cristãos utilizavam enquanto namoravam e noivavam nos anos 70, certamente diriam que esses jovens eram de “outro planeta”. Atualmente, se alguém me disser que está namorando, afirmo com toda a sinceridade, eu não sou mais capaz de dizer o que eles fazem quando estão juntos. A geração dos cristãos que nasceram após a segunda guerra mundial até 1965, foi educada em um ambiente com limites claros, que exigia respeito pelos outros e não apenas a satisfação ilimitada de seus prazeres.

Deixe-me exemplificar o que quero destacar no que se refere a quase exclusão de limites que o nosso contexto social urbano hoje vivencia. Certo domingo pela manhã, quando ia para a igreja, dei carona a uma mãe com a sua filhinha de apenas oito anos. A pequenina me perguntou: “pastor, BV é errado?”. Totalmente alheio ao significado da sigla e achando que se tratava da praia da Boa Viagem em Recife (PE), respondi: “Não filha, Boa Viagem é apenas um local como qualquer outro”. Mãe e filha começaram a rir e logo me tiraram da ignorância: “Pastor… BV significa Boca Virgem, ou seja, que nunca foi beijada”. Meu Deus, aquela garotinha de oito anos estava sendo pressionada na escola porque era BV! Agora, imagine a pressão sexual nos adolescentes que começam a lidar com a sua ebulição hormonal e são extremamente desejosos em experimentar algo novo e muito excitante. Os meios de comunicação digital, com apenas um ou dois cliques, expõem em segundos milhares de fotos e vídeos pornográficos a custo zero. Como ajudar o jovem a modelar seu caráter e controlar seus desejos lícitos se não houver limites que os ajude a visualizar e experimentar o que é realmente bom? No Salmo 119 versículo 9, o salmista fez a seguinte pergunta: “Como pode um jovem conservar pura a sua vida?” A resposta veio de imediato: “É só obedecer aos teus mandamentos.”, e isto, trocando em miúdos, é respeitar os limites estabelecidos por Deus (Sl 119.11).

Quem estabelece limites?

Surge então, a pergunta: quem deve estabelecer os limites: a igreja, a escola, o estado ou a família? A resposta é a seguinte: nenhum deles! Acredito que os limites já foram estabelecidos por Deus através da sua Palavra revelada. Assim a pergunta correta deve ser: quem é o responsável por ensinar e zelar pelos limites? Por ordem de prioridade: a família, a igreja e o estado. Estou plenamente consciente que muitos jovens que hoje são cristãos não vieram de lares evangélicos; nesses casos, a igreja deve se apresentar com uma prioridade especial.

No caso do jovem do Facebook, trata-se de um cristão e de família cristã. Mesmo conhecendo os bons limites de Deus para desfrutar de intimidade sadia com outra pessoa, ele resolveu experimentar o outro lado da moeda. Resolveu ouvir e ceder às tentações de suas paixões e questionou se ceder a elas não era melhor do que a proposta divina. Foi exatamente isto que Satanás fez com Eva. Instrumentos externos despertaram o desejo do coração (tentação) e quando esse mau desejo é atendido, os limites são desrespeitados e o pecado instala a sua desgraça (Tg 1.13-15). Na sua postagem digital, aquele jovem chegou à triste conclusão de que se tornara escravo de seus próprios sentimentos e desejos e, portanto, colhia grande desapontamento, embora sentisse prazer por alguns instantes ao “liberar” os limites de sua intimidade.

O Deus eterno, único e criador de todas as coisas, estabeleceu limites físicos como a gravidade, a nossa capacidade de produzir esforços, suportar calor, obter oxigênio, alimentação, etc. Ninguém ousa desconsiderar estes limites, pois se o fizer, logo sofrerá os danos. O mesmo Deus soberano também estabeleceu limites relacionais para todos. Note com atenção que quando alguém desconhece a Deus e a sua Palavra, os limites divinos são desrespeitados por ignorância, mas quando se conhece as Sagradas Escrituras trata-se de desobediência e rejeição. Quanto mais o ser humano se afasta de Deus, mais ele desrespeita os limites da sua intimidade (Rm 1.18-33). Todavia, como ele foi criado para viver bem, apenas sob limites divinamente preestabelecidos, a única postura humanamente razoável que lhe resta é deixar a questão dos limites no campo das relatividades: “Cada um faça o que acha que é bom e certo para si mesmo.”

