quinta-feira, 16 de julho de 2015

O Autor e os Objetos da Predestinação


Por Louis Berkhof

1. O AUTOR. Indubitavelmente, o decreto da predestinação é, em todas as suas partes, um ato concomitante das três pessoas da Trindade, que são uma só em Seu conselho e em Sua vontade. Mas, na economia da salvação, como nos é revelada na Escritura, o ato soberano de predestinação é atribuído mais particularmente ao Pai, Jo 17.6, 9; Rm 8.29; Ef 1.4; 1 Pe 1.2. 

2. OS OBJETOS DA PREDESTINAÇÃO. Em distinção do decreto geral de Deus, a predestinação só diz respeito às criaturas racionais de Deus. Mais frequentemente se refere aos homens decaídos. Todavia, o termo é empregado num sentido mais amplo, e aqui o utilizamos no sentido mais abrangente, para incluir todos os objetos da predestinação. Esta inclui as criaturas racionais, isto é: 

a. Todos os homens, bons ou maus. Não meramente como grupos, mas como indivíduos, At 4.28; Rm 8.29, 30; 9.11-13; Ef 1.5, 11. 

b. Os anjos, bons e maus. A Bíblia fala não somente de anjos santos, Mc 8.38; Lc 9.26, e de anjos ímpios, que não conservaram o seu estado original, 2 Pe 2.4; Jd 6; mas também faz explícita menção de anjos eleitos, 1 Tm 5.21, implicando com isso que também há anjos não eleitos.Surge naturalmente a questão: Como podemos conceber a predestinação dos anjos? Para alguns, significa simplesmente que Deus determinou de modo geral que os anjos que permanecessem santos seriam confirmados num estado de bem-aventurança, ao passo que os demais estariam perdidos. Mas isto de modo nenhum se harmoniza com a ideia bíblica de predestinação. Esta na verdade significa que Deus, por razões para Ele suficientes, decretou dar a um certo número de anjos, em acréscimo à graça de que foram dotados pela criação e que incluía grande capacidade para permanecerem santos, a graça especial da perseverança; e privar desta os demais. Há pontos de diferença entre predestinação dos homens e a dos anjos: (1) Enquanto se pode pensar na predestinação dos homens como infralapsária, a dos anjos só pode ser entendida como supralapsária. Deus não escolheu certo número de anjos dentre uma multidão de anjos decaídos. (2) Os anjos não foram eleitos ou predestinados em Cristo como Mediador, mas, sim, como Chefe, isto é, para estarem em relação ministerial (de serviço) com Ele. 

c. Cristo como Mediador. Cristo foi objeto da predestinação no sentido de que: (1) um amor especial do pai, distinto do Seu usual amor ao Filho, estava sobre Ele, desde toda eternidade, 1Pe 1.20; 2.4: (2) em Sua qualidade de mediador, Ele era objeto do beneplácito de Deus. 1 Pe 2.4 (3) como Mediador, Ele foi adornado com a imagem especial de Deus, `a qual os crentes devem conformar-se, Rm 8.29; e (4) o Reino, com toda a sua glória, e os meios conducentes `a sua posse, foram ordenados para Ele, para que Ele os passasse aos crentes, Lc 22.29 

As Partes da Predestinação. 

A predestinação inclui duas partes, a saber, eleição e reprovação, a predeterminação tanto dos bons como dos maus para o seu fim definitivo, e para certos fins próximos, que servem de instrumentos para o cumprimento do seu destino final. 

1. ELEIÇÃO 

a. A ideia bíblica da eleição. A Bíblia fala de eleição em mais de um sentido. Há (1) a eleição de Israel como povo, para privilégios especiais e serviço especial, Dt 4.37; 7.6-8; 10.15; Os 13.5. (2) A eleição de indivíduos para algum ofício, ou para a realização de algum serviço especial, como Moisés Ex 3, os sacerdotes, Dt 18.5, os reis, 1 Sm 10.24; Sl 78.70, os profetas, Jr 1.5, e os apóstolos, Jo 6.70; At 9.15. (3) A eleição de indivíduos para serem filhos de Deus e herdeiros da glória eterna, Mt 22.14; Rm 11.5; 1 Co 1.27, 28; Ef 1.4; 1 Ts 1.4; 1 Pe 1.2; 2 Pe 1.10. Esta última é a eleição aqui considerada como parte da predestinação. Pode-se definir como o ato eterno de Deus pelo qual Ele, em Seu soberano beneplácito, e sem levar em conta nenhum mérito previsto nos homens, escolhe um certo número deles para receberem a graça especial e a salvação eterna. Mais resumidamente, pode-se dizer que a eleição é o propósito de Deus, de salvar certos membros da raça humana, em Jesus Cristo e por meio dele. 

