quinta-feira, 30 de março de 2017

Pequenos cristos: roteiro para uma nanorrevolução


Por Davi Lago

“Cristão” significa “pequeno cristo”. Que somos pequenos não há dúvidas. Em relação à imensidão da história, nossa vida é como um milionésimo de segundo. Em relação à imensidão do cosmo, se a nossa Via Láctea é um grão, o que dirá da Terra e o que se dirá de nós? Ou seja, no tecido espaço-tempo somos uma diminuta partícula. O problema, no entanto, é que além de nossa finitude material, nos tornamos espiritualmente miseráveis ao abandonarmos nosso Criador. Nos tornamos pessoas mesquinhas, arrogantes, invejosas, vingativas.

Jesus é a revelação que Deus tem misericórdia de nós, apesar de nossa pequenez moral. O evangelho é o convite a seguir os passos de Jesus Cristo em direção à cruz, para uma vida cheia de amor, alegria e paz. “Em Antioquia, os discípulos foram pela primeira vez chamados cristãos” (Atos 11.26). Os pequenos cristos são aqueles que continuam os passos de Jesus Cristo hoje em Paris, Belo Horizonte, Tel Aviv, Detroit, Genebra, Luanda.

No início dos anos 2010 popularizou-se a noção de microrrevolução: no lugar de causas colossais, propostas simples; em vez de ideologias lentas e previsíveis, mudanças rápidas e pontuais. Em 2011 o evento TEDx na cidade de São Paulo apresentou o termo assim: “Uma microrrevolução é uma mudança significativa fomentada por ações simples. Quem reforma uma praça ou monta um projeto de inclusão digital, por exemplo, fez uma microrrevolução. Quem defende a agricultura urbana ou supera dificuldades físicas por meio da arte também é um microrrevolucionário. As microrrevoluções são sonhos possíveis, acontecem a todo momento, em qualquer lugar”.

Creio que nesse tempo de microrrevoluções, os pequenos cristos podem operar uma revolução ainda mais precisa, ainda mais acurada: uma nanorrevolução em cada ato da vida, até mesmo em nossos pensamentos e avaliações. Como disse o poeta moçambicano Mia Couto em seu Poema didático: “Eu tive um país tão pequeno, tão pequeno, que não cabia no mundo”[1].

O evangelho não é um borrão conceitual, um credo enevoado. Pelo contrário: é mensagem cristalina para uma vida cristalina. O evangelho é um convite para andar na luz: o pleno reconhecimento de nossas limitações por um lado, mas por outro, na imensidão do poder e do amor de Deus manifestos em Jesus Cristo. E isso precisa ser colocado em atitudes concretas, pequenas atitudes e gestos, como Jesus mesmo ensinou: até mesmo o simples entregar de um copo de água fria!

Nestes tempo líquido-gasosos caracterizados pela fluidez e instabilidade, sejamos nanomissionários sólidos! Missão não é uma tarefa a realizar, é a própria vida. Somos missão. “Antes mesmo de te formar no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio eu te consagrei. Eu te constituí profeta para as nações” (Jeremias 1.5).

A missão está sempre relacionada com a concretude da existência. Não existe nenhuma missão no abstrato, no vácuo, fora do tempo, do espaço e das culturas. A revolução cristã é a missão de anunciar e viver o evangelho real! É um processo de integração, de relação, de comunhão, de tolerância, de urgência.

Concordo com João Panazzolo: “missão é testemunhar, em todo o mundo, o que está acontecendo em nós. É diferente de só realizar tarefas ou da ambição expansionista. Manifesta-se em atividades, mas acontece primeiramente, em nós” [2]. “Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua presença. Em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos por meio de Jesus Cristo, conforme o bom propósito da sua vontade, para o louvor da sua gloriosa graça, a qual nos deu gratuitamente no Amado” (Efésios 1.4-6).

A igreja está à serviço do Reino, estabelecendo uma nova relação, uma reviravolta na hierarquia do valores dominantes. O Reino é dos pequenos e simples e não dos sábios e poderosos (Lucas 18.9-14). Foram esses pequenos cristos que difundiram a mensagem de Jesus! Como afirmou John M. Kelly, a fé cristã alcançou “não só a plebe urbana (que se sentia especialmente atraída pela mensagem de Cristo), mas também membros das classes superiores educadas, que logo se tornaram capazes de opor ao paganismo argumentos intelectuais vencedores”[3].

A fé cristã vai direto ao ponto. Apresenta respostas incisivas e claras às grandes questões da vida. Apresenta preceitos diretos, sem embromação. Como afirmou Blaise Pascal: “Duas leis bastam para reger toda a República cristã, melhor do que todas as leis políticas”[4]. Os pequenos cristos são cidadãos do Reino do Amor.

Conforme o texto do Evangelho segundo São João 3.16 “Porque Deus amou tanto o mundo que enviou seu filho unigênito para que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna”. Lutero chamou esse trecho bíblico de “evangelho em miniatura”. E é exatamente isso o que precisamos hoje: miniaturas de Jesus em circulação, miniaturas do evangelho, pequenos cristos por toda parte.

NOTAS

[1] COUTO, Mia. Poemas escolhidos. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p.153.

[2] PANAZZOLO, João. Missão para todos: introdução à missiologia. São Paulo: Paulus, 2006, p.101.

[3] KELLY, John M. Uma breve história da teoria do direito ocidental. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010, p.108-109.

[4] PASCAL, Blaise. Pensamentos. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.143.

Fonte: NAPEC

quarta-feira, 29 de março de 2017

A IRA DO HOMEM E A IRA DE DEUS



















Por Fabio Campos 

Segundo o dicionário Escolar da Língua Portuguesa, produzido pela academia brasileira de letras, “Ira” é o forte sentimento de raiva ou rancor (contra algo ou alguém), provocado por algum mal ou ofensa recebidos; ódio, cólera, fúria; trata-se do desejo de vingança ou de punição 1. O dicionário popular de teologia de Millard Erickson, diz que a “Ira de Deus”trata-se da oposição ao ódio pelo mal, juntamente com a intenção de puni-lo 2. Já o dicionário de Teologia da Editora Vida, edição de bolso, diz que Ira é a reação espontânea, subjetiva e santa de Deus ao pecado, ao mal e à impiedade exibidos pelas criaturas que a ele se opõem 3.

Este atributo não é tão fácil de definir, como acontece com amor, que também se trata de um dos atributos de Deus. Os reformadores enfatizaram muito em suas pregações e ensinos a ira de Deus. Os puritanos eram contundentes na exposição de seus sermões, e dentre os seus temas favoritos encontrava-se a ira de Deus. Quem não se lembra, por exemplo, o famoso sermão pregado por Jonathan Edwards Pecadores nas mãos de um Deus Irado

No entanto, o principal complicador para se definir a ira de Deus é porque, na maioria das vezes, partimos do ponto da ira do homem, isto é, de nós mesmos. O que deve ficar claro para nós, entretanto, é que a ira de Deus é diferente da ira do homem, pois a ira do homem não produz a justiça de Deus (Tg 1.20). Aqui está o motivo pelo qual muitos se equivocam ao falar sobre este assunto.

Alguns entendem ira de Deus como ressentimento, animosidade, vingança pessoal etc. A nossa ira, no entanto, é que carrega este caráter. Deus, porém, não é movido por sentimentos ou paixões (ainda que Ele seja imanente). A ira de Deus, portanto, não é um sentimento de fúria no qual Deus se deixou levar pelo o momento, mas o estado na relação d’Ele com o homem (Jo 3.36; Rm 4.15; Cl 3.6). Jonh Stott diz que “a ira divina contra o pecado lhe causou dor (em Deus). Essa ira de Deus é absoluta e firme. Podemos dizer que o reconhecimento da ira de Deus é o princípio da sabedoria. Mas Deus ama as próprias pessoas com as quais está irado. De modo que a dor de Deus reflete a sua vontade de amar o objeto de sua ira”.4 Por este fator – diferente de nós quando irados – Deus continua amando o objeto da sua ira, sem, com isso, levá-la em conta, pois todos homens se encontram sob o seu juízo (Rm 3.23).

