domingo, 15 de junho de 2014

Quando você não tem a menor noção do que está pedindo a Deus


Por Davi Lago

Desde criança fui ensinado que existem três respostas de Deus às nossas orações de súplica. A primeira é “sim”, e Deus atende nosso pedido. A segunda é “espere”, e Deus não nos responde imediatamente. A terceira é “não”, e Deus nega nosso pedido. Ocorre que em Mateus 20.20-22 encontramos outra resposta: “Você não tem a menor noção do que está pedindo”. O texto narra: “Então, aproximou-se de Jesus a mãe dos filhos de Zebedeu com seus filhos e, prostrando-se, fez-lhe um pedido. ‘O que você quer?’, perguntou ele. Ela respondeu: ‘Declara que no teu Reino estes meus dois filhos se assentarão um à tua direita e o outro à tua esquerda’. Disse-lhes Jesus: “Vocês não sabem o que estão pedindo. Podem vocês beber o cálice que eu vou beber?”.

A oração daquela mulher apresenta várias virtudes. Primeiro: o simples fato de ser uma oração! Há muitas pessoas que só reclamam e praguejam diante de Deus. Mas essa mulher estava fazendo uma oração! Segundo: era a oração de uma mãe! Oração de mãe é sempre oração de mãe! Mãe é a obra-prima de Deus. Terceiro: foi uma oração reverente, porque ela se prostrou na frente de Jesus. Quarto: foi uma oração direcionada a Jesus. Ela não apelou para homens, mas para o Filho de Deus. Do mesmo modo, devemos orar a Deus sempre em nome de Jesus. Quinto: era uma oração intercessora bem intencionada. Ela não pediu algo para ela própria, mas para seus filhos. E pediu com a sinceridade de uma mãe que quer o melhor para seus filhos.

Contudo, apesar de a oração daquela mãe apresentar várias virtudes, ainda assim foi uma oração completamente equivocada, uma oração nonsense. A resposta de Jesus foi: “Vocês não sabem o que estão pedindo”. Por que Jesus recusou de pronto a petição? A resposta é simples: aquela mulher fez um pedido equivocado. O texto de Tiago 4.3 afirma: “Quando pedem, não recebem, pois pedem por motivos errados, para gastar em seus prazeres”. Nossas orações precisam ser cheias de fé, sinceras, reverentes, em nome de Jesus, mas também de acordo com a vontade de Deus. Nossas orações precisam ser saturadas com a lógica do Reino de Deus.

Certa vez um jovem jornalista entrevistou o maior oceanógrafo do século 20, Jacques Costeau. O jornalista perguntou qual a chance de um ser humano escapar de uma luta direta com um tubarão. Costeau respondeu que não havia chance alguma. O jornalista começou a retrucar perguntando se o tubarão já estivesse alimentado, se o homem estivesse com um arpão, uma roupa de mergulho, etc., se assim haveria alguma chance. Costeau respondia sempre que não haveria chances. O jornalista então disse: “Mas isso não tem lógica!”. Costeau respondeu: “Claro que tem lógica! Mas a lógica do tubarão”.

Existe um descompasso entre o modo que pensamos e o instinto dos animais. De modo ainda mais incisivo, existe uma extrema oposição entre os valores do Reino de Deus e os valores do mundo, o sistema de pensamento alienado de Deus. Quem é “amigo do mundo” é “inimigo de Deus” (Tiago 4.4). A lógica do mundo não tem nada a ver com a lógica do Reino de Deus. De acordo com a lógica do mundo o que mais importa é o poder, o domínio, a opulência. Mas de acordo com a lógica do Reino, o que importa é o serviço, o amor e a alteridade.

Como foi a reação dos outros discípulos diante do pedido de Tiago, João e sua mãe? Está escrito que “quando os outros dez ouviram isso, ficaram indignados com os dois irmãos. Jesus os chamou e disse: ‘Vocês sabem que os governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês. Ao contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo, e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo; como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mateus 20.24-28).

Os outros discípulos ficaram irritadinhos com Tiago e João, não porque reprovaram a atitude deles, mas porque eles também queriam lugares de proeminência. É mais ou menos como o menino que diz para o colega: “Me empresta seu telefone?”. “Não”, o colega responde. E o primeiro grita: “Professora!!! Pode usar telefone em sala de aula???”.

O problema é que somos demasiadamente hipócritas. Vejo pastores falarem contra “megaigrejas”, mas que está óbvio que desejam ardentemente ter uma “megaigreja”. Vejo gente desdenhar de cantores gospel milionários que esbanjam uma vida capitalista fútil, mas que está na cara que desejavam estar no lugar desses cantores. Não adianta ficar apenas falando contra as tolices de Tiago e João se nós mesmos desejamos a mesma coisa.

Precisamos de uma absoluta transformação de mentalidade. Jesus Cristo traçou de modo bem claro a diferença entre os valores do Reino e os valores do mundo. A mãe de Tiago e João compreendia o Reino de Deus em termos políticos. Ela, como todos os outros discípulos, pensava que Jesus derrotaria os romanos e assumiria o controle político da sociedade. Do modo mais interesseiro possível, ela pede um “favor político” para Jesus. Mas Jesus não era um revolucionário social. Ele não iria fazer promessas de campanha futuras ou imaginárias, como muitos candidatos fazem. Jesus é o Salvador do mundo, ele veio com uma missão espiritual: resgatar seus escolhidos.