Sempre me lembro do texto bíblico da carta aos Romanos 12.1-2, escrita pelo apóstolo Paulo. Ele nos alerta que os limites do cristão não são os mesmos do mundo que vive alheio a Deus. Sinto-me encorajado e disposto a encorajar os jovens crentes a estabelecerem e preservarem os limites santos e revelados na Bíblia para os seus desejos sexuais (1 Ts 4.3-4; Rm 6.11-22; 1 Co 7.1-2). Acredito, e eu mesmo experimentei na minha vida, que a vontade de Deus é “boa, perfeita e agradável”. Afirmo sem medo de errar: Nunca haverá limites melhores do que os bons limites de Deus.

Fonte: Ultimato

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Predestinção e Livre Arbítrio por Hernandes Dias Lopes

Negar-se a si mesmo? Fala sério…


Por Maurício Zágari

Vamos fazer uma coisa chata para muitos cristãos que estão na Internet: ler a Bíblia. Não, claro que não estou falando de você, querido leitor, que sem sombra de dúvida tem momentos devocionais diários e que investe muito mais tempo na leitura da Palavra de Deus do que em outros prazeres, como Twitter, Facebook, televisão, shows gospel e entretenimentos do gênero. Ler a Bíblia não diverte, é apenas um privilégio que o Criador do universo concedeu àqueles que querem de fato conhecê-lo em intimidade, negar-se a si mesmo, tomar a sua cruz e segui-lo. E, veja só, é exatamente sobre isso que tratam as três passagens das Escrituras que te convido a ler agora. As três contam o mesmo episódio, mas tirado de evangelhos diferentes:

Em Lucas 9.22-24, Jesus diz: “É necessário que o Filho do Homem sofra muitas coisas, seja rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas; seja morto e, no terceiro dia, ressuscite. Dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; quem perder a vida por minha causa, esse a salvará“.

Já em Marcos 8.34-36, conta o evangelista: “Então, convocando a multidão e juntamente os seus discípulos, disse-lhes: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. Quem quiser, pois, salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por causa de mim e do evangelho salvá-la-á. Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?“.

Por fim, Mateus 16.24-27 afirma: “Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. Porquanto, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á. Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou que dará o homem em troca da sua alma? Porque o Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e, então, retribuirá a cada um conforme as suas obras“.

Todos nós conhecemos essas palavras de Jesus. Mas o que elas querem de fato dizer? O que significa “negar-se a si mesmo”? E… “tomar a cruz”? Coisa estranha, hoje em dia crucificação nem existe mais em nossa sociedade. O que então Jesus quis dizer com isso? Quais são suas implicações práticas? Bem, vamos devagar.

Em primeiro lugar é importante vermos a quem Jesus estava se dirigindo. Os textos deixam claro que havia uma multidão dos que o seguiam e… os discípulos. Ou seja, Jesus estava falando para crentes. Para mim e para você. E não foram palavras fáceis de se ouvir. Não foi um exposição sobre prosperidade material, “Vida Vitoriosa para Você”, sobre declarar a bênção ou “tomar posse” do carro do ano. Não, nenhuma dessas heresias foi o assunto de Jesus. Ele falou sobre algo duro. Algo que ninguém quer ouvir: abnegação.

“Abnegação”, como a análise da palavra mostra, tem a ver com ab-negação, ou seja, com negação do interior. Segundo o dicionário, é “renúncia espontânea do interesse, da vontade, da conveniência própria”. É sobre isso que Jesus está tratando aqui: negar-se a si mesmo significa não lutar em favor do que lhe interessa, de dinheiro, de um bom marido, de facilidades, de benefícios. Significa, isso sim, abrir mão do que me interessa, do que me é conveniente, daquilo que tenho vontade de fazer”. Ok, mas e depois? Bem… depois a coisa piora.