Esta ira, ou seja, me refiro ao estado, é removida quando alguém recebe Cristo como Senhor e Salvador. Aqui há algo extraordinário. Na cruz, a justiça e a misericórdia se beijaram. O Pai continuou amando o Filho mesmo quando o Filho, por amor a nós (Jo 3.16), foi o objeto da ira do Pai (Is 53. 3-7). Foi “Deus lutando com Deus”, como disse Martinho Lutero. 

Ele provou o seu amor para conosco pelo fato de ter entregado a Cristo quando ainda éramos pecadores, isto é, quando éramos ainda o objeto da sua ira (Rm 5.8). Esta é a razão pela qual não precisamos levantar a voz e nem fazer cara feia ao pregarmos a ira de Deus. Risos...

O que ocorre, entretanto, é que em certas ocasiões, o que temos são manifestações desta ira (Ex 4.14; Nn 12.9, 22.22, 32.14; Jz 10.7; 2 Sm 24.1; 1 Is 42.25; At 5. 1-10). A ira consumada, no entanto, se manifestará em sua plenitude no dia do Senhor (Am 5. 18-20). Essa será a última vez que o Senhor Deus se irará. Neste dia o juízo será sem misericórdia (Mt 3.7; 1 Ts 1.10; Ap 6.16). Por enquanto, a misericórdia ainda triunfa sobre o juízo (Tg 2.13).

Com efeito, a Bíblia usa um figura de linguagem chamada“antropopatismo” (compreensão de Deus como possuidor de emoções humanas) para fazer entender, em parte (1 Co 13.9), o estado entre Deus e os homens. Em Cristo, como disse anteriormente, essa ira é removida e a paz se estabelece. Paz no sentido de uma bênção ligada ao passado. Trata-se de algo que já aconteceu. Não é a paz de Deus (Fp 4.7), mas a paz com Deus (Rm 5.1). Não é um sentimento, mas um relacionamento. É a paz da reconciliação com Deus 5. 

Posto isto, o nosso cuidado consiste, ao falarmos da ira de Deus, em não atribuirmos ao Senhor a nossa ira, que é maculada pelo pecado. Para o homem apertar o gatilho não precisa de muito; basta ser contrariado. Essa ira é quem faz as pessoas cometerem erros sem que haja esforços para isso (Pr 14.17). A ira do homem o apressa em cometer loucuras (Ec 7.9); diferente da ira de Deus, que mesmo sendo santa, pura e justa, demora-se (por misericórdia) em ser aplicada (Sl 103.8). 

Muitos pregadores falam da ira de Deus com ódio no coração e raiva dos pecadores. Isto não tem nada a ver com as Escrituras e nem com o caráter Santo de Deus. Jamais podemos atribuir a Deus sentimentos que são nossos, como Ele mesmo diz, acerca disto: “... porque sou Deus e não homem, o Santo no meio de ti; eu não chegarei com ira” (Os 11.9). 

O que me traz temor numa pregação não é o dedo em riste do pregador ou a sua fisionomia de justiça, mas a Palavra de Deus exposta em sua fidelidade onde me é apresentado a justiça de Deus. O que me faz temer e tremer é a ira de Deus que me confronta junto do seu amor me constrange (Rm 2.4; 2 Co 5.14). Isto sim me leva ao arrependimento.

Portanto, em resumo, a ira de Deus está mundos à parte da nossa. O que provoca a nossa ira (a vaidade ferida) jamais provoca a dele; o que provoca a ira dele (o mal) raramente provoca a nossa6. O homem pode até se irar de acordo com a ira de Deus (Ef 4.26), porém, grosso modo, há uma distância muito grande entre a ira do homem para a Ira de Deus.

Em Cristo Jesus, considere este artigo e arrazoe isto em seu coração.

Soli Deo Gloria!
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Notas e citações:

1 Academia brasileira de letras; São Paulo, SP; Companhia Editora Nacional, 2º edição –São Paulo – 2008.
2 ERICKSON, Millard J. Dicionário Popular de Teologia. Ed. Mundo Cristão; 1 º edição –São Paulo – março de 2008.
3 GRENZ, Stanley J & GURETZKI, David & NORDLING, Cherith Fee. Dicionário de Teologia. Ed. Vida; São Paulo 2007.
4 STOTT, John. A cruz de Cristo. Ed. Vida Acadêmica; 1 º edição – São Paulo – março de 2006., p. 337
5 LOPES, Hernandes D. Romanos, o Evangelho segundo Paulo; p. 203
6 STOTT, John. A cruz de Cristo. Ed. Vida Acadêmica; 1 º edição – São Paulo – março de 2006, p. 176

Fonte: Fabio Campos 

sábado, 25 de março de 2017

Discípulos sim, prosélitos nunca!


Por Sandro Veiga

Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Porque percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito e, depois de o terdes feito, vós o tornais duas vezes mais filho do inferno do que vós. Mateus 23:15

Mais uma vez este sujeito entrelaça os pés pelas mãos ao tentar realizar o inútil serviço de “defensor” da santidade de Deus e da autoridade da Igreja, pois Deus e a Igreja não precisam de advogados.

Mas dessa vez vejo uma intenção mais ousada por parte dele, por isso, antes de chegar onde quero, preciso explicar o contexto que envolve o versículo que citei acima.

Quando se trata de conceituar a palavra prosélito nas Escrituras é necessário muito cuidado, portanto, avaliar o contexto em que ela está sendo aplicada é indispensável, pois no judaísmo nem todas as pessoas classificadas assim pertenciam à mesma categoria.

Ou seja, nem todos aceitavam a religião judaica de forma absoluta, pois, nas Escrituras, alguns que poderiam ser assim denominados, são chamados de “tementes a Deus” ou simplesmente “adoradores”. Estes haviam renunciado suas práticas pagãs apenas pelo fato de terem simpatizado o suficiente com a religião dos judeus para frequentarem a sinagoga. Muitos entre estes que eram chamados “prosélitos de porta” foram alcançados pelo Evangelho e se converteram a Cristo, como por exemplo, Lídia (At. 16:14).

Entretanto, outros foram muito mais longe na sua mudança do paganismo para o judaísmo, isto é, embora fosse impossível se tornarem judeus quanto à raça, se tornavam judeus quanto à religião e, isso, até o ponto de ultrapassar os mandamentos e obedecer cegamente todas as regras dos rabinos. Esses eram aceitos na comunidade judaica como “prosélitos de justiça”, ou “homens novos” e, na maioria das vezes, recebiam até mesmo novos nomes.

Podemos estar certos então que quando Jesus diz que os escribas e fariseus percorriam o mar e a terra para fazer um prosélito está se referindo a esse último tipo, pois o propósito dos religiosos partidários não era simplesmente transformar um gentio num judeu, mas transformá-lo em um judeu cheio de zelo, absolutamente legalista, em tudo ritualista, dado a todas as sutilezas, ou seja, alguém inflamado de amor beato por sua nova religião.

Implicitamente, Jesus diz que esse novo convertido seria, em seu fanatismo, mais religioso que os religiosos que o converteram, pois não é incomum que novos adeptos se devotem de maneira lunática à sua nova fé e isso explica o porquê Jesus pôde dizer: “… e, depois de o terdes feito, vós o tornais duas vezes mais filho do inferno do que vós”.

Dito isto, a ideia do boicote proposto pelo cidadão em questão ganha um contorno, pois, quando, ao exercer sua religiosidade, ele se nega a coexistir com os diferentes e, não satisfeito só em praticar sua rigidez religiosa, convoca outros a o imitarem, fica clara a intenção dele de criar prosélitos partidários.

A missão da Igreja é fazer discípulos de Jesus por meio do amor revelado no Evangelho e estendido a partir disso. Esse é o único serviço e meio para a sua realização.

Sei que você agora pode estar repetido uma das expressões preferidas dele, “mas amar não significa concordar com o erro” e digo sim, isto é verdade, mas é mais verdade ainda que o amor reclamado pelo Evangelho deva ser estendido na mesma medida do entendimento da gravidade do pecado cometido contra Deus.

Assim, percorrer todos os caminhos para fazer um seguidor de um amor seletivo e inflexível aos erros, não tem nada de correlato com a ordem de fazer discípulos Daquele que, mesmo sendo a encarnação do amor e da justiça, decidiu conviver com todos nas suas piores manifestações e sem a neurose de estar se associando a quem quer que seja.

