segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Dons apostólicos: Há apóstolos, hoje?


Por Jorge Fernandes Isah

Desde o início do século passado, com as manifestações carismáticas surgidas na Rua Azuza, em Los Angeles, em 1906, pelas mãos do ministro negro, William Joseph Seymour, que o Cristianismo, em nome de um "reavivamento", tem ensaiado uma série de experiências que remontam aos primórdios da Igreja Primitiva, mais especificamente o período apostólico, no séc. I. Mas, esses dons teriam realmente voltado? Ou eles estariam circunscritos a um momento histórico específico, e o que temos, hoje em dia, nada tem a ver com o Espírito Santo, pois houve um hiato de quase dois mil anos entre aquele e este período? Seriam as formas atuais as mesmas das realizadas antigamente? E estariam em conformidade com os relatos bíblicos e aplicados convenientemente como relatam os registros sagrados?

Primeiramente, devemos definir o que vem a ser dons apostólicos, mas antes disso, quem são os apóstolos e qual era a sua missão. A palavra apóstolo significa enviado ou mensageiro, aquele que anuncia algo ou alguém, e, no Novo Testamento, a missão deles era a de anunciar Cristo e o seu Evangelho; e, para isso, teriam de ser comissionados pelo próprio Senhor, chamados por ele para exercerem essa missão, não sendo possível que alguém se autointitule ou denomine-se a si mesmo com tal, sem sê-lo. Não há, na Escritura, um só apóstolo que não tenha recebido o seu mandato diretamente do Senhor, como nos revela o evangelista: "E, quando já era dia, chamou a si os seus discípulos, e escolheu doze deles, a quem também deu o nome de apóstolos" [Lc 6.13], e que não tenha convivido com ele e testemunhado a sua ressurreição ]At 1.21-22]. 

Alguém pode dizer que os apóstolos tinham o poder de nomear outros apóstolos e que esses poderiam nomear outros e mais outros, continuamente, numa espécie de apostolado sucessório, aos moldes do que a Igreja Católica reivindica para o papado. Contudo, não se tem, na Bíblia, qualquer referência a essa ordem sucessória, e os que hoje tentam reclamar para si mesmos algum apostolado nada mais fazem do que repetir o erro romanista, ao qual dizem oporem-se mas acabam por defendê-lo e inseri-lo em suas práticas não-bíblicas. 

Alguém ainda pode insistir que Matias, o apóstolo nomeado a substituir Judas Iscariotes, não foi diretamente nomeado por Cristo. Mas, espere um momento, para quem propõe a ação do Espírito Santo em eventos no mínimo discutíveis como os levantados pelo movimento carismático atual, pois estão muito aquém ou além do texto bíblico, por que não reconhecer a ação do Espírito de Deus na escolha do novo apóstolo? Houve oração e clamor para que ele, que conhece todos os corações, mostrasse qual, dentre José e Matias, seria o escolhido, "para que tome parte neste ministério e apostolado... E, lançando-lhes sorte, caiu a sorte sobre Matias" [At 1.23-26]. Alegar que coisas estranhas à Palavra são supostamente manifestações do Consolador [o qual é o Espírito de Cristo] e de que ele não interviria em algo tão vital para a expansão do Evangelho, parece-me um contra-senso. 

Ainda alguém pode alertar para o fato de Paulo não ter convivido com Jesus, e ainda assim, foi feito apóstolo. Realmente, ele não foi testemunha direta do ministério terreno do Senhor [ainda que tenha sido indiretamente], mas, de uma forma especial e exclusiva, foi chamado pelo próprio Cristo, sendo testemunha ocular da sua ressurreição. É o que ele nos diz: "Paulo, apóstolo (não da parte dos homens, nem por homem algum, mas por Jesus Cristo, e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos)" [Gl 1.1], e, ainda, ao falar das aparições de Cristo: "E por derradeiro de todos me apareceu também a mim, como a um abortivo. Porque eu sou o menor dos apóstolos, que não sou digno de ser chamado apóstolo, pois que persegui a igreja de Deus" [1Co 15.8-9], e, mais uma vez: " Porque aquele que operou eficazmente em Pedro para o apostolado da circuncisão, esse operou também em mim com eficácia para com os gentios" [Gl 2.8]. Ora, temos que Paulo se colocou em posição de igualdade no ministério apostólico de Pedro, apenas com a distinção quanto aos seus ouvintes, o alvo da sua pregação. 