Passo a passo: Jesus está dizendo para aqueles por quem tinha vindo à terra sofrer e morrer que teriam de abrir mão de seus desejos, interesses e vontades. Só que não para aí. O Mestre prossegue: “Dia a dia tome a sua cruz”. Coisa pesada, literalmente. Estima-se que uma cruz pesasse cerca de 80 a 90 quilos. Olha, não sei se você tem noção, mas isso é MUITO peso. Minha filha pesa cerca de 9 quilos e se a carrego no colo por pouco mais de dez minutos sinto dores nos braços, nas costas, em tudo o que é parte do corpo. Multiplique isso por dez. Me imagino carregando dez filhas e a imagem que vem a minha mente é uma dor de coluna incomensurável.

Mas não é só a um difícil, cansativo e doloroso ato físico que Jesus está se referindo. Repare o contexto no evangelho segundo Lucas. Antes de dizer o que era necessário para segui-lo, o Cristo profetiza a sua própria paixão e morte: “É necessário que o Filho do Homem sofra muitas coisas, seja rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas; seja morto e, no terceiro dia, ressuscite”. Ou seja: Jesus antevia sua própria cruz. Que viria depois de “sofrer muitas coisas”, “ser rejeitado” e, enfim, causaria sua morte.

Eis o que Jesus propõe aos que desejam segui-lo: abrir mão de seus desejos, interesses e vontades, sofrer muitas coisas, ser rejeitado e até dispor-se a perder a vida por sua decisão. E isso “dia a dia”, ou seja: sempre. Nada fácil, hein?! Dá vontade de dizer “fala sério, Jesus, pega leve”.

“Mas então esse negócio de ser cristão é um péssimo negócio, Zágari”, muitos poderiam dizer. Bem, aparentemente só temos a perder ao ir após Jesus, ou seja, ao segui-lo. Mas calma. O texto ainda não terminou, ele não para por aí. “Pois quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; quem perder a vida por minha causa, esse a salvará”. Aqui já entra um elemento novo: Jesus empenha sua palavra numa promessa: que quem se submeter a tudo isso e abrir mão de sua vida por Cristo a terá salva. Uau, aqui o jogo vira. As nuvens negras começam a deixar passar um raio de sol. “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?”, é a pergunta crucial do Mestre. Por quê?

Porque até agora parecia uma péssima ideia seguir Jesus. Abnegação, carregar uma cruz di-a-ri-a-men-te, perder a vida, sofrer… meu Deus, quem quer isso? Pra viver esse negócio é melhor esquecer essa ideia de igreja e ir à praia. Só que aí chega o Mestre com essa pergunta, que cria uma oposição reveladora: revela o preço da alma humana. Não sejamos hipócritas: quem não gostaria de ganhar o mundo inteiro? Espere. Acho que você não conseguiu visualizar ainda o significado dessa expressão: “mundo inteiro”.

Querido, querida, nós ficamos exultantes se encontramos uma nota de 100 reais no meio da rua. Por quê? Porque é algo de valor material que pode nos proporcionar benefícios, comprar uma roupa, um lanche, 6 exemplares do livro “A Verdadeira Vitória do Cristão”, 5 ingressos de cinema e por aí vai (sim, uma entrada no cinema custa mais caro do que meu mais recente livro rs). Agora, se 100 reais nos causam essa alegria, imagine o que não nos proporcionaria ganhar “o mundo inteiro”? Pense na riqueza dos sheiks do petróleo árabes, na cobertura de Donald Trump, nas mansões dos astros de Beverly Hills, nas jóias das lojas de Rodeo Drive, no montante de dinheiro movimentado todo dia na Bolsa de Valores de Nova Iorque, nas limusines que desfilam por Los Angeles, nas fortunas dos novos-ricos de Miami, nas joias da Coroa britânica que estão na Torre de Londres, em todos os bens acumulados por falsos pastores que compram fazendas de gado e jatos particulares com o dinheiro dos fieis… pense em tudo isso e em muito, muito, muito mais. Tesouros, fortunas, prédios, impérios… meu Deus, é muita, mas MUITA coisa. Segundo a revista “Galileu”, há no mundo atualmente US$ 170 trilhões em dinheiro circulando por todos os países (ou R$ 309 trilhões). Tentei calcular quantos exemplares de “A Verdadeira Vitória do Cristão” seria possível adquirir com esse valor mas minha calculadora não teve dígitos suficientes para fazer a conta, tão grande é esse montante.