O “candidato a Aiatolá evangélico” que vive do surto de criar um exército de prosélitos intransigentes e partidários está cada vez mais fanático por sua ideologia, mas confiemos na graça e na misericórdia Daquele que orou pedindo para o Pai que não nos tirasse do mundo, mas que nos livrasse do mal, pois de que adianta nos isolarmos do mundo temendo sua influência, mas estarmos cada vez mais entranhados no mal que obscurece o bem que deve nos influenciar?

É APENAS no EVANGELHO que somos feitos discípulos de Jesus para boicotar o pecado que nos habita e o proselitismo que nos acedia por terra e mar.

Fonte: NAPEC

sábado, 18 de março de 2017

O "ESPÍRITO DE LÓ"


Por Pr. Silas Figueira

No livro de Gênesis capítulo 12 nós encontramos o Senhor chamando Abraão para sair da sua terra e do meio de sua parentela, e ir para um lugar que o Senhor designara. O Senhor lhe faz promessas de que ele seria extremamente abençoado, fazendo dele uma grande nação (Gn 12.1-3).

No entanto, nós vemos que Abraão não fez como o Senhor lhe havia ordenado. Abraão saiu da sua terra como o Senhor ordenara, mas levou consigo seu sobrinho Ló. Este sobrinho era filho de seu irmão Harã que havia falecido (Gn 11.27,28). Este sobrinho era como um filho para Abraão, por isso o levou com ele. Mas a ordem dada foi de que ele deveria deixar todos os seus parentes (Gn 12.1). Um dos maiores problemas do ser humano é ser guiado mais pelos seus sentimentos do que pela Palavra de Deus. Esse sentimentalismo tem gerado grandes dificuldades na vida de muitos crentes em Jesus. Ao longo da história nós vemos isso se repetindo.

Quando deixamos que os nossos sentimentos falem mais alto que a voz de Deus através de Sua Palavra, nós, infelizmente, sofreremos sérias consequências disso. Veja a história de Abraão e Ló e você verá que este sobrinho causou-lhe muitos aborrecimentos, tristezas e preocupações, coisas que teriam sido evitadas se Abraão tivesse dado ouvidos a ordem que lhe fora dada.

Eu não quero passar a imagem de ser uma pessoa sem sentimentos para com as pessoas, ou mesmo para com os nossos familiares; mas existe algo que tem que estar acima dos nossos sentimento e emoções: A Palavra de Deus. Nós andamos por fé e não por emoção. Nós andamos direcionados pela Palavra e não pelos nossos achismos. Somos ordenados a obedecer a Sua Palavra de não fazermos o que nós queremos.

Se nós somos servos não tem como fazermos de forma diferente daquilo que o Senhor nos fala para fazermos através da Sua Palavra. Se Ele é Senhor temos que obedecê-lo (Lc 6.46).

Nós estamos em uma guerra espiritual e todos nós temos um inimigo comum que se chama Satanás. No que depender dele, ele fará de tudo para impedir que as promessas do Senhor se cumpram em nossas vidas, ou pelo menos, irá fazer de tudo para nos atrapalhar em nossa caminhada. E uma das coisas que ele coloca em nosso caminho é esse “espírito de Ló”. Permita-me chama-lo assim.

É aquele sentimento que o diabo nutre dentro dos nossos parentes, amigos e pessoas que aparecem em nossas vidas. E esse espírito gera dentro de nós aquele sentimento de piedade pela outra pessoa. E esse envolvimento sentimental (espiritual) que nutrimos nos afasta do propósito inicial do Senhor para nós. Por isso que o Senhor nos alerta: Saia dela povo meu (Ap 18.4). Essa é a ordem, mas o nosso coração guarda a esperança de que as coisas podem mudar no decorrer dos anos, pois o diabo coloca essa “esperança” dentro de nós. E pensamos: “Quem sabe ele irá se converter. Quem sabe ele irá mudar. Quem sabe ele irá abandonar o vício”. Quem sabe é Deus e Ele disse que devemos deixar esse sentimento de lado. Devemos dar atenção à Sua Palavra e não aos nossos sentimentos, pois enganoso é o nosso coração (Jr 17.9).

Isso não é falta de fé, mas devemos ter discernimento espiritual para não sermos presas fáceis de Satanás. O diabo sempre irá colocar esse tipo de pessoa no nosso caminho. Por isso cuidado!

Esse “espírito de Ló” é uma grande armadilha para o nosso desenvolvimento espiritual. É um espírito que acompanha um sentimentalismo piegas e depois deixa um rastro de destruição e tristeza. Veja alguns exemplos na própria vida de Abraão como esse espírito só lhe causou danos.

Primeiro, pessoas com o “espírito de Ló” só trás contenda (Gn 13.1-13). Ló acompanha Abraão e nesse período Ló fica rico vivendo com seu tio. O texto nos diz que estava havendo uma cotenda entre os pastores de Abraão e os pastores de Ló devido à quantidade de animais. A ideia que se tem aqui é que estava havendo uma comparação de quem era o mais rico, se era Abraão ou Ló. E quem começou isso foi Ló (Gn 13.8). Abraão o chama e diz que entre eles não deveria haver esse tipo de coisa, e que era melhor eles então se separarem. É aqui que seu sobrinho mostra uma total falta de respeito e de generosidade para com seu tio Abraão. Quando Abraão lhe diz que se ele fosse para um lado, ele iria para o outro, que o importante é eles estarem bem (Gn 13.9); Ló mais do que de pressa escolhe a melhor parte sem se importar com seu tio.

Gente com esse espírito sempre traz contenda, confusão, falta de harmonia, desentendimento, comparação... É o tipo de pessoa que aparece em nossa vida como um cordeiro, mas aos poucos começa a se revelar como um lobo. 
  
Segundo, pessoas com o “espírito de Ló” tenta roubar as promessas de Deus para nossas vidas (Gn 13.10-12). Ló escolhe a parte melhor e deixa o seu tio com a pior. Ele não teve se quer a hombridade de dizer para o seu tio ter a primazia da escolha. Esse espírito é ganancioso, trapaceiro e ingrato e gera esses sentimentos na pessoa que tem esse espírito. Você já esteve com alguém assim? Creio que sim. Você ajudou a pessoa lhe estendendo a mão, e quando a pessoa já estava bem lhe deu às costas lhe causando inclusive prejuízo. Isso é mais comum do que parece.

Como disse Spurgeon: “Para nós não nos decepcionarmos com as pessoas não crie expectativas a respeito delas”.

Mas a culpa dessa situação é nossa porque desobedecemos ao que o Senhor ordenou. Deixar para trás aquilo que não era para trazermos. Se não for a graça do Senhor agindo por nós seríamos destruídos por pessoas com esse espírito.

Terceiro, pessoas com o “espírito de Ló” não levanta altares (Gn 12.8). Essas pessoas que nos acompanham não temem a Deus como nós tememos. Ló não levanta altares, não se vê na dependência do Senhor, mas quer desfrutar das Suas bênçãos. Quem tem esse espírito quer desfrutar do melhor que o Senhor tem nos dado, mas não se importa em estar em Sua presença.

Eu ouvi de um pastor dizer o seguinte: “Ande com pessoas que sejam mais crentes que você”. Ele estava dizendo com isso que devemos deixar de lado aquelas pessoas que não querem nada com Deus, apesar de estarem na igreja e até em nossa família.

Veja o que Paulo nos aconselha:

“Mas agora estou lhes escrevendo que não devem associar-se com qualquer que, dizendo-se irmão, seja imoral, avarento, idólatra, caluniador, alcoólatra ou ladrão. Com tais pessoas vocês nem devem comer” (1Co 5.11 – NVI)

Quarto, pessoas com o “espírito de Ló” só fazem escolhas erradas (Gn 13.12,13). Ló foi Guido pelos olhos e não por Deus. Ló foi guiado pela ganância e não pela hombridade. Ló foi guiado pelo diabo e fez a escolha errada. Pessoas que carregam esse espírito levam aqueles que o acompanham para lugares perigosos, para lugares de pecado, para lugares condenados pelo Senhor. Pessoas assim são atraídas para esses lugares porque são guiados por demônios e não pelo Espírito Santo.