Jesus é mais que um mártir, ele é o Redentor da humanidade. O termo “resgate” está relacionado com a alforria de um escravo. Jesus nos resgatou das trevas para sua maravilhosa luz. O discípulo de Jesus não é mais um escravo do sistema de pensamento mundano. O Reino de Deus não repete a estratificação do arranjo social excludente do mundo em que vivemos. Jesus anuncia outra dimensão, outra proposta de autoridade. No Reino de Deus, o maior é o menor. Isso significa que enquanto no mundo o que vale é arrancar e acumular, no Reino dos céus, o que vale é sacrificar e doar. É melhor dar do que receber.

A aplicação dessa narrativa é direta: quais são suas motivações? O que você está pedindo a Deus? Qual lógica domina sua vida: a lógica do Reino ou a lógica do mundo? Precisamos abandonar nossos pedidos provincianos e umbigocentristas e começar a orar como homens e mulheres de Deus de verdade. Precisamos de discernimento espiritual. Precisamos abandonar o orgulho e egoísmo de nossas orações. John Ryle disse que o orgulho é nossa vestimenta mais íntima, mas devemos nos livrar dela resolutamente. Devemos seguir os passos de Jesus para a cruz. Mas o problema como afirmou Lutero é que “a carne sempre procura ser glorificada antes de ser crucificada”.

Que tipo de coisas você pede a Deus? Você pede o seu pão, ou o “pão nosso”? Você quer seu carro de milhares de reais, mas será que você tem um mínimo de disposição para ajudar uma família que está na miséria? Você pede por sua família? Dizia-se nos casamentos antigamente: “o que é seu é meu, e o que é meu é seu”. Hoje mudou: “o que é seu é meu, e o que é meu é meu”. Tudo é para você mesmo? Você luta o tempo todo pelos seus próprios caprichos? Jovem, você tem honrado seus pais? Maridos, em pleno século 21 e se julgando discípulos de Jesus, vocês ainda regulam dinheiro para suas respectivas esposas? Você ora pelos perdidos? Você pede pelos enlutados? Você chora com os que choram? Você pede pelos missionários? Você ora pela expansão do Reino de Deus? Você ora pelos tradutores da Bíblia? Você dá ofertas expressivas para a obra missionária, ou apenas num “desafio financeiro” para você próprio prosperar? Até quando seremos crianças espirituais? Até quando insistiremos em não entender as Escrituras? Até quando o mundo dominará nosso coração e não o amor, singeleza e pureza de Jesus Cristo? Chega de “orações contrárias”, de barganhas, de feitiços ridículos travestidos de espiritualidade. Até quando ficaremos falando sobre santidade sem a vivermos? Até quando ficaremos falando que “não importa a placa da igreja, somos todos um só”, mas na prática ficarmos falando mal uns dos outros? Até quando pediremos a Deus para gastarmos em nossos próprios prazeres?

Nossos pedidos são exageradamente mesquinhos. E não são mesquinhos por causa do tamanho do que pedimos. Jesus ensinou a pedirmos o “pão”. Nossos pedidos são mesquinhos porque não são para a glória de Deus. Queremos a nossa vontade feita no céu e não a vontade do Pai feita assim na terra como no céu. Pedimos com motivações equivocadas.

Por que será que inúmeras “megaigrejas” frequentadas por gente de muitas posses, e que arrecadam muito dinheiro, não fazem o mínimo, eu friso: O MÍNIMO esforço para combater as mazelas sociais DOS BAIRROS AO LADO DE ONDE ESTÃO SITUADAS? Jesus disse que os discípulos deveriam ir aos confins da terra, mas deveriam começar por Jerusalém, o local onde estavam. Por que pedimos respostas de Deus e coisas para nós mesmos e não pedimos para SERMOS a resposta de Deus para os marginalizados ao nosso redor?

Recentemente fiquei profundamente triste ao ver uma criancinha do tamanho da minha filha brincando com um ursinho de pelúcia debaixo de uma ponte. A menina estava descalça, imunda, com o cabelo sujo, o rosto sujo, roupa rasgada. O ursinho estava estragado, rasgado, imundo. Ela brincava na frente de uma casa de plástico e madeira, toda suja. Na mesma hora eu me lembrei da minha filha e de todo esforço que faço para dar o melhor para ela. Não é possível que professaremos seguir Jesus e não lutaremos para ajudar os pobres, o doentes, os inválidos, os dependentes químicos, os miseráveis, os excluídos, os soropositivos, os abandonados, os sem-teto e as menininhas que brincam e moram debaixo de uma ponte. Diante deste mundo sem alma, até quando pediremos coisas inúteis a Deus?

É óbvio que devemos ser felizes. Alias, mais do que felizes, devemos ser bem-aventurados. Contudo, a beatitude vem através de outros valores: pobreza de espirito, quebrantamento, mansidão, fome e sede de justiça, misericórdia. Nossos valores são outros. Jesus foi enfático: “Não será assim entre vocês”. Entre os discípulos de Jesus as coisas devem ser diferentes. Em 1Pedro 3.15 está escrito que devemos estar prontos para responder a qualquer pessoa que pedir a razão da esperança que há em nós. Mas as pessoas de fato estão perguntando isso para nós? John Piper disse que se ninguém pergunta qual a razão de sua esperança é porque provavelmente sua esperança não é diferente da esperança do mundo.

Quer ser importante? Então sirva seu próximo.

O ensinamento de Jesus precisa dominar nosso coração. Graças a Deus, Tiago, João e a mãe deles entenderam e viveram o que Jesus disse. Tiago foi decapitado por amor a Cristo (Atos 12.2). João sofreu na ilha de Patmos por amor a Cristo (Apocalipse 1.9). Conforme Mateus 27.56, a mãe de Tiago e João estava aos pés da cruz onde Jesus Cristo nos salvou.

Fonte: NAPEC

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