quinta-feira, 8 de novembro de 2012

NO CAMINHO DE ABRAÃO




Por Eugene Peterson

Gn 22.1-19

O acontecimento decisivo no caminho de Abraão se dá no monte Moriá: quando ocorre a Akedah (termo que os rabinos usavam em referência a essa história, extraída da palavra hebraica que se traduz por “amarrar”), em que Isaque é amarrado por Abraão, sendo oferecido pelo pai como sacrifício no altar que ele acabara de construir expressamente para esse fim.
No entanto, a pergunta é: “como Deus pode ordenar um assassinato? E não somente um assassinato em termos gerais, mas um assassinato de um filho amado?”

Como Deus é capaz de desfazer a promessa que por meio de um milagre se cumprira no nascimento de Isaque? Como entender isso quando a Bíblia nos fala que Deus é amor? Friamente falando nós não vamos conseguir entender o agir de Deus e suas ordens “absurdas”.  Isso é demais para nós.
Por isso que o apóstolo Paulo nos fala em 1Co 2.14-16:

“Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Porém o homem espiritual julga todas as coisas, mas ele mesmo não é julgado por ninguém. Pois quem conheceu a mente do Senhor, que o possa instruir? Nós, porém, temos a mente de Cristo.”


Abraão é lembrado, entre o povo de Israel e entre o povo que mais tarde passou a constituir os seguidores de Jesus, como pai do povo de Deus.
O apóstolo Paulo define a fé de Abraão mais ou menos assim: “confiando obedientemente no que não podia controlar, vivendo num relacionamento obediente no que não podia ver, arriscando-se obedientemente numa terra sobre a qual nada sabia.”  

A fé está relacionada à fusão do Invisível com o Visível. Quando nos entregamos a um ato de fé, abrimos mão de exercer nós mesmos o controle da nossa vida, abandonamos a confirmação sensorial (visão, audição...) da realidade; deixamos de insistir no conhecimento intelectual como meio de orientar a nossa vida.

A maneira positiva de dizer isso é que, quando nos entregamos num ato de fé, escolhemos lidar com um Deus vivo em quem temos confiança de que Ele sabe o que faz.

Os riscos são grandes (2Tm 4.9-18).
O caminho de Abraão continua hoje exatamente dessa forma. Em alguma altura do caminho, percebemos que não estamos no controle de nossa vida. Por isso que a fé não se aprende copiando, não por imitação, não por dominar alguns “macetes de fé”. Todos somos originais quando vivemos pela fé.

A ordem para amarrar Isaque nos é apresentada como uma prova (Gn22.1). Passado algum tempo em relação a quê? Desde a sua saída de Ur, passando por vários lugares, vendo se cumprir na vida dele a promessa de um filho com Sara, mandando embora Hagar e seu filho... Depois de tudo isso pôs Deus Abraão à prova. Abraão creu no Senhor (Gn 15.6).

SACRIFÍCIO

O caminho da fé exige reiteradas provas, para que possamos discernir se estamos lidando com o Deus vivo ou com alguma fantasia ou ilusão que preparamos num cozido de cobiça e ira, de inveja e preguiça, de orgulho e avareza. A prova da fé implica contínuo aguçamento, constante reorientação, readaptação, cuidado com o autoengano, livramento gracioso em relação às ilusões do diabo.

A prova é realizada por meio do sacrifício, sacrifício que na vida de Abraão encontra a sua mais plena demonstração no ato de amarrar Isaque no Monte Moriá.

O sacrifício corta fora a mão a vida. O sacrifício é uma prontidão é interromper o que quer que estejamos fazendo para construir um altar, amarrar o que quer que por acaso estejamos carregando conosco no momento, colocá-lo sobre o altar e ver o que Deus deseja fazer com esse nosso bem.

Abraão era veterano nesse negócio de sacrifício. Depois de deixar Ur e Harã, a primeira atividade que se cita em relação a ele consistia em construir altares sobre os quais oferecia sacrifícios. Siquém (12.7), Betel (12.8), Hebrom (13.18). Cada altar se tornou um lugar de oração. Em cada altar ele aprendia um pouco mais, aprofundava um pouco mais seu discernimento.

Deixar Ur e Harã, deixar Siquém e Betel, deixar o Egito e Gerar, deixar Berseba. Deixar, deixar, deixar. Mas cada partida era partida era uma forma de tornar o eu mais leve, uma purificação mais profunda das toxinas da aquisição.

Quando viajamos pelo caminho de Abraão, acontece isso: a palavra “sacrifício” aos poucos deixa de ser um lamento azedo de ressentimentos e passa a ser um abraço forte de afirmação. Toda vez que Abraão deixava um lugar, a estrada se alongava e paisagem se alargava. O monte Moriá viria lhe trazer sua mais significativa experiência de Deus.

O MONTE MORIÁ E O ATO DE AMARRAR ISAQUE SÃO FORTES E FIRMES REPRIMENDAS CONTRA A SUPERFIACIALIDADE.
A PROVA

Nada em nossa vida exige tanto de nossa fé quanto o ato de amarrar Isaque. O caminho da fé é segundo os padrões de Deus e não segundo as nossas vontades.

Um passeio de três dias no monte Moriá põe a descoberto a banalidade de uma fé falsificada. No monte Moriá, aceitamos e adoramos a um Deus que ultrapassa nosso entendimento.

Deus prova a fé de Abraão em cada etapa de sua vida. Viver pela fé é viver sendo provado. A fé de Abraão nem sempre sobreviveu à prova: sua fé não passou no teste no Egito, não passou no teste em gerar, não passou no teste com Hagar. A fé que não passou pela prova ainda não se qualifica como fé.

Quando chegou a hora de sacrificar Isaque, a fé de Abraão tinha sido provada, e provada e aprovada. Mas para isso ele tinha sido desmascarado em sua alegada fé anteriormente. No decorrer dos anos Abraão foi crescendo na fé. Há mais ou menos 45 anos ele vem aprendendo a fazer isso, sem perder nada no processo.

Em Ur Deus pede a Abraão o seu passado, mas agora no monte Moriá o Senhor pede a ele o seu futuro.

O monte Moriá é a peça central de uma vida de fé que é cumprida em Jesus, quando Ele em sua oração no Getsêmani disse: “Que não seja feita a minha vontade, mas a tua vontade”.

O apóstolo Paulo disse que na prova nós trilhamos pelo mesmo caminho de Jesus: “Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar.” (1Co 10.13)

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