A história de Ló se repete nos dias de hoje. Quantos pais de família levando os seus familiares para o pecado, para a destruição e para a ruína. Quantos que andaram com pessoas piedosas, mas não absorveram esse mesmo temor. Esse tipo de gente é atraído pelo pecado e dele se satisfaz. 
     
Quinto, pessoas com o “espírito de Ló” só se mete em confusão (Gn 14.1-16). O texto nos fala que houve uma guerra e os moradores de Sodoma, cidade que Ló foi morar, foi saqueado e Ló foi preso também. Quem tem esse espírito só arruma lugar perigoso para viver e só se mete com pessoas erradas. E triste não é isso, é que tais pessoas precisam de ajuda e recorrem a nós muitas vezes. No caso aqui, Abraão quando ouviu que seu sobrinho estava em apuros foi socorrê-lo (Gn 14.14). Mas, geralmente, essas pessoas recorrem a nós, muitas e muitas vezes. 

Sexto, pessoas com o “espírito de Ló” não nunca aprendem a lição (Gn 19.1...). Veja que Ló foi retirado da cidade do pecado e voltou para esta mesma cidade. São pessoas incorrigíveis, insubordinadas e teimosas. Acham-se donas da verdade e por isso não ouvem conselho. Com tais pessoas devemos tomar muito cuidado, pois os tais não se importam com elas mesmas e ainda se passam por vítimas. E por fim são vítimas realmente, mas das suas más escolhas (Gn 19.23-26). Ló perdeu todos os bens que havia conquistado, perdeu a esposa por ser gananciosa e suas filhas para o pecado.

Pessoas com o “espírito de Ló” só atraem desgraça para si e para os que os acompanham. Tome cuidado com tais companhias. 

Sétimo, pessoas com o “espírito de Ló” geram descendentes impiedosos (Gn 19.30-38). O Senhor, por misericórdia e interseção de Abraão enviou dois anjos para livrar Ló e sua família da destruição iminente de Sodoma e Gomorra, mas o fim de sua família também foi iminente. Ele perdeu a esposa, pois ela desobedeceu a ordem dada de não olhar para trás, e virou uma estátua de sal (Gn 19.26). Esse espírito também influencia outros a se lamentar das perdas e não consegue ser grato a Deus pelos livramentos.

Suas duas filhas, provavelmente, aprenderam em Sodoma o pecado do incesto e coabitam com o próprio pai e tem filhos com ele (Gn 19.36-38). E os filhos que lhes nascem são filhos malditos que não temem ao Senhor e se tornam inimigos de quem o adora. Os amonitas e os moabitas foram inimigos de Israel.

CONCLUSÃO

Gente assim é a pior escolha que podemos fazer para ser nosso companheiro de caminhada. Vão nos sugar e nunca nos abençoar. Por isso fuja de tais indivíduos para que você possa desfrutar das bênçãos que o Senhor tem para sua vida.

Abraão não obedeceu de forma plena a ordem do Senhor e trouxe para si problemas terríveis, meu irmão o que está registrado na Palavra de Deus é para servir para nós de exemplo. E exemplos não faltam. Se errarmos é por nossa conta e risco e não por falta de Deus não nos avisar.

Pense nisso!

domingo, 12 de março de 2017

O CULTO QUE DESONRA AO SENHOR


Por Pr. Silas Figueira

Texto base: Malaquias 1.6-14

INTRODUÇÃO

O profeta Malaquias surge no cenário da história cerca de cem anos depois que o povo judeu havia voltado do cativeiro babilônico. Provavelmente já havia passado a época de Ageu, Zacarias, Esdras e Neemias, e o próprio povo já começava a se instalar na terra; porém, não com a mesma prosperidade que antes [1].

Devido a isso, o povo caiu em profundo desânimo espiritual, a começar pelos sacerdotes. Quando eles começaram a observar que as profecias antigas não estavam se cumprindo como o esperado, tanto os sacerdotes quanto o povo começou a achar que o Senhor havia se esquecido deles. Por sua vez, o templo que antes era monumental, comparado com o que eles haviam reconstruído era sem expressão. Com isso a desmotivação tomou o coração das pessoas e os sacerdotes começaram a exercer o seu ofício sem temor e se corromperam totalmente. Devido a isso o culto estava totalmente corrompido também.

É nesse cenário da história que o Senhor levanta o profeta Malaquias para corrigir o seu povo e, principalmente, os sacerdotes; homens que foram levantados por Deus para levar o povo à adoração e temor ao Senhor. No entanto, o modo como estavam servindo ao Senhor era uma desgraça para o nome dele [2]. Diante dessa situação, o Senhor levanta o profeta Malaquias para que tanto os sacerdotes, quanto o povo se voltem para o Senhor.

Os profetas eram o último recurso de Deus para comunicar sua vontade ao povo. Deus levanta os profetas, que vinham no poder do Espírito Santo e na autoridade de Deus, chamando o povo ao arrependimento ou advertindo-o das consequências de seus atos. Às vezes pensamos que o papel do profeta era prever o futuro, que essa era a função principal, mas na verdade não era – a previsão do futuro era uma parte relativamente pequena do seu ofício. A tarefa do profeta era chamar o povo ao arrependimento e à obediência da Lei [3]. E foi para isso que o profeta Malaquias havia sido levantado pelo Senhor: trazer os sacerdotes e o povo de volta para Ele observando a Sua Lei e o que nela era exigido. 
   
Quando que o culto desonra ao Senhor?

EM PRIMEIRO LUGAR, O CULTO DESONRA AO SENHOR QUANDO O CULTO SE TORNA SEM TEMOR E SEM ESPIRITUALIDADE (Ml 1.6,7).

Malaquais inicia essa mensagem fazendo uma declaração indiscutível: “O filho honra o pai e o servo ao seu senhor” (1.6). A primeira relação envolve afeição e a segunda respeito. Mas os sacerdotes não demonstraram nem amor nem respeito a Deus [4]. Os sacerdotes estavam totalmente apáticos em relação a dar a Deus a honra que lhe era devida. Eles perderam o temor e como consequência a espiritualidade deles foi a zero.

Quando liderança perde o temor a Deus e a espiritualidade algumas coisas ocorrem:

1º - Há um total desprezo a Deus e ao culto a Ele oferecido. Os sacerdotes perderam a fidelidade a Deus e a Sua Palavra. Havia culto, mas não havia adoração. Havia culto, mas os sacerdotes não se preocupavam em observar os preceitos da Palavra de Deus. Eles se tornaram profissionais da religião. Eles andavam na contra mão dos ensinamentos bíblicos. Honravam líderes humanos, mas não honravam a Deus.

Hernandes Dias Lopes diz que a apostasia começa na liderança. As falsas doutrinas começam nos seminários, descem aos púlpitos e daí matam as igrejas. Os desvios da teologia desemboca no desvio moral: o liberalismo, o sincretismo e a ortodoxia morta desembocam em vida relaxada [5].

2º - A liderança se torna canal de maldição de não de bênção (Ml 2.2). A maldição nada mais é que a punição da quebra da Lei. Talvez a palavra mais adequada aqui seja castigo. Tanto o mundo físico quanto o mundo espiritual são regidos por leis. A diferença entre uma lei e um conselho é que a lei é sancionada pela punição, caso contrário, ela perderia sua força, trazendo o caos para os relacionamentos. Por mais que as pessoas estejam acostumadas com a impunidade, espiritualmente a lei de colher o que semeia não será quebrada (Gl 6.7) [6].

A liderança jamais é neutra, ela é uma bênção ou maldição. Sempre que um líder transgride, ele é um laço para o povo. A liderança é como um espelho. O espelho para ser útil precisa estar limpo, ser plano e estar bem iluminado. A vida do líder é a vida da sua liderança, mas os pecados são os mestres do pecado [7].

3º - Há um total cinismo e falta de temor a Deus (Ml 1.7). Eles foram repreendidos, mas não demonstram nenhum arrependimento. Eles foram corrigidos, mas pouco se importaram com que o Senhor estava lhes falando.