E aí vem Jesus e diz que toda essa riqueza não vale uma única alma humana. Uau. Dá pra imaginar então quanto vale uma alma? No mínimo, no mínimo, 170 trilhões de dólares, para Jesus dizer isso. Hoje eu passei numa praça e havia uma mendiga, provavelmente esquizofrênica, falando sozinha sem parar coisas sobre Brigitte Bardot. Pois a alma daquele ser esquecido pelo mundo custa muito mais que 309 trilhões de reais. Assim, eu me atreveria a dizer que NADA paga uma alma humana.

Retornando à linha de raciocínio, abrir mão de seus desejos, interesses e vontades, sofrer muitas coisas, ser rejeitado e até dispor-se a perder a vida por sua decisão todos os dias entra em um prato da balança e a sua alma, que vale mais do que 309 trilhões de reais entra no outro. Para que lado pende a balança? Jesus responde: o peso de sua alma faz com que ela abaixe o prato da balança, enquanto o mundo inteiro vai lá para cima. É um peso bem desigual.

E, ao final, Jesus encerra, dizendo “Porque o Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e, então, retribuirá a cada um conforme as suas obras”. Esse e o gran finale, o desfecho, o fechar das cortinas após o último ato. Nós sofremos, fomos abnegados, abrimos mão de nós mesmos, carregamos a cruz, passamos os maiores perrengues do mundo para seguir Cristo. E agora Ele diz de que serviu isso tudo: na volta de Jesus Ele virá em sua glória e majestade, ladeado pelos anjos, na companhia do Pai, e trará recompensa. Sim, meu irmão, minha irmã, compensará. Todo o sufoco, o sacrifício, a abnegação, o abrir mão de seus desejos, interesses e vontades, o sofrer muitas coisas, ser rejeitado e até dispor-se a perder a vida dia a dia por causa de Cristo compensará. Pois o Senhor preservará viva por toda a eternidade a sua alma de valor incalculável e, além disso, ainda lhe dará aquilo descrito em 1 Coríntios 2.9: “Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam”.

É isso, meu irmão, minha irmã. Aparentemente, a si mesmo se negar, tomar a sua cruz e seguir Jesus pode parecer um mau negócio, pois trará muita tribulação. Abrir mão do que se quer não é fácil. Mas, no fim, a recompensa é vida eterna para nossa alma e ainda por cima maravilhas que permanecem um segredo, já que nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetraram em coração humano. Não sei o que você pensa, mas no final das contas para mim me parece um ótimo negócio. O preço para manter minha alma viva pela eternidade é carregar minha cruz? É abrir mão de mim? É despir-me dos meus quereres humanos por amor a Jesus de Nazaré? Então, por favor, apenas me ajude a apoiar esses 90 quilos no ombro e comecemos a caminhada.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Fonte: Apenas

terça-feira, 17 de abril de 2012

Precisamos de Homens de Deus


Por A. W. Tozer

Vigiai, estai firmes na fé, portai-vos varonilmente e fortalecei-vos. (I Cor 16.13)

A igreja, neste momento, precisa de homens, o tipo certo de homens, homens ousados. Afirma-se que necessitamos de avivamento e de um novo movimento do Espírito; Deus, sabe que precisamos de ambas as coisas. Entretanto, Ele não haverá de avivar ratinhos. Não encherá coelhos com seu Espírito Santo.

A igreja suspira por homens que se consideram sacrificáveis na batalha da alma, homens que não podem ser amedrontados pelas ameaças de morte, porque já morreram para as seduções deste mundo. Tais homens estarão livres das compulsões que controlam os homens mais fracos. Não serão forçados a fazer as coisas pelo constrangimento das circunstâncias; sua única compulsão virá do íntimo e do alto.

Esse tipo de liberdade é necessária, se queremos ter novamente, em nossos púlpitos, pregadores cheios de poder, ao invés de mascotes. Esses homens livres servirão a Deus e à humanidade através de motivações elevadas demais, para serem compreendidas pelo grande número de religiosos que hoje entram e saem do santuário. Esse homens jamais tomarão decisões motivados pelo medo, não seguirão nenhum caminho impulsionados pelo desejo de agradar, não ministrarão por causa de condições financeiras, jamais realizarão qualquer ato religioso por simples costume; nem permitirão a si mesmos serem influenciados pelo amor à publicidade ou pelo desejo por boa reputação.