b. Características da eleição. As características da eleição e as dos decretos em geral são idênticas. O decreto da eleição é: (1) Uma expressão da vontade soberana de Deus, do beneplácito divino. Significa, entre outras coisas, que Cristo como Mediador não é a causa impulsora, motriz ou meritória da eleição, como alguns têm asseverado. Pode-se lhe chamar causa mediata da concretização da eleição, e causa meritória da salvação para a qual os crentes foram eleitos, mas Ele não é a causa motriz ou meritória da eleição propriamente dita. Isso é impossível, visto que Ele mesmo é objeto da predestinação e eleição, e porque, quando se incumbiu da Sua obra mediatória no Conselho de redenção, já fora fixado o número dos que Lhe foram dados. A eleição precede logicamente ao Conselho de paz. O amor eletivo de Deus precede ao envio do Seu filho, Jo 3.16; Rm 5.8; 2 Tm 1.9; 1 Jo 4.9. Ao dizer-se que o decreto da eleição se origina no beneplácito divino exclui-se também a ideia de que ela é determinada por alguma coisa existente no homem, como a fé ou as boas obras previstas, Rm 9.11; 2 Tm 1.9. (2) É imutável e, portanto, torna segura e certa a salvação dos eleitos. Deus executa o decreto da eleição coma sua própria eficiência, pela obra salvadora que realiza em Jesus Cristo. É Seu propósito que certos indivíduos creiam e perseverem até o fim, e Ele assegura este resultado pela obra objetiva de Cristo e pelas operações subjetivas do Espírito Santo, Rm 8.29, 30; 11.29; 2 Tm 2.19. É o firme fundamento de Deus que permanece, “tendo este selo: o Senhor conhece os que lhe pertencem”. E, como tal, é fonte de abundante consolação para os crentes. Sua salvação não depende da sua obediência incerta, mas tem a garantia do propósito imutável de Deus. (3) É eterna, isto é, desde toda a eternidade. Esta eleição divina jamais deve ser identificada com alguma seleção temporal, seja para o gozo da graça especial de Deus nesta vida, seja para privilégios especiais e serviços de responsabilidade, seja para a herança da glória por vir, mas, antes, deve ser considerada eterna, Rm 8.29, 30; Ef 1.4, 5. (4) É incondicional. 

A eleição não depende de modo algum da fé ou das boas obras humanas previstas, como ensinam os arminianos, mas exclusivamente do soberano beneplácito de Deus, que é também o originador da fé e das obras, Rm 9.11; At 13.48; 2 Tm 1.9; 1 Pe 1.2. Desde que todos os homens são pecadores e perderam o direito às bênçãos de Deus, não há base para essa distinção neles; e desde que até a fé e as obras dos crentes são fruto da graça de Deus, Ef 2.8, 10; 2 Tm 2.21, mesmo estas, como previstas por Deus, não podem fornecer a referida base. (5) É irresistível. Não significa que o homem não possa opor-se à sua execução até certo ponto, mas significa, sim, que a sua oposição não prevalecerá. Tampouco significa que Deus, na execução do Seu decreto, subjuga de tal modo a vontade humana que seja incoerente com a liberdade da ação humana. Significa, porém, que Deus pode exercer e exerce tal influência sobre o espírito humano que o leva a querer o que Deus quer, Sl 110.3; Fp 2.13. (6) Não merece a acusação de injustiça. O fato de que Deus favorece alguns e passa por alto outros, não dá direito à acusação de que sobre Ele pesa a culpa de agir com injustiça. Só podemos falar de injustiça quando uma parte pode reivindicar algo de outra. Se Deus devesse o perdão do pecado e a vida eterna a todos os homens seria injustiça se Ele salvasse apenas um número limitado deles. Mas o pecador não tem, absolutamente, nenhum direito ou alegação que possa apresentar quanto às bênçãos decorrentes da eleição divina. De fato, ele perdeu o direito a essas bênçãos. Não somente não tem direito de pedir contas a Deus por eleger uns e omitir outros, como também devemos admitir que Ele seria perfeitamente justo, se não salvasse ninguém, Mt 20.14, 15; Rm 9.14, 15. 

c. O propósito da eleição. I propósito desta eleição eterna é duplo: (1) O propósito próximo é a salvação dos eleitos. A palavra de Deus ensina claramente que o homem é escolhido ou eleito para a salvação, Rm 11.7-11; 2 Ts 2.13. (2) O objetivo final é a glória de Deus. Mesmo a salvação dos homens está subordinada a esta finalidade. Em Ef 1.6, 12,14 dá-se muita ênfase ao fato de que a glória de Deus é o supremo propósito da graça da eleição. O evangelho social dos dias atuais gosta de salientar que o homem é eleito para servir. Na medida em que isto vise negar que a eleição do homem é para a sua salvação e para a glória de Deus, é claramente contrário à Escritura. Entretanto, entendida pelo que ela é em si mesma, sem segundas intenções, a ideia de que os eleitos foram predestinados para servir ou para as boas obras, é inteiramente escriturística, Ef 2.10; 2 Tm 2.21; mas esta finalidade é subserviente às finalidades já indicadas.

Fonte: Teologia Sistemática, Louis Berkhof, Ed. Cultura Cristã

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