O mesmo tem ocorrido hoje. O Senhor não deixou de falar com seu povo. A Palavra está nas mãos dos líderes e eles têm por obrigação lê-la e praticá-la, mas quantos estão interessados nisso? Muito poucos, infelizmente. Muitos estão distorcendo a Palavra para se beneficiar através dela; e o povo que não lê a Bíblia acredita nesses falsos líderes, embora muitos que se juntam a eles são iguais a eles também. Buscam a Deus para se beneficiarem ou para simplesmente como rotina de vida. São religiosos, mas não adoradores, por isso oferecem qualquer coisa num total cinismo e falta de temor a Deus.
  
EM SEGUNDO LUGAR, O CULTO DESONRA AO SENHOR QUANDO O CULTO HONRA AOS HOMENS, MAS NÃO HORA A DEUS (Ml 1.8,9).

Eles não tinham coragem de oferecer ao governador a oferta que ofereciam a Deus. Honravam os líderes humanos, mas não honravam a Deus. Entregavam para o sacrifício animais que era inadmissível oferecer há uma pessoa. Mas queriam a bênção do Senhor sobre as suas vidas oferecendo esse tipo de coisa a Ele. As pessoas buscavam agradar ao governador, mas estavam longe de agradar a Deus. E isso não é diferente dos dias de hoje. 

Estamos vivendo a época do culto as celebridades. O culto hoje, em muitas igrejas, é antropocêntrico e não Cristocêntrico. Os cultos tem sido mais uma apresentação que culto a Deus. Tem sido mais show que verdadeira adoração. As pessoas estão mais preocupadas com a roupa que vão à igreja do que com a roupa espiritual. Esse antropocentrismo tem gerado crentes adoradores de selfies e não adoradores do Senhor.

1º - O culto antropocêntrico adora aos homens e não a Deus. Há um respeito exacerbado aos líderes humanos, mas não a Deus que é o verdadeiro Senhor. Por isso que o Senhor diz para ao povo para apresentar o sacrifício que ofereciam ao Senhor ao governador e vê se ele aceitaria.

Hoje muitas pessoas vão à igreja por causa do cantor que irá se apresentar, por causa do pastor popstar que irá pregar. Por que é a igreja da moda. Porque tem muitos jovens. Mas não vão por causa de Deus.

2º - O culto antropocêntrico honra mais aos homens que a Deus. Há mais respeito em muitos púlpitos por aí aos políticos que neles se apresentam que ao Senhor de toda a terra. Há uma bajulação a esse tipo de pessoa que a Deus. Alguns cantores são tratados como deuses. Já o pregador muitas vezes mal recebe uma oferta.

Teve um irmão que disse que foi pregar em uma igreja. Chegando lá havia um cantor famoso que iria se apresentar. O cantor recebeu uma oferta de trinta mil reais e o pastor uma oferta de hum mil quinhentos reais. Esse irmão disse que não havia cobrado nada para estar ali, mas o que fizeram era algo totalmente desproporcional. Honram mais o cantor que o pregador da palavra.

EM TERCEIRO LUGAR, O CULTO DESONRA AO SENHOR QUANDO SE OFERECE RESTO E NÃO AS PRIMÍCIAS (Ml 1.8,9,13,14).

É preferível não ter religião alguma do que ter uma religião que não dá a Deus o que há de melhor. Se o nosso conceito de Deus é tão baixo a ponto de pensarmos que ele se agrada com uma adoração indiferente, então não conhecemos o Deus da Bíblia. Na verdade, um Deus que nos incentiva a fazer menos do que o nosso melhor não é um Deus digno de adoração [8].

Os animais que haviam sido oferecidos como ofertas eram cegos, aleijados, rasgados por feras, roubados e até doentes. Isso era um insulto a Deus. Até homens famintos evitariam comer tais animais. Essa prática era contrária a orientação bíblica (Lv 22.20; Dt 15.21). Mais os sacerdotes não estavam se importando com isso.

Mas por que os sacerdotes ofereciam tais animais?

1º - Porque tais sacerdotes também não ofereciam a Deus o que tinham de melhor. Eles não eram capazes de corrigir o povo, pois eles não eram sacerdotes irrepreensíveis.

Eles eram piores que o povo, pois o povo na verdade os imitava. Eles estavam agindo iguais Hofni e Finéias filhos do sacerdote Eli (1Sm 2.12-17,22,27-29).

Muitos líderes hoje também não corrigem o povo porque eles mesmos andam em pecado. Não tem compromisso com Deus, mas são filhos do diabo travestidos de sacerdotes do Senhor.

2º - Porque os sacerdotes e seus familiares se beneficiavam do que era oferecido no altar. Eles escolhiam as melhores carnes. Escolhiam as carnes de animais que não estavam doentes e separavam para si. Os sacerdotes queriam estar certos de que teriam comida na mesa. Afinal, a economia não andava bem, os impostos eram altos, e o dinheiro estava escasso; apenas os israelitas mais devotos levavam animais perfeitos para o Senhor. Desse modo, os sacerdotes contentavam-se com algo aquém do melhor e incentivavam o povo a trazer o que tivesse disponível. Um animal doente iria morrer de qualquer forma, e os coxos não serviam para nada mesmo, então o povo podia muito bem levá-lo para o Senhor! Esqueceram-se de que o “obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender, melhor do que a gordura de carneiros (1Sm 15.22; Sl 51.16,17; Mq 6.6-8; Mc 12.28-34) [9].

E hoje não tem sido diferente. Muitos líderes estão mais preocupados com seus salários do que ver a igreja adorar de forma certa ao Senhor. O que importa para tais líderes é garantir o salário mensal. Por isso muitos fazem vista grossa ao pecado do povo. O importante é mantê-los na igreja não importa que com isso o pecado prevaleça em suas vidas. O importante é manter a “casa cheia”, ainda que seja de pessoas vazias.

Por isso que muitas igrejas estão imitando o mundo com seus cultos que imitam clubes noturnos com sua música doentia. Os ministros oferecem “porcos” no altar, para atrair pessoas a ouvir o seu “evangelho” [10]. No entanto, pastores sérios, que tem compromisso com a Palavra de Deus têm sido vistos e chamados de fundamentalistas, radicais, fariseus; pastores que não amam as pessoas. Só que é o contrário, esses pastores querem ver a igreja e o povo que a frequenta abençoados e não amaldiçoados. Eles se importam com Deus e em oferecer o melhor culto a Ele. Esses pastores são boca de Deus e profetas de Deus, mas como sempre ocorreu as pessoas não gostam de ouvir a verdade que liberta, por isso procuram pastores que falam o que eles querem ouvir e não o que o Senhor tem a falar (2Tm 4.1-4). 

EM QUARTO LUGAR, O CULTO DESONRA AO SENHOR QUANDO SE TORNA UM CULTO INÚTIL (Ml 1.10).

A versão NVI trás esse texto dessa forma:

Ah, se um de vocês fechasse as portas do templo. Assim ao menos não acenderiam o fogo do meu altar inutilmente. Não tenho prazer em vocês, diz o Senhor dos Exércitos, e não aceitarei as suas ofertas.

Esses sacerdotes pós-exílio não aprenderam nada com a história; da quase destruição de Judá pelos babilônicos, do quanto sofreram com a invasão do inimigo devido ao pecado que eles haviam cometido e que eles insistiam em cometer. A experiência amarga que sofreram não os ensinou nada a respeito de Deus e de como Ele é santo e não aceita um culto apóstata.

Não houve entre eles um único sacerdote que fechasse as portas do templo para dar um basta naquela hipocrisia. Eles estavam com a mente cauterizada e com o coração empedernido. Eles se tornaram profissionais do templo, pois eles não ofereciam nenhum sacrifício se não levassem alguma vantagem.

Deus prefere a igreja fechada a um culto hipócrita. É inútil acender o fogo do altar se nele vamos oferecer uma oferta imunda, se nossa vida está contaminada, cheia de impureza e ódio (Mt 5.23-25) [11].

O culto inaceitável é gerado por duas coisas na vida do sacerdote e do ofertante:

1º - Falta de temor (Ml 1.12). Pode ser que alguém ofereça ao Senhor um culto inaceitável por falta de conhecimento, isso é possível. Mas os judeus faziam isso de forma consciente. Eles haviam perdido o temor, mesmo depois de terem passado tudo que haviam passado e de como o Senhor com poder e graça os trouxera de volta para sua terra.