Muito do que a igreja faz em nossos dias, ela o faz porque tem medo de não fazê-lo. Associações de pastores atiram-se em projetos motivados apenas pelo temor de não se envolverem em tais projetos.

Sempre que o seu reconhecimento motivado pelo medo (do tipo que observa o que os outros dizem e fazem) os conduz a crer no que o mundo espera que eles façam, eles o farão na próxima segunda-feira pela manhã, com toda a espécie de zelo ostentoso e demonstração de piedade. A influência constrangedora da opinião pública é quem chama esses profetas, não a voz de Jeová.

A verdadeira igreja jamais sondou as expectativas públicas, antes de se atirar em suas iniciativas. Seus líderes ouviram da parte de Deus e avançaram totalmente independentes do apoio popular ou da falta deste apoio. Eles sabiam que era vontade de Deus e o fizeram, e o povo os seguiu (às vezes em triunfo, porém mais freqüentemente com insultos e perseguição pública); e a recompensa de tais líderes foi a satisfação de estarem certos em um mundo errado.

Outra característica do verdadeiro homem de Deus tem sido o amor. O homem livre, que aprendeu a ouvir a voz de Deus e ousou obedecê-la, sentiu o mesmo fardo moral que partiu os corações dos profetas do Antigo Testamento, esmagou a alma de nosso Senhor Jesus Cristo e arrancou abundantes lágrimas dos apóstolos.

O homem livre jamais foi um tirano religioso, nem procurou exercer senhorio sobre a herança pertencente a Deus. O medo e a falta de segurança pessoal têm levado os homens a esmagarem os seus semelhantes debaixo de seus pés. Esse tipo de homem tinha algum interesse a proteger, alguma posição a assegurar; portanto, exigiu submissão de seus seguidores como garantia de sua própria segurança. Mas o homem livre, jamais; ele nada tem a proteger, nenhuma ambição a perseguir, nenhum inimigo a temer. Por esse motivo, ele é alguém completamente descuidado a respeito de seu prestígio entre os homens. Se o seguirem, muito bem; caso não o sigam, ele nada perde que seja querido ao seu coração; mas, quer ele seja aceito, quer seja rejeitado, continuará amando seu povo com sincera devoção. E somente a morte pode silenciar sua terna intercessão por eles.

Sim, se o cristianismo evangélico tem de permanecer vivo, precisa novamente de homens, o tipo certo de homens. Deverá repudiar os fracotes que não ousam falar o que precisa ser externado; precisa buscar, em oração e muita humildade, o surgimento de homens feitos da mesma qualidade dos profetas e dos antigos mártires. Deus ouvirá os clamores de seu povo, assim como Ele ouviu os clamores de Israel no Egito. Haverá de enviar libertação, ao enviar libertadores. É assim que Ele age entre os homens.

E, quando vierem os libertadores... serão homens de Deus, homens de coragem. Terão Deus ao seu lado, porque serão cuidadosos em permanecer ao lado dEle; serão cooperadores com Cristo e instrumentos nas mãos do Espírito Santo...

Fonte: Editora Fiel

Como Morreremos?


Por John Blanchard

Woody Allen, o famoso diretor de filmes, roteirista e ator, disse certa vez: "Não tenho medo de morrer. Só não quero estar lá quando isso acontecer". Esta citação incomum é famosa, mas fatalmente defeituosa. Deus tem, em seu calendário, a data da morte de cada pessoa. E não há nada que alguém possa fazer para cancelar ou adiar este compromisso designado por Deus. "Não há nenhum homem que tenha domínio sobre o vento para o reter; nem tampouco tem ele poder sobre o dia da morte" (Ec 8.8).

Para milhões de pessoas ao redor do mundo, a inevitabilidade da morte traz um sentimento de tristeza à vida. Damien Hirst, o artista britânico conhecido internacionalmente (cuja fortuna é estimada em mais de 300 milhões de dólares), disse ao Dayly Telegraph Review: "A morte é definitivamente uma tema em que eu penso todos os dias... Você tenta evitar isso, mas é uma coisa tão grande que você não pode evitar".