Logo, não se pode falar em apóstolos modernos, pois nenhum dos que assim se intitulam preenchem as características necessárias: o chamado direto de Jesus, sobretudo, como testemunhas irrefutáveis da sua ressurreição. 

O Segundo ponto a ser analisado é sobre a sua missão. Lembre-se de que à época, os apóstolos estavam num período de transição entre a antiga e a nova aliança, e de que a igreja estava sendo formada. Eles, como emissários de Cristo, confirmariam indubitavelmente a verdade de que muitos sabiam, ainda que vagamente, acerca de Jesus, sua missão, morte e ressurreição, como um fato indiscutível e impreterível, levando-a tanto a judeus como a gentios. Toda a obra apostólica se baseava nesse fundamento, de que Cristo não somente era o Messias mas o Filho de Deus. O aspecto final dessa missão foi que os apóstolos, inspirados pelo Espírito Santo, escreveram e legaram à igreja, em todos os tempos, a santa e bendita palavra de Deus. Nem uma só linha do Novo Testamento foi redigida por alguém que não fosse apóstolo ou estivesse diretamente ligado a um deles, no caso, eram seus discípulos que, orientados pelas fontes primárias e sob a supervisão do Espírito, relataram os fatos relacionados à pessoa de Jesus e seu ministério. 

Com isso, chega-se facilmente à conclusão de que não há mais revelações divinamente inspiradas a serem transmitidas à Igreja, visto que o Cânon encontra-se concluído, não necessitando a nenhum crente nenhuma outra orientação que não esteja contida na Escritura Sagrada; o que nos leva a reconhecer que o ministério apostólico transcorreu em um determinado momento da história, e de que a missão daqueles homens chegou definitivamente ao fim, sem que houvesse sucessores ou novos mensageiros. Até, porque, a Igreja está edificada "sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra de esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor; no qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus no Espírito" [Ef 2.20-22], e, se uma casa não pode ter mais do que uma fundação, onde nelas são construídas paredes, colunas, vigas, telhado, piso, etc, como seria possível outro fundamento além daquele onde são dispostos o princípio da fé, de que Cristo é a pedra de esquina? Além de desnecessário é absurdo, e representaria a "invenção" de outra fé, de um outro "cristianismo", o que muitos têm se especializado e empenhado em produzir. 

Outra conclusão facilmente alcançável é: a igreja, quando se afasta desse entendimento, ainda que seja minimamente, se torna alvo acessível para a investida dos falsos-mestres e profetas e seus absurdos doutrinários. Invariavelmente acabam por apostatar a fé, negando a verdade e penetrando a mentira, instalando-se nela como uma genuína aberração religiosa, agindo ímpia, incrédula e dolosamente na admissão e difusão de ideias contrárias e excludentes à fé uma vez dada aos santos. Se no AT havia o ministério em que os profetas de Deus expunham publicamente a falácia e malignidade dos falsos-profetas, hoje, cabe-nos, como Igreja, denunciá-los e expô-los como charlatões e falseadores da verdade. O princípio para isso é um só, orientarmo-nos e deixar-nos guiar pela Escritura, através da qual o Espírito Santo nos falará e conduzirá em toda a verdade. 

Nota: 1- Aula realizada na EBD do Tabernáculo Batista Bíblico
2 - A foto desta postagem é um "Autorretrato como o apóstolo Paulo" [Rembrandt, 1661].

Fonte: kálamos

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