Hoje não tem sido diferente, muitos estão oferecendo a Deus um culto desprezível, mas achando que o Senhor não está se importando com isso. A falta de temor é extrema na vida de muitos líderes e isso reflete na vida de muitos liderados.

Por isso não temos visto igrejas inclusivas; igrejas que recebem pessoas em adultério como membros e muitas são colocadas como líderes de departamentos. Sobem no altar com a vida torta como que se o Senhor estivesse interessado em adoração e não no adorador. Mas o salmo 50.21 nos diz:

“Tens feito estas coisas, e eu me calei; pensavas que eu era teu igual; mas eu te arguirei e porei tudo à tua vista”.

Um dia tais pessoas irão prestar contas diante do Senhor. Com Deus não se brinca.

2º - As pessoas fazem votos de tolo (Ml 1.14). Não cumprem os seus votos. Prometem, mas não cumprem. Dizem que darão o melhor, mas entregam o pior.

O que temos visto na vida de muitas pessoas hoje é a mesma coisa. Prometem ser mais fiéis, mas não são. Prometem frequentar a igreja, mas na hora optam por estarem em qualquer outro lugar do que está na presença do Senhor oferecendo-lhe o seu culto. Vão de festa a shopping no dia do Senhor. E isso independe se é dia de ceia ou se é há uma festividade especial na igreja. E o pior que isso não é esporádico, mas é frequente.

Mas quando o “calo aperta”, fazem votos de tolo. O Senhor não está interessado em seus votos, mas no cumprimento deles.

CONCLUSÃO

É com pesar que temos visto isso ocorrer hoje em dia em muitas igrejas. O tempo passa, mas o homem não mudou; os mesmos erros do passado são repetidos hoje. A falta de temor, de reverência, de zelo pelas coisas de Deus continua a mesma na vida de muitas pessoas e o pior, na falta de muitos líderes.  

Todos nós somos responsáveis pelo culto, mas a responsabilidade maior é dos pastores e líderes; observe que a censura é dirigida primeiramente a eles. Por isso meu irmão tome cuidado onde você frequenta não se deixe levar pelo engano, pois as consequências serão sentidas por todos e não só pelos seus líderes.

Honre a Deus com seu culto e com a sua vida, pois o Senhor espera isso de todos nós. Não dê a Ele o pior, mas o melhor.

Pense nisso!

Fontes
       
1 – Nicodemos, Augustus. O Culto Segundo Deus, a mensagem de Malaquias para a igreja de hoje. Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 3ª Reimpressão 2016, p. 32.
2 – Wiersbe, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo vol. 4. Editora Geográfica, Santo André, SP, 2012: p.593.
3 – Nicodemos, Augustus. O Culto Segundo Deus, a mensagem de Malaquias para a igreja de hoje. Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 3ª Reimpressão 2016, p. 34.
4 – Lopes, Hernandes Dias. Malaquias, a igreja no tribunal de Deus. Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2006; p. 33.
5 – Ibid, p. 34.
6 – Borges, Marcos de Souza. Avivamento do Odre Novo. Editora Jocum, Almirante Tamandaré, PR, 2011; p. 140.
7 – Lopes, Hernandes Dias. Malaquias, a igreja no tribunal de Deus. Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2006; p. 35.
8 – Wiersbe, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo vol. 4. Editora Geográfica, Santo André, SP, 2012: p.594.
9 – Ibid, 594.
10 – Champlin, R. N. O Antigo Testamento Interpretado Vol. 5, versículo por versículo. Editora Candeia, São Paulo, SP, 10ª Reimpressão, 1998: p. 3707.
11 – Lopes, Hernandes Dias. Malaquias, a igreja no tribunal de Deus. Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2006; p. 41.

quinta-feira, 9 de março de 2017

Por que Paulo não jogou a toalha na Igreja do Novo Testamento?


Por Josemar Bessa

Muitas pessoas que querem arrumar uma desculpa para seu individualismo cultural – expressão mais decadente de nossa cultura pós-cristã, usam o refrão comum: “Não faço parte da igreja porque quero fazer parte de algo que seja mais parecido com a Igreja do Novo Testamento!” Será?

Sempre que eu ouço isso, dito por supostos cristãos que deviam ler a Bíblia, eu balanço minha cabeça... em assombro, por tanta falta de conhecimento, por ver tão deslavada desculpa...

Em várias incidências claras, a “Igreja do Novo Testamento” era menos atraente, menos autêntica, menos flexível, menos amorosa, menos verdadeira, menos bonita e menos semelhante a Cristo do que a igreja hoje.

Por motivos de conveniência cultural (como hoje)... temer perdas, perda de dinheiro, emprego, aceitação cultural... que os cristãos do primeiro século estavam com o pé fora da porta da igreja... e por isso o autor de Hebreus os exortou a não desistirem de congregar, como estava se tornando hábito naqueles dias... e essa era a “Igreja do Novo Testamento” – “Não deixando de nos congregar, como é costume de alguns, antes admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais, quanto vedes que se vai aproximando aquele dia.”- Hebreus 10:25

Uma “Igreja do Novo Testamento” que todos nós seríamos tentados a abandonar era a igreja em Corinto.

Uma das passagens mais célebre da Bíblia é 1 Coríntios 13, conhecida por nós como “o capítulo do amor”.

Neste magnífico capítulo, somos informados de que o amor é paciente e bondoso. Ele não tem inveja ou jactância, e não é arrogante ou rude. Não é exigente ou irritável, e não guarda rancor. Ele resiste às coisas que estão erradas e celebra coisas que são verdadeiras. Ele crê, espera e suporta todas as coisas.

Maravilhoso, certo?

Você sabia que quando Paulo escreveu aos Coríntios sobre o amor, ele não tinha cerimônias de casamento ou qualquer coisa do tipo em vista? Você sabia que ele estava realmente os repreendendo porque eles estavam se devorando, porque cada um dos atributos do amor era algo que eles não tinham como igreja?

A igreja de Corinto, uma proeminente "Igreja do Novo Testamento" (como muitos dizem de boca cheia hoje que queriam fazer parte), estava cheia de problemas. Uma breve viagem pela primeira carta de Paulo a esta comunidade de inadaptados nos diz que eles eram conhecidos por se julgarem severamente, criando grandes divisões sobre questões teológicas menores e insignificantes, cometendo adultério, fornicação, iniciando processos frívolos, divorciando-se sem fundamentos bíblicos, desfazendo a "liberdade cristã", se embriagando na santa ceia... e a lista continua. Paulo poderia facilmente ter anulado essa comunidade. Ele poderia ter jogado muito facilmente a toalha.

Por que Paulo não jogou a toalha na Igreja do Novo Testamento? Pela mesma razão que Jesus não jogou a toalha.

Igreja é família.

A adesão a uma igreja local não significa nada mais e nada menos do que isto: Juntando o seu eu imperfeito a muitos outros eus imperfeitos para formar uma comunidade imperfeita que, através de Jesus, embarca em uma jornada rumo a um futuro melhor ... juntos. Perfeitos um dia

Surpreendentemente, Paulo começa sua primeira carta de confronto aos Coríntios com afirmação e segurança. Apesar de suas muitas falhas, pecados, inconsistências, hipocrisias e fraquezas, ele é esperançoso por eles, não porque eles são pessoas estelares, sequer razoáveis - mas porque Jesus é um Salvador estelar. Jesus completará a obra que começou neles, e Paulo sabe disso. Então, em vez de bater no botão e ejetar sobre eles, ele dobra seu esforço em seu envolvimento com eles. Em vez de evitá-los e humilhá-los, ele lhes fala como seus amados irmãos, irmãs, filhos e filhas na fé. Em vez de fugir deles, corre em sua direção. Ele os nomeia não de acordo com seus fracassos, mas de acordo com seu status redentor, usando palavras como "santos" e "santificados". Ele agradece a Deus sempre por eles e os lembra que Jesus os sustentará até o fim.

Paulo olha para a igreja local quebrada e contempla a beleza. Ele olha para a igreja local pecaminosa e prevê a santidade. Ele olha para a igreja local indesejável e é superado com o desejo de seu florescimento. Paulo pensa sobre a igreja da mesma maneira que Jesus. Ele pensa na igreja como uma família. Filhas e filhos de Deus, com quem ele se compraz. A noiva de Cristo, a quem ele se desposou para sempre. Irmãs e irmãos uns para com os outros, herdeiros do Reino.