A Bíblia fala sobre muitos que, "pelo pavor da morte", estão sujeitos à escravidão por toda a vida" (Hb 2.15). Em casos inumeráveis, as algemas de tais pessoas foram forjadas pelo temor do desconhecido. Como o professor Edgar Andrews disse: "A incerteza gera o temor. E o temor produz escravidão mental, traz infelicidade inescapável à vida e rouba dos homens a paz e a alegria duradouras". No entanto, este cenário preocupante não deve incluir os cristãos, especialmente porque eles têm a segurança de estarem "em Cristo" (2 co 5.17), aquele que realizou o que John Owen chamou de "a morte da morte". Quando temos um entendimento claro do que isso significa, uma expressão resume o modo como devemos nos aproximar da morte inevitável, e essa expressão é com gratidão.

Primeiramente, devemos ser gratos pelo fato de que, na providência e Deus, fomos poupados da morte até que fomos salvos. Uma vez em minha infância e duas vezes em minha adolescência, fui resgatado da morte. Como adolescente, quando eu estava em minha ilha nativa de Guernsey, caí em um enorme barril de água no vinhedo onde meu pai trabalhava e fui salvo somente porque aconteceu que um trabalhador passava por lá no momento da queda. Anos mais tarde, eu nadava à meia-noite nos mares agitados em frente aos rochedos da costa sul da ilha e estava em perigo de afogar-me, quando fui resgatado por um nadador mais forte. Pouco tempo depois, escorreguei enquanto tentava passar por um despenhadeiro; em desespero, minha mão agarrou uma planta bastante forte para segurar-me. Se eu não tivesse sobrevivido nesses três incidentes, não poderia ter escrito este artigo, e meu espírito estaria agora em "abismos de trevas" (2 Pe 2.4), aguardando a sua união com meu corpo ressurreto, para que eu seja lançado, em corpo e alma, no inferno.

Quando os discípulos de Jesus retornaram de uma missão de pregação, regozijando-se com os resultados admiráveis que tinham visto, Jesus lhes disse: "Alegrai-vos, não porque os espíritos se vos submetem, e sim porque o vosso nome está arrolado nos céus" (Lc 10.20). À medida que nossa vida terrena prossegue em direção ao seu fim inevitável, devemos ser constantemente gratos pelo fato de "ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores" (Rm 5.8) e de que Deus nos poupou até que nos trouxe à apropriação da morte e ressurreição de Cristo realizadas em nosso favor.

Segundo, devemos ser gratos porque temos sido preservados. O apóstolo João escreveu com o coração entristecido a respeito daqueles que "saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos" (1 Jo 2.19). Embora fossem membros da igreja organizada e visível, a sua deserção mostrou que eles não tinham parte na promessa de que "aquele que perseverar até o fim será salvo" (Mt 24.13). Quando pensamos em nossa própria vida, levando em conta não somente os muitos "perigos, labutas e armadilhas", do hino de John Newton, mas também dúvidas, temores, provações, tentações, defeitos, fracassos, comprometimento e covardia, bem como as ocasiões em que caímos em algum pecado que nos assediava "tenazmente" (Hb 12.1), quão gratos devemos ser pela bondade e misericórdia de Deus. Quando acrescentamos a solene verdade de que cada um de nós compartilha do testemunho de Paulo no sentido de que "em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum" (Rm 7.18), não importando há quanto tempo somos crentes, temos de considerar como mais do que um pequeno milagre o fato de que temos sido preservados.

Quando visitei a Biblioteca Billy Graham, perto de Charlotte (Carolina do Norte), o item que mais me impressionou foi a lápide de pedra rústica que marca o sepulcro de Ruth Bell Graham, a esposa do evangelista. Ela morreu aos 88 anos, em 14 de junho de 2007. A lápide contém uma aprazível inscrição: "Fim da Construção – Obrigado por Tua Paciência". À medida que nos aproximamos da morte, devemos ser constantemente gratos a Deus por sua paciência e graça sustentadora.