Família .

Como Santo Agostinho disse certa vez, às vezes "a Igreja é uma prostituta ( como Gômer, a mulher de Oséias, é o que Deus diz)... mas ela ainda é minha Mãe".

Não só a Igreja é nossa Mãe, mas também a esposa de Jesus.

Se o desejo de alguém é apertar o botão de ejeção na igreja local, é melhor fazer sem arrumar desculpas... admitir ser o eco de nossa cultura em endeusamento do individualismo... sua ojeriza a autoridade, a ter que prestar contas, a ter que servir ao Reino com seu amado dinheiro... por isso a grande tentação de criar a sua própria experiência de fé particular.

Fonte: Josemar Bessa

segunda-feira, 6 de março de 2017

Meu herege de estimação


Por João Rodrigo Weronka

Gostos pessoais nunca deveriam ser colocados em pé de igualdade ao Evangelho. Quando a subjetividade dos gostos pessoais se infiltra no contexto da igreja, a possibilidade de problemas é tão certa como o fulgor do sol do meio-dia. O Evangelho deveria ser o norteador de absolutamente tudo que acontece na igreja, justamente por que a igreja deveria estar sendo conduzida sob a direção do Evangelho. O grande problema que pode ser observado e que se torna um desafio para nossos dias é que os falsos ensinos e falsos mestres estão se multiplicando como fogo em palha, justamente pelo clamor e anseio de gostos pessoais.

Nestes dias tão estranhos, o que deixa grande parte dos crentes irritados já não são os falsos mestres e seus ensinos. O que os aborrece são justamente aqueles que denunciam a perversão do Evangelho e confrontam a operação dos “hereges de estimação”. Percebe-se uma clara inversão de valores e nunca será tarde para combater e bradar contra aquilo que foge ao padrão bíblico, já que não são poucos os tragados pelos falsos ensinos. Disse Spurgeon:

Falsos mestres que hábil e laboriosamente caçam preciosas vidas, devorando homens com suas falsidades, são perigosos e detestáveis como lobos da noite. Corremos muito perigo quando eles se vestem com pele de ovelha. Abençoado é aquele que está livre deles, pois milhares se tornam presas de lobos atrozes que transitam nos arredores da igreja. [1]

Eles estão espalhados, infiltrados por todos os lados. Não se trata de mera especulação ou mesmo de síndrome de conspiração. Basta observar o conteúdo das pregações, congressos, retiros, livros e músicas! Ah as músicas, grande celeiro de ensinos duvidosos, fábrica de ídolos, pervertedores do Evangelho. Livros e mais livros nas fileiras de Best Sellers que ensinam de tudo sob o rótulo de cristão, porém com pouco ou nada de Evangelho. Preletores que movimentam massas e cifras para pregações vazias e com status de show de comédia stand-up. Já que estamos em busca de um avivamento genuíno em nossos dias, que seja algo puro e nutrido pela Palavra de Deus.

Um problema antigo

O que acontece em nossos dias vem se repetindo num desgastante movimento cíclico de geração em geração desde os primórdios da igreja. Para meditação e comparação com nosso contexto atual, o ponto de partida está na breve – porém profunda – Epístola de Judas, irmão de Tiago (Jd 1), irmão do Senhor Jesus (Mt 13.55; Mc 6.3). Este não deve ser confundido com Judas Iscariotes, o traidor. Ao lermos os ensinos prestados pelas Escrituras no texto de Judas, versículos 10 ao 13, podemos perceber que as preocupações da igreja naquele momento estão se repetindo em nossos dias. Afinal:

Judas descreve sua obra em termos de exortação e de encorajamento (Jd 3). Obviamente, ele queria fortalecer as igrejas contra falsos mestres que estavam pervertendo o evangelho. Desse modo, ele repetidamente conclamou os crentes a ficarem firmes ou manterem a sua pureza e o evangelho (vv. 3, 20, 21, 24). [2]

Crentes contemporâneos estão cada vez mais lendo as Escrituras de modo alegórico. Pregadores cada vez mais trazendo mensagens relativizadas e carentes de exposição das Escrituras. Cantores compondo e contando letras egocêntricas, focadas no homem e distantes de Deus e sua Palavra. Ainda que às vezes até falem no nome de Deus, tratam com objetivos cada vez mais distantes do Evangelho. João Calvino assim comenta sobre tais homens, dentro do contexto da Epístola de Judas, porém nada diferente dos dias da Reforma Protestante e de nossos dias:

Como os homens destituídos de princípios, sob o título de cristãos, se insinuavam sorrateiramente, cujo principal objetivo era levar os instáveis e fracos a um profundo descaso de Deus, Judas mostra, antes de tudo, que os fiéis não devem deixar-se mover por agentes deste gênero, pelos quais a igreja sempre se viu assaltada; e os exorta ainda a se precaverem, cuidadosamente, de tais pestes. […] Ora, se consideramos o que satanás tem tentado em nossa época, desde quando o evangelho começou a ser vivificado, e quais as artes ele ainda emprega ativamente com o fim de subverter a fé e o temor de Deus, e que utilidade teve esta advertência nos dias e Judas, ela se faz ainda mais que necessária em nossos dias. [3]

Assim como a advertência de Calvino há quase quinhentos anos, comentando sobre a Epístola de Judas, que a igreja já era perturbada por “pestes”, nossos dias mostram pela aplicação da própria Escritura exposta que nossa vigilância precisa ser constante. Ainda que muito prejudiciais para a saúde da igreja, existem aqueles que cegamente lançam-se aos braços dos hereges, cultivando-os como seres de estimação. Infelizmente este sistema de crença demonstra que se trata de uma relação quase comercial, de oferta e demanda: onde existe um herege levantando um falso ensino, existirão corações ávidos para aclamá-lo.

Nas Escrituras

Para amplitude do que está sendo aqui tratado, além da leitura completa da Epístola de Judas, recomenda-se a leitura da 2ª carta de Pedro, pela proximidade e complemento dos assuntos abordados.

Vejamos pela Bíblia:

“Tais indivíduos, porém, zombam de coisas que não entendem. Como criaturas irracionais, agem segundo seus instintos e, desse modo, provocam a própria destruição”. Judas 10

Historicamente os oponentes da igreja que foram combatidos na Epístola de Judas são identificados como pertencentes à seita gnóstica primitiva[4]. Esta seita primitiva alegava que somente os iniciados em seus ensinos eram capazes de chegar ao verdadeiro conhecimento, ou seja, sua religião mística era detentora do caminho perfeito. Zombavam de coisas que não entendiam, pois seguiam seus mestres hereges, como bem descrito por Paulo em 1Tm 4.1. Acharam mestres segundo suas vontades (2Tm 4.1-5) e com isso traziam perversão ao Evangelho de Cristo e perturbação nas reuniões de comunhão dos crentes.

Em nossos dias não são poucos que se lançam a supostas visões e revelações que não encontram qualquer paralelo e respaldo nas Sagradas Escrituras – e pior – vão à contramão daquilo que a Bíblia ensina. Tais pessoas guiam cegos na sua cegueira rumo ao abismo e a destruição. Infelizmente seus seguidores mergulharam em nível de cegueira tão profunda que não aceitam sequer argumentos contrários. Apoiados na tolice e repetição quase como um papagaio de “não julgueis para não ser julgados”, filtram moscas e engolem camelos. Cultivam hereges de estimação.

“Ai deles! Porque entraram pelo caminho de Caim, e foram levados pelo engano do prêmio de Balaão, e pereceram na contradição de Coré.” Judas 11

Aqui está o motivo de tudo. O enganoso coração dos falsos mestres que são postos pela Escritura em pé de igualdade com o que há de pior na Bíblia: Caim, Balaão e Coré. Da mesma forma que Jesus aplica os “ais” de Mateus 23, Judas aplica “ai” para estes que são comparados a Caim, Balaão e Coré.

Caim foi o primeiro assassino registrado nas Escrituras, homem perverso, injusto e vazio de amor, egoísta e egocêntrico. Leia e compare os textos de Gn 4.4-15 e 1Jo 3.11-12. Percebe-se também que Caim é a tentativa frustrada de tentar agradar ou mesmo barganhar com Deus pelos esforços meramente humanos. Pior que toda sua prática reprovável é sua atitude posterior, demonstrando o cinismo e materialismo desafiador de Caim quanto à soberania do Deus vivo. Para benefício próprio, aqueles que agem como Caim desprezam o próximo, são vazios de compaixão, fé e amor, além de passar a ser um claro agente opositor da ação da graça de Deus.

Balaão por sua vez mostra a personalidade do avarento, mentiroso e de coração cheio de cobiça e engano. Para aprofundar o entendimento sobre Balaão, leia Números nos capítulos 22 ao 24. Já em Nm 25 traz a narrativa sobre o erro de Balaão por ter levado o povo de Israel ao caminho da imoralidade e idolatria, ao incentivar Balaque, rei de Moabe, com a introdução de “donzelas” no meio do povo de Deus (veja Nm 31.16). Agiu desta forma, pois tentara amaldiçoar o povo de Deus sendo incapacitado a proferir maldições. Nos dias de hoje os que se assemelham a Balaão alegam que o pecado é algo não tão sério assim e que não existe conseqüência sobre nossos erros, afinal, movidos pela avareza e cobiça de um coração de Balaão, facilmente ocultam o que está errado pelos honorários e lucros financeiros que facilmente desvirtuam a exortação bíblica. Tais homens seriam capazes de vender a própria mãe pela avidez e presunção de seus corações, imagine o que são capazes de fazer com um povo ignorante a respeito da Bíblia? William MacDonald comenta assim sobre Balaão:

Como Balaão, os falsos mestres de hoje são agradáveis e convincentes. Conseguem dizer duas coisas ao mesmo tempo. Em sua ganância, omitem a verdade a fim de aumentar a própria renda e procuram transformar a casa de Deus em casa de negócio. A cristandade de hoje se encontra contaminada pelo pecado da simonia. Se a busca por lucro pudesse, de algum modo, ser removida, muitos trabalhos supostamente cristãos deixariam de existir.[5]

Coré por sua vez apresenta a rebeldia e insubordinação aos valores absolutos. Fala também sobre um princípio de autoridade que fere os ouvidos de muitos – tanto dentro como fora da igreja – em dias de tanto relativismo ético e moral. Filhos desobedientes, empregados rebeldes, membros de igreja facciosos, os exemplos seriam intermináveis. Nm 16 fala sobre a desobediência, cegueira, rebeldia e insubordinação de Coré – em parceria com Datã e Abirão – contra Moisés e Arão. Coré se julgava como um tipo que nos dias de hoje são vistos como um canal, um guru, quase um gnóstico dos dias de Judas. Aqueles que alegam possuir revelações especiais e direções exclusivas – supostamente vindas de Deus – mas que passam longe da revelação bíblica, assim como o norte está do sul. O Novo Testamento fala sobre figuras de postura semelhante à de Coré, como pode ser complementado com a leitura dos textos de Tt 1.9-11; 1Tm 1.19-20 e 3Jo 9,10 que ajudarão a entender melhor as conseqüências desta rebeldia espiritual.

A seqüência do texto de Judas exemplifica como estes três tipos desvirtuam a igreja de seu foco e propósito, sugando sua saúde e tirando propósito da própria comunidade em benefício próprio.

“Estes são manchas em vossas festas de amor, banqueteando-se convosco, e apascentando-se a si mesmos sem temor; são nuvens sem água, levadas pelos ventos de uma para outra parte; são como árvores murchas, infrutíferas, duas vezes mortas, desarraigadas; Ondas impetuosas do mar, que escumam as suas mesmas abominações; estrelas errantes, para os quais está eternamente reservada a negrura das trevas.” Judas 12 – 13

As Festas de Comunhão ou as Ágapes eram momentos de comunhão entre os irmãos da igreja primitiva, muitas vezes apontando até mesmo para a celebração da Ceia do Senhor. Uma vez que estas reuniões ocorriam nas casas, os falsos mestres se infiltraram na comunidade pervertendo a comunhão em licenciosidade, com posturas de gula, desordem, imoralidades e até mesmo orgias. Calvino, ao comentar sobre estes indivíduos, lamenta que este “espírito de tolerância” tenha gerado conivência com o erro ao ponto de ser danoso para igreja:

Eu, em nossos dias, desejaria que houvesse mais critério em alguns bons homens, os quais, procurando ser extremamente bondosos para com homens perversos, causam grande dano em toda a igreja. [6]

Judas emprega uma série de exemplos da natureza e do cotidiano para tratar do cuidado que a igreja deve ter quanto aos falsos mestres, que assim como dito anteriormente, estavam infiltrados na igreja primitiva e continuam infiltrados na igreja contemporânea. Quando o texto emprega “manchas em vossas festas”, fala sobre rochas e recifes submersos (algumas tradução bíblicas empregam exatamente o termo rochas e recifes) que são verdadeiras armadilhas para embarcações no mar podendo levá-las ao naufrágio. Já para os cristãos estes certamente podem naufragar em sua fé diante destes riscos e pela ausência do filtro bíblico em suas vidas.

Estes pervertedores ainda são chamados de “pastores de si mesmos”, numa clara referência a rebeldia de Coré anteriormente relatada. São mestres do egocentrismo, pois apesar de querer conduzir a outros, não são capazes de se deixar ser pastoreados, mostrando claramente que não são ovelhas, mas bodes ou lobos. Não se deixam pastorear, mas levam e afastam as pessoas para os caminhos tortos. São como nuvens sem água, pois apesar do alarido e da promessa de chuva, por onde passam deixam a terra sedenta e seca, apenas tapando o sol temporariamente para que sejam levadas em seguida pelos ventos.

O texto fala ainda sobre árvores sem frutas sem folhas, murchas ou secas, mortos no pecado como conseqüência do afastamento de Deus e de sua palavra. Por dado momento engana a muitos com aparência de piedade e religiosidade fervorosa, até pareceu ter vida, mas na verdade era morta e sem raiz – duplamente mortos.

Por fim o contexto fala ainda sobre os falsos mestres como ondas do mar, que apesar de muito barulho e alarido apenas efetuam o infindável movimento de ir e vir, vomitando suas sujeiras e imundícies, bastando que baixe a maré para que sua impiedade, ganância e avareza fiquem à mostra na areia da praia. Ou ainda os comparando a estrelas cadentes que por um instante brilham no céu e trazem uma passageira beleza, que rapidamente torna-se fora de curso, se perdendo ao apagar na escuridão das trevas, para desgosto dos seguidores.

Conclusões

Nos versículos 20 a 25 da Epístola de Judas, encontramos palavras finais para todo o contexto da carta. Mais uma vez ele apela para que haja sobriedade por parte dos seus leitores e destinatários, bem como hoje para toda a igreja, quanto a postura ética e doutrinária. Além disso, conclama aos cristãos para que sejam edificados na fé, estejam revestidos pelo poder do Espírito Santo e em estado de firmeza e alerta. A Epístola termina com palavras de doxologia (oração de louvor e glorificação) para exaltação do Senhor por sua majestade e glória bem como pelo seu poder de preservação de nossa fé.

Que possamos nos inspirar ainda mais para nossa vida cristã através das palavras desta curta e poderosa carta. Firmes e em prontidão para a defesa do Evangelho e alertando aqueles que insistem em manter estima pelos que pervertem a boa fé alheia.

Notas

[1] SPURGEON, Charles H. “Dia a dia com Spurgeon”. Curitiba: Pão Diário, 2015. p.519
[2] COMFORT, Philip W. e ELWELL, Walter A. org. “Dicionário Bíblico Tyndale”. Santo André: Geográfica, 2015. p.1023
[3] CALVINO, João. “Epístolas Gerais”. São José dos Campos: Fiel, 2015. p.497
[4] WEBB, Robert in REID, Daniel G. ed. “Dicionário teológico do Novo Testamento”. São Paulo: Vida Nova, 2012. p. 780
[5] MACDONALD, William. “Comentário popular do NT”. São Paulo: Mundo Cristão, 2008. p.986
[6] CALVINO, João. Op. cit. p.513

Fonte: NAPEC