Em terceiro, devemos ser gratos pela promessa do que está adiante. Em abril de 2010, no funeral de Malcom McLaren, empresário da banda de rock Sex Pistols, o seu carro fúnebre estava envolvido com um dos versos de uma das canções da banda: "Muito rápido para viver, muito rápido para morrer". McLaren havia levado uma vida deslumbrante, caótica, glamorosa, agitada e dispendiosa. Atrás do carro fúnebre, uma carruagem que levava os enlutados tinha um sinal que indicava o suposto destino de McLaren: "Lugar Nenhum". Sim, a aniquilação não é mais do que pensamento anelante e não elimina, de modo algum, a terrível verdade de que os ímpios encaram "o castigo eterno" (Mt 25.46). Para os cristãos, a perspectiva é maravilhosamente diferente:

Pense no que estará ausente. "E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram" (Ap 21.4). Não haverá mais tentações a enfrentarmos, cargas a levarmos, culpas a lamentarmos, doenças a combatermos, perguntas sem resposta a desconcertar-nos, ignorância a humilhar-nos, desejos insatisfeitos a frustrar-nos. Nada que contaminou e maculou nossa vida na terra estará lá para nos envergonhar. Não haverá arrependimentos, remorsos, pensamentos de coisas passadas, desapontamentos e causas perdidas. E o melhor de tudo é que não haverá o pecado em nós para nos infestar. Como disse J. I. Packer: "Não haverá nenhum pecado no céu, pois aqueles que estão no céu não o terão mais em si para pecarem de alguma maneira". Não é surpreendente que Davi tenha clamado a Deus: "Na tua presença há plenitude de alegria, na tua destra, delícias perpetuamente" (Sl 16.11).

Pense nos que estarão presentes. O céu é o lar de "incontáveis hostes de anjos" (Hb 12.22), incluindo querubins, serafins e arcanjos, seres que nunca pecaram e têm louvado e servido a Deus em unidade gloriosa e harmoniosa desde o momento de sua criação. Todo o povo redimido de Deus – uma "grande multidão que ninguém podia enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas" (Ap 7.9) – estará no céu.

E o melhor de tudo é que o nosso Salvador estará lá. Desde que minha querida esposa, Joyce, foi chamada para o lar, no ano passado, tenho permanecido na certeza de que, como a sua lápide afirma, ela está agora "com Cristo, o que é incomparavelmente melhor" (Fp 1.23), compartilhando da inconcebível bem-aventurança desfrutada pelos "espíritos dos justos aperfeiçoados" (Hb 12.23). Um amigo meu, cego desde os 18 anos de idade, gosta de dizer: "A próxima pessoa que verei será Jesus". É impossível imaginar a maravilha do que significará ver a Jesus "como ele é" (1 Jo 3.2). No entanto, no cumprimento do plano de Deus de que seu povo seja conformado "à imagem de seu Filho" (Rm 8.29), a Bíblia mantém uma promessa ainda mais admirável: "Seremos semelhantes a ele" (1 Jo 3.2). Que perspectiva impressionante! Considerando as indicações de João, em 1 João 3, seremos santos como Jesus é santo, seremos justo como ele é justo, seremos puros como ele é puro. Até os crentes mais fracos na terra serão membros gloriosos do que D. L. Moody chamou de "a aristocracia de santidade". Admiravelmente, não nos sentiremos inconvenientes na presença de Cristo.

Ora, como morreremos? Talvez não tenhamos uma jornada fácil pelo "vale da sombra da morte" (Sl 23.4); talvez seja prolongada e dolorosa. Não importando o quanto a nossa paciência (e a nossa fé) seja provada, devemos fazer essa jornada inevitável com gratidão pelo fato de que por meio da insondável graça de Deus fomos salvos da penalidade do pecado, conhecemos a bondade e a misericórdia de Deus em preservar-nos na fé. E podemos estar seguros de que, como escreveu John Bunyan, "a morte é apenas uma passagem de uma prisão para um palácio". Com uma mão trêmula, apenas três dias antes de sua morte, D. Martyn Lloyd-Jones escreveu, em um pedaço de papel, para sua esposa, Bethan, e para sua família: "Não orem por cura. Não me impeçam de ir para a glória". Não há honra para nosso Pai celestial quando relutamos em ir para o lar. Ironicamente, à luz de sua opinião sobre a segurança eterna, John Wesley pôde dizer sobre os seus primeiros metodistas: "Nosso povo morre bem". Se morrermos com um coração grato, faremos o mesmo.

Nota: A esposa de John Blanchard partiu para estar com o Senhor em 17 de fevereiro de 2010.


Fonte: Editora Fiel